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sábado, 16 de maio de 2020

INTELECTUAIS NA CONGREGAÇÃO DA ESCOLA NORMAL (1880-1898)


                                                                                 Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]

UERJ

Congregação da Escola Normal do Distrito Federal; Intelectuais Embates republicanos

O estudo dos intelectuais


Amplos, variados e diversificados têm sido os estudos cuja temática são os intelectuais. De Gramsci(1977) a Bobbio (1997), de Albuquerque Júnior (2004) a Carvalho(2006),  tais estudos  refletem sobre o papel do intelectual, nomeando-o, ou não, numa classificação autoral.Esta reflexão, no entanto, não pretende tratar do papel dos intelectuais, nem entrar na tormentosa discussão de como identificá-los a partir de algumas características, mas pensar sobre a inclusão nesta categoria  de um grupo de professores que, no século XIX marco dos intelectuais, atuavam  na Congregação da Escola Normal como formadores dos professores primários, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso tomarei da historiografia as seguintes condições de classificação: erudição, uso da escrita como instrumento para defesa de convicções políticas e forma de intervenção social, defesa da autonomia para o desenvolvimento de trabalho intelectual, uso da retórica ou da lógica para apresentação e defesa de idéias, uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e criação de um corpus[2] diferenciado. Assim, ao refletir sobre o movimento destes professores através do estudo de duas atas da Congregação da Escola Normal[3] de regimes e épocas diferenciadas, pretendo poder identificá-lo como corpus, através das ações e estratégias de posicionamento político refletidas em seus embates com o poder público, como  intelectuais.
Os membros da Congregação eram professores da Escola Normal[4] que, sob a presidência do Diretor da Escola Normal, deliberavam sobre o ensino primário (pareceres, visitas de acompanhamento, análise de livros a serem adotados e regulamentos escolares) e sobre a instituição formadora, quer no campo administrativo (início do período letivo, quantidade de vagas oferecidas nos exames, autorizações ao Diretor), quanto no pedagógico (elaboração de regulamentos, transferência de cursos de um turno para outro, [5] conteúdos a serem ministrados, pareceres para a Instrução Pública, carga horária das disciplinas, docentes a serem admitidos, bancas de exames, etc.). A Congregação era, em suma, como um conselho cuja atribuição era deliberar sobre as atividades da Escola Normal e acompanhar e sugerir sobre o que estava afeto ao ensino público primário.
Antes da República nem todos os que lecionavam naquele estabelecimento podiam ser partícipes da Congregação. Não participavam, no Império, os mestres que lecionavam as Cadeiras de Desenho, Caligrafia, Música, Ginástica, Trabalhos de Agulha [6] e Trabalhos Manuais, do Curso de Artes, talvez porque, não compartilhassem o espírito que era comum aos formados em dada disciplina, ou em determinada escola, o que dificultaria a relação de cumplicidade no trato das questões, assim como a comunicação imediata entre eles (Bourdieu, 2007), porque os mestres [7], como eram designados, eram apenas pessoas qualificadas para um trabalho, muitas vezes manual[8], de fora do ambiente escolar[9], não sendo considerados eruditos ou professores.

Intelectuais da Congregação da Escola Normal

Os congregados eram intelectuais, formados em sua grande parte pelas poucas faculdades existentes no Brasil, como Manoel Bonfim (Faculdade de Medicina da Bahia), Alfredo Gomes (Faculdade de Medicina do Município da Corte), Joaquim Abílio Borges (Faculdade de Direito de São Paulo), Francisco Carlos da Silva Cabrita e João Pedro de Aquino (Escola Central, depois Escola Politécnica); ou com passagem anterior, no curso secundário, pelo Imperial Colégio de Pedro II onde foram laureados como Bacharel em Letras, é o caso, dentre outros, de Tomás Delfino dos Santos e José Veríssimo Dias de Mattos; ou pela Escola Militar, como Benjamin Constant e Álvaro Joaquim de Oliveira. Carvalho (2003, p.78) enfatiza que a educação era marca distintiva da elite política no Império, por isso não constitui surpresa o fato de que muitos professores da Escola Normal como, por exemplo, Carlos Maximiano Pimenta de Laet (deputado pela província da Parahyba e pela província de Goiás) ou Antonio Ferreira Vianna, filho (representante da Corte e do Rio de Janeiro na Câmara Temporária 1869 e 1877), exercessem cargos políticos, mesmo durante a república, caso de Benjamin Constant (membro do Governo provisório e Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos).
A publicização do conhecimento do erudito como busca da justiça, da moral e do direito (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p. 57), no sentido de melhorar o mundo, é uma faceta característica do intelectual. Foi desta forma que agiu Émile Zola ao defender Dreyfus publicando O J´accuse [10]. A imprensa e a literatura se confundiram no final do século XIX de tal modo que as opiniões, assim como as prosas e os poemas, se multiplicavam em periódicos de curta duração.(SODRÉ, 2004, p.288) A todos, especialmente aos letrados e cultos, era dado a possibilidade de opinar.Como os letrados e cultos eram poucos e escreviam para seus iguais, a imprensa serviu, também para divulgar quem escrevia e, desta maneira, legitimá-los como homens cultos. Desta forma também se legitimavam as opiniões e os conhecimentos adquiridos pela profissão, muitas vezes, no entanto, mais por folhetos do que livros, como pensava José Veríssimo, um dos professores da Congregação (ibidem, p.290).
Todos os congregados escreviam, publicando artigos e comentários em jornais. É o caso, dentre muitos, de Carlos de Laet (Jornal do Commercio), Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho (Revista Brazileira), Antonio Valentim da Costa Magalhães (revista periódica Entre Actos), Carlos Jansen (O Cruzeiro), Tomás Delfino dos Santos (revista Universal), Joaquim Borges Carneiro (Revista Brazileira, Reporter, Semana). Ou, ainda, divulgando novos conhecimentos através de obras específicas de sua formação, ou de seu trabalho no magistério, onde destacamos Domingos Jacy Monteiro (Arsenico e seus compostos:effeitos phsycologicos e therapheuticos), Evaristo Nunes Pires (Progressos do Brazil no século XVIII, até a chegada da família imperial), João Carlos de Oliva Maia (O regimen de internato nos estabelecimentos de instrução secundaria e nas escolas normaes) e Guilherme Henrique Theodoro Schiefler (Gramática da Língua Alemã ou Novo Methodo completo para si aprender e traduzir).

O silêncio como estratégia

A intervenção política do intelectual no oitocentos brasileiro se dá mais pela representação do que propriamente pelo direto envolvimento (CARVALHO,2005, p.83) porque a liberdade está, também, associada às escolhas que faz, inclusive do verbalismo sem ação direta. Assim, a intervenção se dá não só pela comunicação, e do uso da imprensa pelo intelectual, mas, também e principalmente, pelo uso do sistema simbólico da ordem vigente para a transformação da estrutura social. Porque, o final do século XIX Brasil foi palco de inúmeros embates por conta das várias ideologias, ao mesmo tempo em que se modernizava através do que as ciências traziam, com novos valores e novos processos identitários sobre os quais se precisava refletir e posicionar.A Congregação republicana de 1890, era composta por todos os professores que se dedicavam ao magistério na Escola Normal da Capital Federal, sem distinções do curso em que atuavam.  Foi, também, um grupo constituído por homens e mulheres intelectuais, que se distinguia pela heterogeneidade de procedência, seja pela região brasileira, ou estrangeira, de onde provinham, seja pela formação que os habilitava. A homogeneidade de seu saber, cultivado por inúmeras leituras e viagens, dava voz, valores, corpo e atos à educação que ministravam (CIAVATTA, 2003) no curso de formação de professores primários revelando seus pensamentos, sonhos, aspirações e interesses para a instrução nas escolas públicos.
Investigar Luiz Carlos da Silva Nazareth [11] requereu estudar o período de que fez parte da Escola Normal do Distrito Federal, 1897 e 1898, buscando pistas que pudessem explicar o fato de um Inspetor-escolar dirigir vitaliciamente o educandári formador que contava com um prestigiado corpo docente composto da alta intelectualidade brasileira do período. O Livro de Ofícios da gestão de Luiz Nazareth[12] deixou para a posteridade, pistas e indícios que apresentam sua administração na Escola Normal como um período de mudanças significativas de paradigmas, seja por estar ali Nazareth como partícipe de um regime que se instalava, seja por sua atuação frente ao corpo de professores – a Congregação – que ainda detinha poderes advindos do regime imperial, seja por não fazer parte do grupo que ali existia.
 Luiz Carlos da Silva Nazareth tomou posse do cargo de Diretor vitalício da Escola Normal em 26 de abril de 1897, convidado por seu amigo, também médico, como ele, Dr. Francisco Furquim Werneck de Almeida, Prefeito do Distrito Federal. No mesmo dia, algumas horas depois, assumiu a Escola Normal, como declarou no documento que o empossa. Chegar à Escola Normal, neste momento, deve ter sido difícil para este homem circunspeto, como o considerava Bathazar da Silveira (1954). Mas assumir a direção da Escola Normal significava, para Luiz Nazareth, servir à República.
No dia em que chegou à Escola Normal, como Diretor vitalício, Luiz Carlos da Silva Nazareth emitiu seu primeiro ofício dos muitos, aqui tomados como símbolos do cargo ocupado e de sua “aproximação” à alta cúpula hierárquica.. O destinatário era o Dr. Alfredo Gomes, até aquele momento professor e conceituado Diretor da escola. Não houvera tempo, visto que a posse de Nazareth fora horas antes, de comunicação entre a Prefeitura e a Escola Normal. O Dr. Alfredo foi provavelmente, tomado de surpresa pelo texto seco e imperativo do novo Diretor: Comunico-vos que assumi hoje a diretoria desta Escola, cargo em que conto com a vossa coadjuvação. O Dr. Alfredo era como Nazareth, um simpatizante do novo regime, no entanto, não esperava ser tomado pelo susto que recebeu. A ele juntaram-se seus colegas da Congregação de professores, que naquele momento, não se manifestaram, como talvez desejassem. Explica-nos Pollak (1989) que

[...] uma situação ambígua e passível de gerar mal-entendidos pode, ela também, levar ao silêncio antes de produzir o ressentimento que está na origem das reivindicações e contestações inesperadas [...](p.202)


Assim, naquele momento, e durante toda a curta gestão de Nazareth à frente da Escola Normal, a Congregação de professores se manteve silenciosa.
Em maio, depois de vários ofícios ao dia, encaminha Nazareth o ofício de um Professor de História, que se mostra contrário ao Decreto que reduzira os tempos de aula da disciplina. Esta questão, até então, era resolvida pela Congregação de professores, Nazareth, no entanto, presidente da Congregação, não convocou o grupo durante toda a sua gestão, como acontecera desde a criação da Escola Normal, em 1880. Encaminhou o ofício a quem criara o Decreto, o Diretor Geral da Instrução Municipal. Não opinou sobre o tema. Omitiu-se. A Congregação e Nazareth usaram da mesma estratégia: o silêncio.
O ofício enviado pelo diretor Nazareth encaminhando o professor de Trabalhos Manuais, revela um certo ressentimento e uma total impaciência, colocando-se até numa posição de superioridade. Chama o professor de incompetente, afirma que ele mal sabia assinar e insinua que roubara ferramentas da Escola Normal. É óbvio que o professor se defendeu das inúmeras acusações apresentando suas credenciais, inclusive a de ter sido contratado pelo professor Benjamin Constant. Nazareth não ficou satisfeito. Enviou outro ofício, tão desrespeitoso quanto o primeiro, comunicando ao seu superior que dera prazo de 48 horas para que as ferramentas que estavam na casa do professor aparecessem e, encaminhando, porque acreditava que esta atitude fazia parte de seus deveres, novo ofício contra o Professor, que não conseguiu escapar de ser substituído. Estaria perdendo a paciência com os professores ou o professor de Trabalhos Manuais era um insignificante mestre, sem expressão, que Nazareth precisava conspurcar para mostrar que de nada valia a Cadeira e quem a ministrava? A Congregação talvez não tenha ficado satisfeita pelo encaminhamento do problema, ainda que este professor dela não fizesse partemas, como Foucault (1996,) explica, quando uma nova formação aparece com novas regras nunca é de um só golpe, numa frase ou numa criação, mas em fragmentos. Era melhor silenciar.
Era difícil para Nazareth, muito difícil, encarar todos os dias os mesmos problemas, seja com os alunos[13], seja com os professores. Ninguém na Escola Normal parecia entender seus propósitos. Nazareth pediu sua exoneração do cargo de Diretor desta Escola[14], em 16 de novembro de 1897. Não lhe mandaram substituto. Pediram-lhe que refletisse e se mantivesse no cargo. Ele atendeu. Provavelmente acreditando que deveria continuar servindo à nação. Seu dever para com o cargo, que não mais desejava manter, o fez aguardar até 4 de fevereiro de 1898. Neste dia enviou seus derradeiros ofícios como Diretor da Escola Normal: um para o Diretor de Instrução Municipal, outro ao Prefeito do Distrito Federal. Em ambos se mostra desgostoso com o rumo que o regime recém-implantado estava tomando. De fato é até provável que tenha se sentido traído. Renuncia ao cargo vitalício.
Sabia ele, mas não levou em conta, que o ex-diretor Escola Normal, Alfredo Gomes, que havia retirado da presidência da Congregação, fazia parte do Conselho Superior de Instrução Pública, como outros ex-congregados. Nazareth mostra-se tão surpreso quanto ficara Alfredo Gomes com sua chegada à Escola Normal ao adentrar à reunião do Conselho. Fora exonerado. Fica claro, para ele, que todos os problemas[15] com que se deparara no Conselho Superior de Instrução viera da Escola Normal. Foi Alfredo Gomes quem falou o discurso da Congregação aviltada na gestão de Nazareth. A Congregação silenciosa, mas não silenciada.
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O uso da retórica como convencimento: embate por um projeto

Quando a Escola Normal se encontrava vinculada à Prefeitura do Distrito Federal foi apresentada à Congregação uma reforma do ensino primário proposta do Prefeito Francisco Furkim Werneck de Almeida [16], antes da chegada de Nazareth. Foi levada à discussão em sessão de 29 de março de 1897, pelo Diretor da Escola Normal, naquele momento atuando, naquele episódio, como representante do poder público republicano e não como presidente da Congregação.
As atas das sessões no acervo do CEMI[17] que trataram do tema permitem perceber o uso da retórica como instrumento persuasivo, como denomina Carvalho (2000, p. 133), seja pelo Diretor Alfredo Gomes, que desejava que a reforma fosse realizada com a anuência da Congregação, seja pelo Professor Guimarães Rebello, que acreditava que a reforma tirava a autonomia da Congregação de opinar sobre o Ensino Normal e sobre o Ensino Primário. O uso da retórica vem da tradição escolástica portuguesa que predominou no Colégio de Artes e na Universidade de Coimbra (ibidem, p.130)  e, em terras brasileiras, nas Faculdades, especialmente a de Direito, no Imperial Colégio de Pedro II e na Escola Militar, onde uma grande parte da Congregação estudara.
O uso da retórica implica: no costume do linguajar erudito que restringe a poucos o deciframento do que está efetivamente sendo dito e no discurso apoiado em autores estrangeiros (naquela época especialmente os gregos e romanos), que impressionam o ouvinte pelo conhecimento deles pelo orador mais do que efetivamente explicam o porquê de sua citação, dando credibilidade ao argumento. Esta foi uma estratégia de uso comum aos intelectuais – e ainda o é – quando desejam impressionar e persuadir. Os discursos são elaborados de acordo com quem os ouve, isto é, com a platéia que escuta o discurso e deve ser convencida. Os argumentos, dos quais se vale o orador, muitas vezes carecem de elementos pragmáticos de reflexão imediata, o que facilita, de certo modo, a persuasão do ouvinte, mas também atendem ao que a platéia gostaria de ouvir.
Na sessão que apresento, o professor Barreto Galvão[18], valendo-se de sua própria legitimidade (ibidem, p. 134) como professor das Cadeiras de Física e Química da Escola Normal, a quem cabia a Cadeira de Astronomia, que pela proposta deveria ser excluída, retrucou os argumentos do Diretor com retórica de lógica cartesiana, como quem era profundo conhecedor das práticas pedagógicas da cultura da formação de professores. Isto porque o positivismo trouxera uma nova imagem da ciência que o intelectual da época reforçava, seja pela racionalidade dos procedimentos, seja pela busca da neutralidade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p.55) o que tornava mais científicos seus argumentos. Esta condição deu a Barreto Galvão, naquela situação, a possibilidade de, também, usar um discurso próprio para um público que sabia igual a si: os professores sem cargo político no governo.
Também se envolveram neste embate os demais professores, liderados pelo Dr. Eugenio de Guimarães Rebello que, tendo se valido dos juízos de valor como argumentos (ibidem,p.135), passou a usar de discurso além da racionalidade como, por exemplo, argumentar que o Prefeito, caso estivesse realmente desejando executar o projeto de reforma, deveria consultar a Congregação previamente para saber se deveria fazê-lo.
Alfredo Gomes, de modo a encerrar a discussão que ora o atingia, como Diretor, e ao Prefeito, consequentemente, e, de outro lado, para, de certo, arrefecer a autonomia dos congregados da Escola Normal, sugeriu que uma comissão fosse composta por ele, pelos professores Francisco Cabrita [19] e Guimarães Rebello para discutir o assunto e resolvê-lo. Sua proposta não foi inócua, também ela corroborava a retórica que defendera. Os dois primeiros professores foram escolhidos porque um estava na direção, ele próprio, e o outro porque fora Diretor e, ambos, sabiam se colocar como mediadores do poder público e daquela Congregação. Eram homens ligados ao aparelho de Estado que apareciam como agentes decisivos para resolver aquela situação. O último, ora, era quem mais reclamava e estava conseguindo cada vez maior número adeptos dentre os demais congregados. Assim, o Diretor usou a retórica, e a inteligência, para explorá-las como instrumentos de poder político, ao instituir a comissão de estudos.O Dr. Guimarães Rebello, envaidecido por ter sido citado para compor a comissão, resvalou em suas convicções, já persuadido pelo Diretor e passou, num discurso propositivo, próprio dos intelectuais espertos (BOBBIO,1997, p.73) a  achar que as bases formuladas pelo Dr. Alfredo Gomes têm lacunas mas que, por interpretar o pensamento do legislador, devem servir de elementos a quem quer que queira estudar o assunto. Na sessão seguinte da Congregação o trabalho foi apresentado, foram discutidos inúmeros pontos e foi lavrada uma ata que, no final, veio a ser "desconsiderada". É lavrada então outra ata, concisa, sem comentários que relata que. o trabalho da comissão foi aprovado para ser encaminhado à Direção da Instrução Pública. O século XIX foi um período de passagem da erudição para a intelectualidade pela transposição do movimento iluminista em cientificista (ALBUQUERQUE JÚNIOR,2004, p.54). A erudição, própria de quem exercia o magistério no século XIX, incluía o conhecimento da retórica que a instituição que os formara, quase que majoritariamente, tinha como boa doutrina, seja a Universidade de Coimbra, sejam as Escolas de Direito, seja o Imperial Colégio de Pedro II ou a Escola Militar. Por outro lado era sabido, e seguido, que pelas Preleções Philosoficas, de Silvestre Pinheiro Ferreira, citado por Carvalho (2006,p.133), que a retórica não deveria separar-se da lógica e da gramática, a teoria do raciocínio não deveria separar-se da teoria da linguagem.
           
Conclusão

As duas situações são emblemáticas, a par do contexto em que ocorreram, pelo uso pelos professores da Escola Normal das inúmeras características descritas pela historiografia como inerentes ao intelectual: defesa da autonomia para o desenvolvimento de trabalho intelectual; uso da retórica, ou da lógica, para apresentação e defesa de ideias; uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e a criação de um corpus diferenciado.
A Congregação não esteve imune ao conhecimento da boa doutrina, nem alheia ao cientificismo que a Revolução Industrial espalhara pelo mundo um século antes. Como homens cultos,  era natural que lessem, como natural que escrevessem a partir de suas próprias reflexões. Os intelectuais da Congregação, pertencendo a grupo diferenciado que usa atitudes de autocomiseração, autoflagelação, auto-exaltação, autodestruição tinha, por conta desta autonomia, papel político. E a Congregação demonstrou defender a autonomia, o que a mantinha legitimada, nos dois casos, defendendo-a perante o poder público, que fez que igualmente vencesse as pretensões dos congregados, mas os derrotou politicamente.          
O fato de a Congregação publicizar, além das paredes da Escola Normal, através dos jornais onde também trabalhavam os professores como articulistas, emitindo seus comentários, suas defesas e seus ataques sobre decisões tomadas nas sessões congregacionais tipifica o intelectual que tem em si mesmo, e nos seus iguais, seus ouvintes. 
O século XIX foi, na imprensa brasileira, um período bastante tumultuado, pois além das discussões literárias, que não eram poucas, haviam as reformas, as muitas reformas (leis abolicionistas, implantação do regime republicano, projetos de construção de uma nação, etc.) com as quais se defrontavam pela  escrita contundente, os homens cultos.
Por outro lado a intervenção política não se deu apenas no uso da escrita. Quase todos os congregados pertenciam a instituições e entidades associativas que se reuniam e opinavam – publicizando ou não – seu protesto ou adesão a causas, o que constituiu um corpus como a própria Congregação o era. Assim, atendendo às características descritas na historiografia no estudo dos intelectuais, posso afirmar que, no final do século XIX, no Império e na República, havia intelectuais no magistério de formação de professores, no Rio de Janeiro, na Congregação da Escola Normal.

Referências Bibliográficas e Documentais

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Da história detalhe à história problema: o erudito e o intelectual na elaboração do saber histórico. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v. 10 n. 2. jul.-dez. 2004.

BLAKE, Augusto Victorino Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,1895.

BOBBIO, Norberto. Os Intelectuais e o Poder. (trad. Marco Aurélio Nogueira). São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo –UNESP, 1997.

BOURDIEU. Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas.(introd., org. e seleção Sergio Miceli). São Paulo: Perspectiva,2007

CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. n.1,PP.123-152  Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006
_____________. Pontos e bordados:escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005
_____________. A Construção da ordem: teatro de sombras. Rio de Janeiro:Ed. Civilização Brasileira, 2007

MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001

 NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. (trad. Celso Nogueira). São Paulo: Companhia das Letras, 1993

PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da Educação. .3ª ed. Coleção Atualidades Pedagógicas. Biblioteca Pedagógica Brasileira, vol.5. Cia. Ed. Nacional, 1942. 

REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais história e política (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Ed 7 Letras, 2000

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª ed., 1999

BRAZILIAN GOVERNMENT DOCUMENT DIGITIZATION PROJECT. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado em maio de 1888. Instrucção primaria e secundária II Escola Normal (p.25) Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1374/contents.html Aceso em 4 de junho de 2008.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Coleção das Leis do Império do Brasil. Decreto 10.060 de 13 de outubro de 1888. Dá novo Regulamento à Escola Normal. Disponível em http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao8.html Acesso em  12 de março de 2009.

CEMI. Escola Normal. Actas da Congregação. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro 1880-1898

______ Correspondências (1897-1898). Rio de Janeiro: Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro 1897-1898



terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Praça do Comércio

Figura 1 1856. Praça do Comércio com Rua Direita. 
 Fonte: P. G. Bertichem, Lithographia Imperial de Eduardo Rensburg, Rio de Janeiro.


Olho o velho edifício amarelado ao final da Avenida Presidente Vargas e lembro que ali, freguesia da Candelária no período colonial brasileiro, está uma obra do arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850), integrante da Missão Artística convocada por D. João: o edifício da Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, na antiga Praça de Comércio. Segundo descrição da época, a arquitetura mostrava: na parte superior as armas dos três reinos, em baixo-relevo, sustentadas por dragões, e nos quatro ângulos figuras sentadas representando as quatro partes do mundo. No interior, um salão em forma de cruz, cercado de colunas da ordem dóricas, formavam uma galeria em roda. O teto arqueado, parecendo abóbada, possuía, no centro, uma claraboia. Nos arcos que a sustentavam, o dístico J. VI e as armas do Reino Unido a Portugal e Algarves deixavam à vista os ornatos e colunas. Ao lado do mar, uma escada, que um dia chegou ao antigo cais. O edifício esteve encravado entre os armazéns da alfândega e, provavelmente, ali se sentia os cheiros que envolviam o cais: o do fumo guardado, o cheiro das sacas de café, do suor de trabalhadores livres e dos escravos que chegavam aos montes, vivos ou mortos. Era uma bela construção e pelos desenhos de Grandjean de Montgny, do acervo do Museu Nacional de Belas Artes,  se percebe um vestíbulo ornado com grades em fer forgè , três portas de verga curva na frontaria e 24 colunas dóricas. Também o desenho  mostra uma claraboia central onde se permite contemplar o céu.
A Praça do Comércio, onde estava o prédio da Real Junta de Comércio, reunia os negociantes do período colonial. Era ali, junto aos trapiches de armazenamento das mercadorias que saiam para exportação e entravam, pela importação, que se juntavam mercadorias e escravos – tratados por peças, como se mercadoria fossem –  em um amarfanhado de gente rica, impecavelmente vestida, os negociantes e compradores; os escravos da estiva na labuta e os escravos recém-chegados que se misturavam junto ao mar. Ali circulava o dinheiro que transformava traficantes de escravos em nobres ou em respeitados senhores com lícitas atividades. 
A Praça do Comércio da Corte, desde D. João, que a visitava sempre e ali era aclamado pela abertura dos portos, tinha grande influência sobre as atividades na Corte. Dali saía o dinheiro para remodelar a cidade e tornar lícitas, a partir de 1831, as atividades ilícitas dos homens que traficavam vidas. Em 1821, uma revolta popular dali partiu, reivindicando do rei, que se preparava para retornar a Lisboa, uma constituição liberal. A sangrenta revolta levou ao fechamento da “Praça” até 1824, quando foi transformada em Alfândega e o prédio foi modificado por questões de segurança.
Lembranças da história do Rio que poucos conhecem!

Para saber mais:

ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle De Biase.  De “Angelo dos retalhos” a Visconde de Loures: a trajetória de um traficante de escravos (1818-1858) . Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal de Pernambuco, 2016.

ANDRADE, Leandro Braga de. Negociantes regionais e mercado interno: uma análise da praça comercial de Ouro Preto, Minas Gerais, no século XIX. Anais. XV Encontro Regional da ANPUH-Rio. Rio de Janeiro: ANPUH, UNIRIO, 2010

FRAGOSO, João Luis Ribeiro. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 1992.

FUNDAÇÃO CALOUSTE GOULBEKIAN. Patrimônio de Influência Portuguesa. PESSÔA, José Simões Belmont.  Praça do Comércio do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.hpip.org/def/pt/Homepage/Obra?a=861 Acesso 10/12/2018



quarta-feira, 14 de junho de 2017

As antigas ruas do Rio



Beco do Guindaste
Os jesuítas, para fazer as obras de construção do colégio, ergueram um guindaste para carregar as pedras neste espaço, que recebeu do povo o nome de beco (ou travessa) do Guindaste, Conta Berger (1974) que, em 1783 para Travessa Doutor Costa Velho homenageando o intendente municipal Dr. José Mariano da Costa Velho (p.46)


Eu amo a rua [...] A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço.[...] A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações, é, no encanto da vida renovada, no chilrear do passaredo, no embalo nostálgico dos pregões — tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguearcom o céu e com os anjos...(JOÃO DO RIO,1908)

Em tempos que os habitantes de nossa cidade não mais têm voz audível e perdem a cidade em que nasceram ou vivem para o descalabro da administração municipal e estadual, para a violência que torna nossas belas e antigas ruas impossíveis de flanar com o fazia João do Rio, lembro de antigos tempos de ruas que não chegamos a conhecer com nomes poéticos, escolhidos pelo povo.
As ruas do Rio, na época da colônia, recebiam o nome de seu morador mais ilustre, ou de quem ali exercia seu ofício, ou ainda da igreja, ou outro prédio, que a diferenciasse, ou de algo que a pudesse caracterizar das demais. Desse modo tivemos (e algumas dessas ruas ainda existem): a Ladeira da Misericórdia, a rua do Ouvidor, o Beco dos Barbeiros ( que liga a Rua Primeiro de Março à Rua do Carmo), a rua dos Açougues do Frade Bento, rua da Botica de São Bento, a rua da Valinha, Travessa de Santa Rita, Travessa Aguiar (aberta em terras de João Antônio Pereira de Aguiar), .
No Império, foi o Senado da Câmara, posteriormente transformado em Câmara Municipal, a instituição responsável por nomear os logradouros da cidade que crescia. Com o regime republicano de 1889, passa o Conselho da Intendência Municipal a ter tal atribuição, depois substituída pela Câmara de Vereadores, que mantém a atribuição até hoje. Desde sempre, no entanto, existe a mudança de nomes, de um para outro, sem razão, ou com razão específica. Assim, conta a memória coletiva da cidade que se o nome “não pegasse”, o que na linguagem popular significava ser de uso difícil ou inapropriado, a nomeação não era aceita e o nome trocava.  Lembra Brasil Gerson (1965) que Artur Neiva[1], ao conversar com um australiano sobre o Brasil, sobre a diferença havida entre o falar e o escrever, disse-lhe:
“- Pois no Rio de Janeiro o nome da rua principal, escrito nas placas, é Moreira César: aqui está nos meu apontamentos. Mas para todos os brasileiros a sua pronúncia é Rua do Ouvidor...” (p.49)


Beco de João Batista
Entre as ruas dos Andradas, Teófilo Ottoni e Larga de São Joaquim, na “ilha seca”, que era um trecho antes dos alagados da rua do Ouvires. O nome homenageia o médico francês João Batista [ que provavelmente era Jean Baptiste] Darrrigue, introdutor da cultura do anis no Rio de Janeiro, que ali residia (BERGER, 1974, p. 71).

Historiadores que voltaram seu estudo a essa temática dos nomes das ruas do Rio, como Vieira Fazenda (1921)[2], Brasil Gerson (1965)[3], Berger (1974)[4], e outros, oferecem um panorama nostálgico dessas ruas que acreditava João do Rio, nosso cronista maior, tinham “alma encantadora”.
Embarcando na onda nostálgica de João do Rio, relembro alguns logradouros de que, possivelmente, a maioria dos cariocas nascidos aqui, ou morando aqui (e logo adotados por essa cidade acolhedora) nunca ouviu falar.

RUA DOS AÇOUGUES DO FRADE BENTO – Estudada por Vieira Fazenda (1921) que comenta que o logradouro recebeu a denominação entre 1682-1685 quando para ali foi transferido o Açougue do Frei Bernardo de São Bento. Sua extensão ia da “primeira cerca do Mosteiro ao fim da Rua dos Quartéis, ao lado do riacho da horta”. Foi aberta em 1615, pelo Abade Frei Bernardino de Oliveira, no terreno do Mosteiro de São Bento. Com a construção de quartéis ao pé do morro de São Bento, recebeu o nome de rua dos Quartéis ou rua dos Quartéis da Armada.
BECO DOS BARBEIROS – Foi aberta em 1755 quando se iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Logo ali passaram a concentrarem-se os negros barbeiros ambulantes que tinham por ofício barbear, sangrar e cuidar dos dentes. Faziam parte os barbeiros de organizada corporação que tinha até uma banda de música. Conta Berger (1974) que instavam-se em barracas nas proximidades do Largo do Palácio e depois juntaram-se no Beco que recebeu o nome do ofício que desempenhavam. De 1938 a 1946 recebeu a denominação de Travessa dos Barbeiros. O nome de Travessa Onze de Agosto foi dado pelo Decreto 845 de 1 de janeiro de 1946, evocativo 1827, quando instituíam os cursos jurídicos no Brasil. Somente em 1965, na gestão do Governador Carlos Lacerda, retoma o nome original, que ainda mantém atualmente, de Beco dos Barbeiros.
LADEIRA DA MISERICÓRDIA – Começava no Largo da Misericórdia e terminava na rua do Castelo e Ladeira do Castelo. Foi aberta em início do século XVII e ligava o Morro do Castelo à planície. Caminho íngreme já existia no século anterior. O vice-rei Conde da Cunha[5] abriu a ladeira junto à Igreja da Misericórdia que foi denominada, a princípio, de Calçada da Sé porque por ali também se chegava a Igreja de São Sebastião. O nome que o povo adotou e que hoje persiste em pequeno trecho preservado foi Ladeira da Misericórdia.
RUA DA VALINHA – Ligação primitiva entre a Rua da Prainha (atual Praça Mauá) e Rua dos Pescadores (atual rua Camerinos), existia em terreno do Mosteiro de São Bento. Antigo trecho entre a rua dos Ourives (atual Miguel Couto) e rua da Imperatriz (atual Camerino) foi chamado Rua da Valinha porque ali existia uma pequena vala por onde escoavam as águas das chácaras ali existentes. Veio a ser incorporada à antiga rua da Prainha, que muda de nome em 1903 para lembrar o Tratado de Petrópolisque anexou o Acre.



           
           



[1] Nasceu em Salvador, em 1880. Estudou na Faculdade de Medicina da Bahia e concluiu os estudos  no Rio de Janeiro, em 1903. Participou de campanhas de profilaxia da malária e em 1912 realizou viagem científica, percorrendo diversos estados brasileiros. Em abril de 1914, passa a trabalhar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro de 1923 a 1927, e no ano seguinte tornou-se diretor-superintendente do Instituto Biológico do Estado de São Paulo. Em 1931 foi nomeado por Vargas interventor federal na Bahia. Criou o Instituto do Cacau. Elegeu-se deputado federal constituinte na legenda do Partido Social Democrático (PSD) da Bahia. No ano seguinte renovou o mandato na Câmara e o exerceu até novembro de 1937.Cientista reconhecido internacionalmente, foi membro de entidades científicas no Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos. Morreu no Rio de Janeiro em 1943.
[2] Ver FAZENDA, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 86 vol. 140. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1921
[3] GERSON, BRASIL. História das Ruas do Rio. Coleção Cidade do Rio de Janeiro, nº 9. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal/ Secretaria Geral de Educação e Cultura, s/d.
[4] BERGER, Paulo. Dicionário Histórico das Ruas do Rio de Janeiro (I e II Regiões Administrativas, Centro). Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Ed. Ltda., 1974
[5] Para saber mais sobre o Vice- rei Conde da Cunha ver GONÇALVES, Isabela Gomes. A Sombra e a Penumbra: o vice-reinado do Conde da Cunha e as relações entre o centro e a periferia no Império Português (1763-1767). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense (UFF), 2010

quarta-feira, 8 de março de 2017

De mulher para mulher

Nísia Floresta (escritora, editora)
Hilária Batista de Almeida (Tia Ciata)
Iyakekerê, cozinheira
Esther Pedreira de Mello (Inspetora Escolar)
Cecília Moncorvo Filho (Crysanthème) Jornalista
Cecília Meireles (Escritora, Jornalista)
Chiquinha Gonzaga (compositora)
Clementina de Jesus (compositora e cantora)
Dilma Rouseff (presidente do Brasil)

Clarice Lispector e Carolina de Jesus (escritoras)  





Dandara dos Palmares (guerreira quilombola)





















A mulher, como essas mulheres das fotos, não pede licença para ir onde quer ou fazer o que quiser, não pede desculpas por ser mulher, não se diz inferior a ninguém e já há muito ocupa o lugar de provedora de sua família. A mulher sabe que ninguém a valora, a não ser ela mesma. Mas essa mulher que somos hoje não surgiu agora, não se fez de geração espontânea, não brotou de inteligência masculina. A mulher de hoje foi forjada nas muitas mulheres do mundo e de suas lutas para conseguir ser mulher. Ela saiu dos quartos e cozinhas das casas coloniais onde servia ao seu senhor para adentrar as salas e chegar às ruas, ocupar espaços públicos e privados, chefiar economicamente sua casa, trabalhar em qualquer profissão que escolha e ser, simplesmente mulher. O gênero feminino abandonou a ideia de que mulher é útero e passou a mostrar-se a si, e aos homens, como gênero diferenciado, com útero. Porque ser mãe ou não ser, é escolha feminina, ainda que os homens queiram legislar sobre esse corpo que não têm. A mulher é indelevelmente marcada pelo aprisionamento sofrido ao longo do tempo nos cantos escuros e empoeirados da História humana; pelo aviltamento do jugo masculino que a via objeto servil de cama e mesa; pelo inconcebível descaso que sofreu, e sofre, no deboche, na pancada, na morte. A mulher tem sua História escrita com sangue e lágrimas no corpo e na alma, cicatrizes de gritos, sussurros e discursos de rebeliões, de embates, de silenciamentos que lembram, sempre, que há nela a garra e a força urdida em vários avanços e recuos para ser, apenas, mulher.
Hoje comemoramos a nós e nossa luta diária para sermos tudo o que quisermos, quando quisermos, e com quem quisermos, porque dia da mulher é todo dia, sempre na batalha de recriar-se em um mundo feito por, e para, homens.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Meu Rio de 452 anos.



           





 
 Cristo Redentor, “braços abertos sobre a Guanabara”, liberta minha linda cidade dos grilhões que a impedem de ser maravilhosa como sempre foi!
            Liberta minha cidade da violência que assola suas ruas, becos e praias da violência que impede que possamos vivê-la intensamente!
            Salva-nos de gente que não respeita suas tradições, seu jeito irreverente de ser, seu acolhimento a qualquer um que aqui pise!
            Deixa que vivamos, de novo, nosso estádio símbolo, o Maracanã, nos jogos de domingo a colorir de gente e bandeiras as ruas, os papos de botequim, tornando visível o espírito alegre e feliz, o jeito carioca de ser!
            Permite que entremos novamente pela Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, sem medo, a admirar de suas trilhas nosso Rio lindo, e penetrar nos seus caminhos de árvores, bichos, cascatas para respirar o ar fresco que dali sai para uma cidade quente!
            Consente que, do alto da Ladeira da Misericórdia, possamos revisitar sua história, sua luta, sua formação de tanta gente misturada, vinda de tantos lugares, que fez dessa cidade o que ela é!
            Aceita que, junto ao seu marco português, guardado e exposto na Igreja dos Capuchinhos, se louve essa minha  cidade em qualquer rito que se queira, a partir da religião que se escolheu, sem ódios e repartições!
            Acolhe a todos que queiram ver, sentir e viver nossa vida carioca como sempre foi, sem discriminar, sem julgar, permitindo que a convivência nos enriqueça a todos!
            Cuida de nós, seus habitantes, nos morros que circundam nossa cidade e onde, na “porta do barraco sem trinco, a lua fura o nosso zinco e salpica de estrelas o chão”!
            Deixa que possamos, descansar em  nossas “praias tão lindas cheias de luz, [porque] nenhuma tem o encanto que tu possuis, [com] tuas areias, teu céu tão lindo [e] tuas sereias sempre sorrindo”, sem que um arrastão nos perturbe ou que a sujeira nos adoeça!
            Traz de volta seus compositores e pintores que espalharam pelo mundo a beleza de nossa mulata “bossa nova que caiu no Hully Gully”, que no Rio sempre foi a designação da miscigenação de brancos e negros, que encantou Sargentelli, que inspirou Di Cavalcanti e que sempre foi sinônimo de formas generosas e perfeitas que, como as montanhas que nos cercam, são símbolos de sua formosura!
            Tira-nos da ditadura do “politicamente perfeito” que no Rio não somos perfeitos, somos gente espontânea que compra quinquilharias na Praça XV ou na Rua do Lavradio para lembrar dos tempos da Tia Ciata, “ da Praça Onze tão querida, do Carnaval a própria vida”, e onde nosso samba maxixado nascia nos terreiros dos quintais!
            Deixa-nos viver nossas feiras para ouvir a cantoria dos feirantes “vem maluco, vem madame, vem maurício, vem atriz, pra comprar comigo” que são memórias da carne vendida na esquina, do peixeiro que visitava as casas e do leite direito da vaca que a modernidade nos roubou!
            Toma conta de nós porque até quem governa essa cidade hoje não respeita suas tradições e jeito de ser!
Liberta nossa vida de tanto preconceito, “cuidado exagerado” e falta de senso porque “minha alma canta [quando] vejo o Rio de Janeiro[...] teu mar, praias sem fim”!
           
            Por hoje, benção meu pai, feliz, apesar de tanta tristeza, aniversário!