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quinta-feira, 26 de julho de 2012

JONGO: MEMÓRIA ORAL NEGRA

Duas representações: o jongo em barro.



O Jongo chegou ao Brasil através dos negros bantu, trazidos como escrevos para a região do Vale do Paraíba, para as plantações de café. Os bantu eram originários da região do Congo e de Angola.
Para acalmar as revoltas dos negros os donos de escravos permitiam que, em dias de santos católicos, se dançasse o jongo. O jongo embora parecesse um divertimento profano, tinha uma atitude religiosa que envolvia a festividade. Os “pontos” do jongo, por exemplo, de sentido metafórico, cifrado,  precisavam ser compreendidos.
O Jongo com seus “pontos” metafóricos são uma tradição oral negra que se perpetuou. Através dos “pontos” era comum que se combinassem fugas o que era feito às claras, porém sem o entendimento do branco. Também era no jongo que os jongueiros se desafiavam porque demonstravam ali sua sabedoria ao “desatar o ponto”, isto é, decifrá-lo para os demais.
Segundo a ONG Jongo da Serrinha, “o jongo é uma dança ancestral, sos pretos-velhos escravos, do povo do cativeiro, por isso pertence a linha das almas”. Faz parte da crença aceitar que um antigo jongueiro morto se aproxime da roda para lembrar o tempo em que dançava. Também se acredita que antigos jongueiros plantavam, no meio da roda, um pé de bananeira que à meia-noite dava frutos que eram servidos aos presentes. A tradição do jongo persiste e, no Rio de Janeiro, o jongo foi dos primeiros ritmos a surgir no alto das favelas e nas casas, “quintais”,  dos primeiros sambistas.

O pesquisador Dias (2001) explica que as festas negras, no Brasil, têm duas matizes: as internas,
no terreiro, a celebração intra-comunitária, recôndita, noturna, onde se reforçam, sem grande interferência ou participação do branco, os valores de pertencimento a uma matriz cultural e religiosa africana; na rua, a festa extra-comunitária, em que o negro, através das danças de cortejo, busca inserir-se nas festividades dos brancos e ganhar certa visibilidade social, mediante a adoção de valores religiosos e morais da classe dominante.

Explica o autor, ainda, que o jongo é uma dança de roda,

em alguns casos com par solista ao centro. Seus instrumentos são o tambú (tambor maior) e o candongueiro (tambor menor) e a inguaia (chocalho de cesto). Os pontos ou melodias do jongo falam do cotidiano da comunidade (visaria) ou propoem desafios, através de enigmas a serem decifrados (demanda ou goromenta). A linguagem é sempre metafórica. O estilo do canto é responsorial (alternando solo-coro). [...] Entre os grupos afro-descendentes do Sudeste, como os que praticam o Jongo e o Candomblé, um índice da importância que assumem os tambores tradicionais é a utilização do termo ingoma (do banto ngoma, tambor) para se referir tanto aos instrumentos quanto ao evento musical e coreográfico que estes acompanham ou ao próprio grupo ou comunidade dos dançantes, extensão semântica, aliás, corrente entre as culturas da Africa banto. Os herdeiros dessas tradições consideram-se, pois, “comunidades do tambor”.

Ele registrou, durante sua pesquisa, a dança do jongo em Guaratinguetá, Taubaté, São Luís do Paraitinga, Lagoinha, Cunha e Piquete, todas no Vale do Paraíba paulista, e em várias cidades do Rio de Janeiro.

            São exemplos de pontos, citados pela ONG Jongo da Serrinha:

PISEI NA PEDRA (ponto de louvação, Darcy Monteiro)

Pisei na pedra, a pedra balanceou,
levanta meu povo, cativeiro se acabou.

EU CHOREI (ponto de visaria, Manuel Bam-Bam-Bam)

Eu chorei, eu chorava,
era minha mãe que me acalentava.
Bem pequenininho, mamãe me embalava,
por isso que eu chorei, por isso que eu chorava.
Ia para a rua, na rua eu brigava,
era minha mãe que me consolava.
Meu pai me batia, ai, como apanhava,
era minha mãe quem desapartava.
E a professora quando me reprovava,
era minha mãe quem me incentivava.

VAPOR DA PARAÍBA (Vovó Teresa)

Vapor berrou na Paraíba,
chora eu, chora eu Vovó.
Fumaça dele na Madureira,
e chora eu.
O vapor berrou piuí, piuí.
Ô irê, irê, irê,
ô irê, irê, irê.

 Vovó Teresa conta nesse jongo a sua ida de trem de Paraíba do Sul para o subúrbio de Madureira. Vendo a fumaça do trem de ferro Maria-Fumaça, lembrava das chaminés dos navios do Rio Paraíba.

13 DE MAIO (ponto de louvação, Djanira do Jongo)

No dia 13 de maio,
cativeiro acabou,
e os escravos gritavam
liberdade senhor.

            Hoje, 26 de julho é comemorado o dia do jongo e resolvi trazer para o blog esta importantíssima contribuição dos negros para a cultura do Rio de Janeiro.

Fonte:
DIAS, Paulo. A outra festa negra. In: KANTOR, Iris e JANCSÓ, István (org.). Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, FFLCH/USP. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 2001.

Para saber mais:
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Música Brasileira. Belo Horizonte, Vila Rica, 1991.
ARAUJO, Alceu Maynard.Folclore Nacional Volume II. São Paulo, Melhoramentos,
1964.
BASTIDE, Roger. Sociologia do Folclore Brasileiro. São Paulo, Anhembi, 1959.
________________Las Américas Negras.. Madrid, Alianza Editorial, 1969.
________________As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo, Pioneira, 1989.
RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. O Jongo. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1984

domingo, 15 de julho de 2012

Escola Municipal Affonso Penna: Memórias




Ontem estive na Festa Junina (ou Julina?) de uma escola municipal centenária, que agora já há muitas nestas condições. Voltei ao convívio de um pedaço de chão que me traz recordações vívidas de um tempo  feliz ali passado.
A festa estava cheia de crianças, com pais tios e primos que encheram o pátio coberto para as ver dançar, fotografando cada minuto da dança, ou filmando de modo a assegurar, no futuro, as lembranças da infância.
Fui recebida pela mesma direção que ali me recebeu, e com quem tive a honra, o prazer e a alegria de trabalhar: Haydée e Carminha, ou Carminha e Haydée, não importa, além de amigas são assim, como essas duplas, onde um não existe sem o outro.
Sentada à mesa pude ver as famílias a receberem os brindes ganhos pelas crianças a cada brincadeira de que participavam. E a mesa se enchia com os brindes e as comidas típicas das festas juninas: bolo de aipim, paçoca, cuscus...
De vez em quando vinha uma criança com um salsichão, a mordiscar temerosa que o pedaço da guloseima caísse ao chão.
À entrada fui recebida calorosamente pelo professor de Educação Física, João. João estava sempre conosco a cada momento. Levaríamos as crianças a Copacabana para jogarem xadrez como peças vivas, lá estava ele. As crianças visitariam um museu, lá estava ele.
Revi Odete, nossa sempre sorridente servente, pau para toda obra: vamos mudar os móveis de lugar, e lá estava ela. Lembro aqui de nossa cozinheira, D. Léia. Saudades! Deve estar fazendo lá no céu o seu feijãozinho gostoso para Deus. Lembro o "Seu" Jorge. Onde estará ele? Aposentado, talvez...
Aquela escola sempre foi uma família. Dessas famílias grandes que o tempo e a geografia separam, mas quando juntos no mesmo espaço, se unem através de laços que se perpetuam para congregar.
Foi neste espaço, de aconchego, que me aposentei como professora municipal. Voltei lá muitas vezes, é difícil deixar a rotina e prazer deixarem de cotidianos...
Ontem, revi a festa de 85 anos. Na minha cabeça passou o filme, em VHS, que fizemos após ter mobilizado a escola inteira e levantarmos a história. Colhemos memórias de quem já passou por lá, como aluno, professor, diretor, e que hoje já não estão mais conosco. Ficaram no filme.Perpetuados. Memórias que nós, da escola, não selecionamos já que convidamos todos, para um chá, e tomamos os depoimentos. Todos emocionados. Lembranças de velhos, diria Ecléia Bosi.
Revi os 100 anos da escola, a entrega da Medalha Pedro Ernesto a Haydée e Carminha. Todos os que por lá passaram, emocionados, cada qual com suas memórias individuais de um tempo passado ali.
A festa junina me trouxe lembranças. Revi Henriette, Maria Helena, Georgina... Professoras excelentes com quem tive a honra de trabalhar e com quem aprendi muito, as duas primeiras ainda em atividade.
Foi bom voltar. Reviver. Trazer à lembrança, nostalgicamente, tempos felizes, tempos coletivos, onde o que nos unia, e une, é o amor à escola, criada em 1908, pelo próprio Affonso Penna que compareceu à cerimônia de inauguração (e os descendente, convidados a cada efeméride escolar, comparecem, com orgulho) onde D. Maria da Glória, sua primeira diretora, o recebeu, provavelmente, com o mesmo calor e alegria com que fui recebida ontem.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Princesinha do Mar

Praia de Copacabana ,1890


Até um dos nossos maiores compositores, Tom Jobim, encantou-se com a praia de Copacabana:

Existem praias tão lindas cheias de luz, 
nenhuma tem o encanto que tu possuis, 
tuas areias, teu céu tão lindo...

Hoje, a praia de Copacabana faz 120 anos.

Lembro, jovem, de ir a Paria de Copacabana, em frente ao Rian, posto quatro e meio. À tarde, depois do banho tomado e do almoço rápido, voltava para o mesmo lugar, na calçada oposta, para assistir a sessão do Rian. Era meu programa. Era o programa de outros jovens como eu, na década de 1960.

Aquele pedacinho de Copacabana era para mim, jovem conservadora tijucana, o lugar mais livre do mundo, não porque na verdade fosse assim, mas junto a água que batia na areia me sentia livre, com o sol a queimar o corpo livre de roupas e pouco exposto, com os olhos de hoje, em um"indecentérrimo", segundo minha avó, duas peças que me deixava à mostra três dedos de barriga.

Copacabana era para mim um lugar encantado que valia o esforço de um ônibus cheio, na ida e na volta. Onde qualquer óleo, ninguém usava protetor, usava óleo cenoura e bronze para queimar mais e ficar dourada, coisa que nunca fiquei, mas tive duas insolações.

Eu pensava que quem morava em Copacabana era diferente, se vestia diferente, pensava diferente Por isso adorava sair da Escola Normal, nos anos 1960 e ir para a casa de minha tia em Copacabana. Chato era depois pegar o 455 e voltar para a Tijuca.

Copacabana faz parte de minha memória de jovem. É uma memória fresca como a brisa da tarde, na calçada cheia de gente.

Na minha memória ficaram também os dias de Ano Novo. A praia cheia de gente para ver os fogos a escorrerem do Méridien, como lágrimas de despedida ao Ano Velho. Na areia, noite afora, os tambores de candomblé eram o som que, misturados às ondas, levavam flores e barquinhos para Iemanjá.

 E nós pulávamos as ondas pedindo um ano melhor. Tão bom lembrar... Copacabana!

Copacabana, princesinha do mar, feliz aniversário!

domingo, 1 de julho de 2012

RIO DE JANEIRO: PATRIMÔNIO MUNDIAL PELA UNESCO




Igreja e Convento de Santo Antônio
Debret, 1822


Nossa amada e linda cidade do Rio de Janeiro é a primeira cidade do mundo a receber o título de PATRIMÔNIO MUNDIAL DA HUMANIDADE  na categoria paisagem cultural.
O que quer dizer isto?
Nem só as belíssimas paisagens do Rio de Janeiro deram à cidade seu título, também as intervenções urbanísticas que vem sofrendo desde sua fundação, em 1565.
Claro que neste longo percurso muitos equívocos foram, e muitos ainda vem sendo, cometidos. Me ocorre, por exemplo, a destruição do Palácio Monroe. Mas me lembro, também do restauro do Teatro Municipal.
De hoje em diante, com mais este título, a Sebastianópolis dos poetas, deve ser conservada, cuidada. Cabe a nós cariocas - e como cariocas estou incluindo todos que escolheram esta cidade para viver - devemos, não só cobrar do poder público esta postura de conservação, restauro, conhecimento de nossos "documentos" culturais. Mas inserir-se, como cidadão, para tornar nossa cidade, a cada dia, um lugar melhor para se viver. Uma cidade onde o Cristo Redentor toma conta de todos nós e está sempre, de braços abertos, a acolher mais um "carioca".



Hoje estive no Convento de Santo Antonio e pude apreciar as obras que estão sendo feitas, de restauração da Igreja de Santo Antonio, do século XVII. Pude visitar uma ala do convento e passar por portas centenárias. Vi janelas com beirais. Luminárias que eram usadas com azeite ou óleo. Vi o antigo cemitério e o jazigo da família do Imperador.

O parlatório do Convento, que está sendo usado para as missas, com seu teto em madeira pintada. Segundo o frei franciscano que nos acolheu fraternalmente e o Irmão Arnaldo, da OFS da Fraternidade do Convento de Santo Antonio do largo da Carioca, todo o espaço será restaurado. Dos azulejos portugueses da entrada aos arcos que emolduram lateralmente o átrio, da escadaria com pedras coladas com óleo de baleia, aos numerosos e enormes quadros religiosos que, pendurados nas paredes, nos remetem a uma pintura muito antiga, escura.

Hoje eu vi e vivi, no meu coração de historiadora, o Rio de Janeiro do século XVII. Que está sendo restaurado e, segundo o frei que celebrou a missa e nos acompanhou, a mim e a minha amiga, também historiadora, Elizabeth Benaion, será, após o restauro, aberto ao público.

Hoje estive no nascedouro de nossa cidade, o centro, que foi se ampliando, ampliando, até chegar onde é hoje. Fiquei emocionada, porque nascida no Rio de Janeiro, aqui vivo há mais de meio século, pude entrever, no prédio, o início de nossa cidade, as formas de viver antigamente e me senti, de fato, numa máquina do tempo. Sem saber, comemorei o título do alto das escadarias do Convento de Santo Antônio, além de um ícone religioso, também um ícone cultural. Um dos muitos que nossa cidade tem a oferecer.

Parabéns minha cidade amada! Parabéns "cariocas"!
Vamos preservar o nosso Rio.