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Augusta Bernardino da Silva Sá Fonte: Acervo pessoal |
Hoje é comemorado
o dia internacional da mulher. Podia lembrar aqui as mulheres dessa nossa
cidade do Rio de Janeiro, desde que o movimento emancipacionista feminino começou,
coletivamente, nas Ligas pelo Progresso Feminino ou até antes disso, pela ação
individualizada de mulheres fortes, decididas e corajosas. Mas não é preciso.
Cada um de nós tem, em sua própria família, uma mulher assim. Por isso decidi
lembrar de uma mulher forte, uma das muitas que minha família tem. Uma mulher
‘guardiã” da memória familiar que me deixou, por legado, as histórias que o
tempo não apagou. Foi assim que soube de Manuel dos Penachos, homem mau segundo
constava, escravista na região de Campos, que tinha um cavalo com longo
penacho, razão do apelido. Muitas vezes me foi contado, para que não
esquecesse, talvez, que Manuel dos Penachos corria com seu cavalo a vigiar a
produção de cana, o trabalho dos escravos, ou para atender a mulher a quem
amava. Ouvi das histórias, muitas, que tio Neco, jornalista de “A Noite” lá
pela década de 1920 início de 1930, descobria, pelo que posso entender hoje era ele “jornalista
investigativo”, e estampava nas páginas do tabloide. Algumas dessas histórias
fui verificar, mania de historiador de confrontar a narrativa com o documento,
e estava lá, sem nome do autor, nas páginas de “A Noite”. Mas esta mulher que
ao passar pelo centro, que ela ainda chamava “cidade”, contava do Rio de
Janeiro de seu tempo, da mulher de seu tempo, não sabia que eu ouvia e
registrava. Era intencional contar histórias a uma geração mais nova? Não sei e
a essa pergunta não posso responder.
Essa mulher era, e é, ainda, diferente. Trabalhava para
ajudar o marido. Não como a mulher de
hoje, fora de casa. Em casa, distribuindo pensão, que ainda chegava às casas em
marmitas redondas que se grupavam, uma de cada preto: feijão, arroz, salada... Essa mulher criou quatro filhas e um filho e, se bem me
lembro, apesar do calmo e quase mudo, de tão calado marido, dominava a casa com
o olhar. As filhas, todas, seguiram-lhe o exemplo de mulher forte. O filho
puxou ao pai, não pela calmaria de voz ou mudez, ao contrário, mas precisava de
uma mulher-pai, como o pai, mas não teve.
Essa mulher
a quem dedico este dia é minha avó, Augusta Bernardino da Silva Sá. Mulher
nascida em 1880 que me contava de tudo, das festas na cidade pela mudança do século aos inúmeros
vestidos que as mulheres levavam às festas no oitocentos para trocar em um quarto
com mucamas; da Singer que a empregou para ser professora de bordados na novíssima
máquina de costura do início do século, na cidade do Rio de Janeiro. A essa
mulher forte, corajosa, batalhadora que
deixou nas filhas o legado da conquista e nesta neta, a memória a partilhar de
uma época que não viveu.
A todas as
mulheres que desejaram, e apenas isso, serem visíveis numa sociedade que as invizibilizou,
neste dia que é todo seu: a luta ainda não acabou!