João do
Rio, nosso maior cronista da alma da cidade do Rio de Janeiro, em 1908 já
proclamava que “a rua nasce como o homem, do silêncio, do espasmo[1]”,
porque:
A rua faz as
celebridades e as revoltas, a rua criou um tipo universal, tipo que vive em
cada aspecto urbano, em cada detalhe, em cada praça, tipo diabólico que tem dos
gnomos e dos silfos das florestas, tipo proteiforme, feito de risos e de
lágrimas, de patifarias e de crimes irresponsáveis, de abandono e de inédita
filosofia, tipo esquisito e ambíguo com saltos de felino e risos de navalha, o
prodígio de uma criança mais sabida e cética que os velhos de setenta invernos,
mas cuja ingenuidade é perpétua, voz que dá o apelido fatal aos potentados e
nunca teve preocupações, criatura que pede como se fosse natural pedir, aclama
sem interesse, e pode rir, francamente, depois de ter conhecido todos os males da cidade, poeira d’ouro que
se faz lama e torna a ser poeira — a rua criou o garoto!
Essas
qualidades nós as conhecemos vagamente. Para compreender a psicologia da rua
não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do
luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os
nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que
chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes — a arte de
flanar.
E flanando
pelas ruas, através de ótimas publicações que li[2],
nos meus estudos sobre o Rio de Janeiro, descobri algumas curiosidades sobre o
nome de ruas de nossa cidade, do excelente trabalho de pesquisa de Paulo
Berger, que compartilho com vocês.
Avenida Beira-Mar
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Engenheiro André Rebouças |
Avenida Beira-Mar
Conta-nos
Berger que foi o Engenheiro André Pinto Rebouças[3]
que teve a ideia de construir uma avenida entre o Passeio Público a Praia da
Saudade (hoje ocupada pelo Iate Clube do Rio de Janeiro), à beira mar, por
volta de 1870. Porém, somente na administração do Prefeito do Distrito Federal
Henrique Valadares[4],
por iniciativa do Dr. Luís Rafael Vieira Souto[5],
Diretor Geral das Obras Municipais, começou a ser construída a Avenida
Beira-Mar, interrompida em 1894 quando ambos deixaram a Prefeitura do Distrito
Federal. O reinício das obras ocorre somente em 1904, na administração do
Prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos. Foi inaugurada em 12 de
novembro de 1906 com o seguinte traçado: ia do começo da Avenida Rio Branco, do
Obelisco[6],
até o final da Praia do Mourisco, com 5.200 metros de extensão. Atualmente
possui diferentes denominações de acordo com sua localização.
Teve as
seguintes denominações: Rua do Quintanilha, Rua da Pedreira da Candelária e Rua
Conselheiro Bento Lisboa[7].
Logo que foi aberta ao trânsito público foi denominada Quintanilha por atravessar
as terras de Salvador Alves Correia Quintanilha, posteriormente vendidas a
Bernardo de Sousa Castro e Francisco Marques Lisboa. Passou a denominar-se
Pedreira da Candelária por ali[8]
localizar-se a pedreira que forneceu o material para a construção da Igreja da
Candelária[9].
Rua do Catete
Provavelmente pensa você que a
denominação deve-se ao palácio. Não. A rua assim é chamada por ter-se ali
localizado a ponte sobre o rio Catete, mandada construir por Antônio Salema[10].
Rua Correia Dutra
Aberta a via em 1808, recebe a
denominação de Rua da Princesa em homenagem à Carlota Joaquina[11],
esposa de D. João, recém-chegada ao solo carioca. Algum tempo depois, passa a
chamar-se Rua Bela Princesa ou Rua Princesa do Catete, provavelmente para diferenciar
de rua com o mesmo nome, em Cajueiros[12].
Trecho deste logradouro que ia da praia à rua do Catete teve o nome alterado
para rua, ou caminho, do Valdetaro, pois que fora aberta em terras de Manuel
José Valdetaro.. Abrindo-se posteriormente o trecho que ligava a rua do Catete
a rua Bento Lisboa, o trecho recebe o nome rua nova do João Cunha porque
atravessa propriedade de João da Cunha Barbosa. A seguir recebe a via a
designação de rua Nunes Machado, em homenagem da Intendência ao desembargador
Joaquim Nunes Machado[13].
Cerca de sessenta anos depois recebe o nome de Rua Doutor Correia Dutra,
simplificada pelo Decreto Municipal 1165 de 31/10/1917 para Correia Dutra[14].
Nossa
cidade teve, e tem, muitas ruas, e ao passarmos por elas, cotidianamente, não
sabemos que cada uma delas conta uma história, a História da cidade, na
lembrança das homenagens que a cidade quis deixar registrada nos nomes de suas ruas; a perspicácia, sempre, de sua população para um estabelecimento comercial, para um
aspecto geográfico ou arquitetônico e até para os donos das terras que a Prefeitura,
ou o governo imperial, tornava públicas. Você sabe quem é o homenageado da rua
em que mora?
[1] RIO, João. A Alma
Encantadora das Ruas. Disponível em http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/alma_encantadora_das_ruas.pdf
[2] BERGER, Paulo. Dicionário
Histórico das Ruas de Botafogo IV Região Administrativa. Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987 e BERGER, Paulo. Dicionário Histórico das
Ruas do Rio de Janeiro da Glória ao Cosme Velho. Rio de Janeiro: Fundação Casa
de Rui Barbosa, 1989
[3] Nasceu em Cachoeira, Bahia
em 13 de janeiro de 1838, filho de Carolina
Pinto Rebouças e do jurista e político Antônio Pereira Rebouças. Matriculado na
Escola Militar, depois Escola Politécnica, em 1857, tornou-se 2º tenente do
corpo de engenheiros e recebeu o grau de bacharel em Ciências Físicas e
Matemáticas, em 1859. Em 1860, recebeu o grau de engenheiro militar. Em 1880,
fez parte da campanha abolicionista, tendo participado da Confederação
Abolicionista e da criação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e redigido
os estatutos da Associação Central Emancipadora. Lecionou na Escola
Politécnica. Monarquista, embarca para a Europa com a família imperial. Em
Lisboa foi correspondente do The Times, foi viver inicialmente em Angola e depois na Ilha
da Madeira(Funchal), onde se matou em 9 de maio de 1898. Foi responsável por
introduzir no Brasil novas técnicas de engenharia, inclusive o uso do concreto
armado, que empregou em uma ponte em Piracicaba, em 1875, da qual foi o
responsável. (CARVALHO, Maria Alic;e Rezende de. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de
Janeiro: Revan/Iuperj, 1998
[4] Henrique Valadares
(1852-1903) nasceu no Piauí. Era engenheiro militar. Foi nomeado prefeito do
Distrito Federal 1893, pelo Presidente Floriano Peixoto (1891-1894). Deixa o
cargo em dezembro de 1894.(Ver OLIVEIRA REIS, José de. O Rio de Janeiro e seus prefeitos, evolução urbanística da cidade.
vol.3. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, s/d)
[5] Luiz Raphael Vieira Souto,
engenheiro militar, viveu no Rio de Janeiro entre 1849 e 1922. Filho de Luiz
Honório Vieira Souto e de Francisca de Paula Cunha, casado com D. Carlota Souto
de Andrada Vandelli. Foi professor da Escola Politécnica. Foi Diretor de Obras
da Prefeitura, participando entre outras, das obras do desmonte do Morro do
Castelo. Preocupado com as habitações populares, considerava-as como local de
focos epidêmicos. (Ver MOREIRA, Heloi José Fernandes e SANTOS, Nadja Paraense
dos. Luiz Raphael Vieira Souto: Um
centralista enciclopédico. Disponível em http://www.hcte.ufrj.br/downloads/sh/sh3/trabalhos/heloi2.pdf
[6] O obelisco é uma
construção comemorativa constituído de um pilar de pedra, em forma quadrangular
alongada, que se afunilado em direção a sua parte mais alta. O obelisco
comemorativo da abertura da Avenida Central foi construído pela firma A.
Jannuzzi, Irmão & Cia. medindo 18 metros e 15 centímetros de altura. É
feito de granito extraído do Morro da Viúva e tem 27 toneladas de peso. Tem
quatro peças nas faces com s inscrições: “Sendo Presidente da República s. ex.,
o Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves e Ministro da Viação o Sr. Dr.
Lauro Severiano Müller, foi decretada, construída e inaugurada a Avenida
Central, executando os trabalhos uma comissão de que era chefe o Dr. Paulo de
Frontin – 14-11-1906”, “8 de março de 1904, data do inicio das obras”, “15 de
novembro de 1906”.(Ver s/autor. Monumentos
da Cidade. Reportagens publicadas pelo Diário de Notícias. Rio de Janeiro:
S.A. Diário de Notícias, 1946, p. 229-230)
[7] Bento Luís de Oliveira
Lisboa, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, foi promotor público,
magistrado(juiz da Corte de Apelação e Ministro do Supremo Tribunal de Justiça)
e político(deputado estadual, presidente de província).
[8] No Morro da Sintra (antes
do morro do Barro Vermelho). Pertencia à Irmandade do Sacramento. (Ver ALMEIDA,
Soraya e PORTO JÚNIOR, Rubem. Cantarias e pedreiras históricas do Rio de
Janeiro. TERRÆ DIDATICA 8(1):3-23,
2012 pp. 3-23)
[9] A igreja da Candelária,
diferente arquitetonicamente, da que hoje conhecemos, teve sua construção
iniciada ainda no século XVI, diz-se que fruto da promessa feita Antonio
Martins da Palma e sua esposa Leonor Gonçalves, ainda no século 17. Em meio a
uma viagem de navio para o Rio de Janeiro, o casal se viu diante de uma forte
tempestade que quase devastou a embarcação. Devotos de Nossa Senhora da
Candelária, prometeram que erguiriam uma igreja em seu louvor, caso chegassem
sãos e salvos a seu destino. Tendo o casal sobrevivido à tempestade, construíram
uma pequena capela na Praça Pio XI, inaugurada em 18 de agosto de 1634, e que
seria a origem da atual Candelária. Em 1775, devido à má conservação da
igrejinha, decidiu-se pela construção de um novo templo. O sargento-mor
Francisco João Roscio, engenheiro militar português, desenhou a nova igreja. As
obras começaram em 1775, utilizando-se de pedra extraída da Pedreira da
Candelária, no Morro da Nova Sintra, no bairro do Catete. A inauguração, com a
igreja ainda inacabada, ocorreu em 1811, em presença do príncipe-regente dom
João. A igreja tinha, nesse momento, uma só nave. Os altares do interior da
igreja foram esculpidos por Mestre Valentim. (Ver SOUZA, José Vitorino. A Igreja da Candelária desde a sua fundação.
Rio de Janeiro: Editora Debret, 1998)
[10] Inicialmente nomeado
Administrador das Terras do Brasil, em 1569, por D. Sebastião, em 1572, foi
nomeado para as terras do sul, em nova configuração administrativa para a
colônia portuguesa. Seu governo foi de enfrentamento aos tamoios e ao
contrabando francês. Preocupou-se em estabelecer melhor comunicação entre as
lavouras para fortalecer o comércio, criando pontes, inclusive a sobre o rio
Carioca, onde está hoje a praça José de Alencar, e sobre o Rio Catete.
[11] Filha primogênita do rei
Dom Carlos IV de Espanha e de sua esposa, D. Maria Luísa de Parma, rainha da
Espanha, casou-se com o infante português D. João Maria de Bragança (futuro Dom
João VI), em 8 de maio de 1785. (Ver AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Carlota Joaquina na Corte do Brasil. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003)
[12] Bairro formado
originalmente por várias chácaras, começa a transformar-se após a vinda da família
real portuguesa que ali manda erguer um quartel. A instalação militar foi a
origem do atual Palácio Duque de Caxias, ex-sede do Ministério da Guerra. Com a
transformação do local abriram-se duas vias pela desapropriação das terras: Príncipe
dos Cajueiros e Princesa dos Cajueiros, atuais ruas Senador Pompeu e Barão de
São Félix, respectivamente.
Ao longo do século XIX, as antigas propriedades foram
sendo loteadas, e novas vias abertas ao tráfego. Destacam-se duas ruas
principais, cujos nomes de batismo foram Príncipe dos Cajueiros e Princesa dos
Cajueiros, atuais Senador Pompeu e Barão de São Félix.
[13] Foi um dos chefes da Revolução
Praieira de 1848, em Pernambuco (Ao longo da década de 1840, setores radicais
do partido liberal recifense manifestaram-se através do jornal Diário Novo, localizado na rua da Praia,
ficando conhecidos como “praieiros”. Defendiam liberdade de imprensa, a
extinção do poder moderador, o fim do monopólio comercial dos portugueses,
mudanças sócio-econômicas e a instituição do voto universal)
[14] Vereador da Câmara
Municipal em várias legislaturas.Foi Chefe de Polícia em 1893e deputado federal
no ano seguinte.