Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]
UERJ
helohmei@gmail.com
Resumo Expandido
Este artigo
pretende apresentar possibilidades de investigação da cultura escolar da
formação de professores públicos na cidade do Rio de Janeiro, no acervo
arquivístico do Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). O acervo é constituído de um século de
documentos ali depositados, desde a criação da Escola Normal da Corte, em 1880.
Vários são os historiadores da educação a utilizarem fontes oriundas dos
arquivos escolares que, por entre papéis, artefatos e outros suportes diversificados
apresentam o cotidiano das escolas, o fazer
diário de atores, com uma identidade
própria carregada de historicidade (MOGARRO, 2005, p.73), que se apropria e
se relaciona num microcosmo da sociedade, numa alternância de disciplinas
escolares, a criar cultura (CHERVEL,1988). Concebido como espaço de pesquisa e
memória onde novas e diferentes fontes tornam-se visíveis, possibilitando a
compreensão de muitos aspectos do cotidiano que, por vezes passam despercebidos,
este trabalho busca dar visibilidade a documentos do CEMI que revelam de algum
modo a cultura escolar. A investigação parte da premissa que artefatos de
qualquer suporte, são passíveis de contar uma história e revisitar a memória, revelando
processos e atores que as constituem e formalizam (POLLAK, 1989). O acervo
encontrava-se disperso em diferentes e variadas salas do prédio do Instituto
Superior de Educação do Rio de Janeiro. A partir de 2005 foi recolhido ao
Centro de Memória Institucional (CEMI) que passou a reunir, catalogar e difundir
o arquivo para pesquisadores. Esses documentos permitem a pesquisa de aspetos
cada vez mais valorizados pela historiografia da educação. O acervo documental da
formação de professores existia, dentre os locais onde se sabia, numa sala da
Secretaria Geral da instituição, para alguns poucos pesquisadores que faziam esta
solicitação burocraticamente. Eram inúmeros documentos textuais distribuídos em
armários de aço, caixas de diferentes tipos e tamanhos, oriundas do
fornecimento de merenda e papel, até dezembro de 2005. Os pesquisadores que se
aventuraram à pesquisa, antes deste período de criação do CEMI, conviveram com
insetos, ratos, poeira e muita desorganização, o que os obrigou a desbravar a
montanha de documentos textuais empoeirados para, heroicamente, escrever sobre
a formação de professores. Os itens iconográficos se encontravam intocáveis, em
grandes armários de vidrarias; em mapotecas com pranchas murais, mapas e
projetos de reforma; e em uma sala
fechada, e inacessível por cerca de trinta anos, do Laboratório de Química,
pelo que era sabido. O Museu de História Natural, outra parte deste item, ocupava
uma sala inteira cercada de armários de jacarandá espelhados por vidro bisotado.
Mostrava, além de gavetas e armários agora vazios com pouquíssimos minerais,
coleções em caixas de madeira com espécimes reconhecidos através de etiquetas
meticulosamente manuscritas a nanquim. No local, ainda, esculturas em gesso e
animais de grande, médio e pequeno porte taxidermizados em algum momento da
história institucional, visíveis em grandes armários-mostruário. Ao lado deles,
espécimes de borboletas, esqueletos articulados e muitos outros artefatos além
de vidros com formol contendo sapos, lagartos e demais espécimes da fauna
brasileira. A criação do Centro de Memória Institucional obedeceu a uma
iniciativa individual de desejar preservar a história do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro, que foi apoiada integralmente pela Direção da
instituição naquele momento que, não só instalou o CEMI, como o transformou em
um setor institucional. Na verdade, ao ser criado, o Centro de Memória
Institucional recebeu não só os arquivos de vários setores. Recebeu, também, papéis
e objetos recolhidos das caçambas de lixo do ISERJ, ao longo dos anos, por
funcionários e professores da escola que os levaram para suas casas, no intuito
de proteger algo por eles considerado de importância. Também para o CEMI foram
encaminhados, por parte de servidores, ex- alunos e ex-professores, material por eles utilizado no dia a dia escolar:
cadernos, provas, trabalhos e fotos de alunos, uniformes com seus itens de
adorno (abotoaduras e placas)... O acervo foi organizado, acessibilizado e
difundido pela internet, em site e blog, originando várias monografias,
dissertações e teses em universidades do Brasil e exterior durante os seis anos
de sua existência. O conjunto arquivístico do CEMI para o estudo da formação de
professores se caracteriza não só pela metodologia que emprega, ao dividir o
acervo pelas diferentes fases por que passou a instituição, o que demonstra as
diferentes políticas públicas, como pela proximidade e interação de fontes de
diferentes suportes. O Museu de Equipamentos e Instrumentos Escolares e o Museu
de História Natural, que compõem o Centro de Memória Institucional, facilitam e
ampliam a integração entre suportes, em um profícuo diálogo que interessa ao
investigador. A biblioteca de livros raros, há alguns poucos anos incorporada
ao acervo, amplia este conjunto, viabilizando o resultado impresso da
experiência educativa: os livros produzidos por professores da escola ao longo
da história institucional. Assim, estão lado a lado, por exemplo, a ata de
criação da Escola Normal da Corte referendada por Benjamin Constant Botelho de
Magalhães e pranchas murais cartonadas do século XIX, produzidas pela Deyrolle
para as crianças pequenas; os esqueletos articulados produzidos pela mesma
empresa, muito tempo depois, já então designada Les Fils d’Èmile Deyrolle e o
livro de 1954, de Balthazar da Silveira, que apresenta uma discussão entre
professores sobre alterações no programa de História Natural; as notas fiscais,
no Livro das 3ª Vias de Notas, indicando que tipo de carteira se mandava fazer na
empresa Móveis e Colchoaria de Bernardino José da Silva, à Rua d’Alfândega, 88,
em fevereiro de 1888, ou na Marcenaria e Carpintaria Ernest Dumesnil, à Rua da
Ajuda 15, em 1890, para que os futuros professores assistissem aulas na Escola
Normal; o Regulamento da Escola Normal que especificava os deveres dos
discentes, inclusive e principalmente, no aspeto disciplinar. As vidrarias dos
gabinetes de Física e Química permitem se analisadas com o inventário de
criação destes, em 1890, cotejar o material comprado na Europa para a
instalação dos Gabinetes na Escola Normal. Os ofícios de 1890 possibilitam
verificar os meios governamentais colocados à disposição da Escola Normal por
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro de Instrução Pública, Correios
e Telégrafos, ex- diretor por cinco anos e professor mais antigo dessa
instituição, para viabilizar a modernidade republicana através da criação dos
gabinetes destas Cadeiras. Os livros de designação (1881-1889 e 1900 - 1910)
retratam os docentes e funcionários da Escola Normal, indicando não só seus
nomes como as turmas que regeram a cada ano, suas licenças e férias e até seu
salário. Mostram também as épocas de grandes indicações políticas que, pela
quantidade de professores listados no mesmo período, instigam hipóteses de que
eles sequer tenham ali lecionado, pondo em xeque uma memória enquadrada (POLLAK, 1898, p.9). Periódicos de alunos, por
exemplo, desvendam as esperanças e anseios das normalistas dos anos de 1930 ou
1960 não só quanto ao seu futuro como às aspirações com a “cívica tarefa” de
civilizar e educar o pequenino. Os livros dos professores os apresentam
referendados pela posição que ocupavam institucionalmente e a forma de ensinar,
o que se acreditava devesse ser apreendido em diferentes temporalidades, para
ser posteriormente ensinado, pelas futuras professoras. As pequenas mesas redondas de quatro cadeiras, usadas na Escola de
Professores na década de 1930, complementadas pela gravura do livro Instituto de Educação do Distrito Federal, de
Francisco Venâncio Filho (1945) são fontes importantes para contextualização
das práticas escolares e disciplinas ali
desenvolvidas. A esse mobiliário, juntam-se as cadeiras universitárias da
Universidade do Distrito Federal (UDF), com assento individual e espaço para o
tinteiro, mas extremamente pesadas o que, certamente, inviabilizava seu
deslocamento. Há muito a fazer em termos de acessibilidade, no que tange
ao arquivo escolar do ISERJ sob a guarda do CEMI, o que recente parceria
extensionista das universidades locais deve minimizar. Por outro lado tentativas
vêm sendo feitas no sentido de restaurar o arquivo textual danificado. No
entanto o acervo tem sido utilizado, há seis anos, por pesquisadores
brasileiros e estrangeiros de várias instituições e desta forma, cumprido seu
papel de reconstituir, em diferentes temporalidades, os fazeres e a cultura da
formação de professores, sem financiamento público ou privado. Manter os
acervos arquivísticos dentro dos espaços que o geraram, financiando-os para
preservá-los, não é, ainda, objeto de discussão dos historiadores, embora a
historiografia da educação privilegie suas fontes e objetos. Mas é uma questão
relevante a ser discutida.
Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro. Formação de professores. Cultura escolar.
O CEMI
O Centro de
Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de
Janeiro (ISERJ) surgiu de uma iniciativa minha de conhecer a História
institucional e a ela não poder ter acessibilidade.
Propus ao Diretor
Geral, em 2005, depois de várias tentativas de acesso aos documentos
institucionais, compartilhadas por servidores da Fundação de Apoio à Escola
Técnica (FAETEC), para abrir um Centro de Memória Institucional, onde guardar
todos os documentos institucionais de quaisquer suportes, de modo a
organizá-los e acessibilizá-los a quem desejasse conhecer a História do
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
Aceito
o projeto, a Direção Geral do ISERJ providenciou uma sala, no Torreão do prédio
central, e um funcionário, professor de História[2]. Nossa tarefa era a de buscar
os documentos institucionais de diferentes suportes, em cada setor da unidade
escolar.
Não
foi uma fácil empreitada. A instituição ocupa um espaço geográfico de 38 mil
metros quadrados e, à época, seus elevadores não funcionavam[3]. Ao mesmo tempo criamos um
blog e um site[4]
na internet que davam notícias a pesquisadores de diferentes lugares (Brasil,
Portugal, Estados Unidos, França, Haiti, México, etc.)[5] sobre os documentos, que
estávamos localizando e guardando para acessibilidade, no arquivo.
Essa visualização permitiu que muitos outros documentos
chegassem ao CEMI, oriundos das famílias de ex- professores e ex-alunos,
falecidos, que não desejavam desfazer-se do material considerado valioso por
quem antes os guardava. Assim o CEMI recebeu cadernos escolares da década de
1930, trabalhos de alunos, livros produzidos por professores, provas escolares,
fotos, etc. Foram doados ao CEMI, de 2006 a 2010, os seguintes
acervos de professores da instituição: Francisco Mozart do Rego Monteiro,
Orminda Isabel Marques e várias ex-alunas. Os arquivos compreendiam: documentos
pessoais profissionais manuscritos (a partir de 1916) que incluem as atividades
profissionais desenvolvidas no âmbito do magistério e as campanhas em prol do
analfabetismo, os elogios funcionais recebidos de Adolfo Bergamini e Anísio
Teixeira; fotos, obra (publicada e “em boneca”, esta
última com indicações manuscritas do Prof. Lourenço Filho), trabalhos de
alunos; cadernos escolares (1932 a 1935), fotos de formatura, provas escolares (1939
a 1946), livros de memória, etc.
Tinha-se,
então, um problema a ser solucionado para que o CEMI pudesse dar certo: a
rivalidade dos servidores da instituição. Os funcionários e professores da
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEE), servidores a que
estava vinculada a instituição até 1997, continuaram trabalhando no Instituto
Superior de Educação do Rio de Janeiro quando este foi transferido à vinculação
da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (SECT), passando
a compor a rede de escolas e institutos superiores da Fundação de Apoio à
Escola Técnica (FAETEC). Os professores e funcionários da SEE, acreditando que
o Instituto fora “tomado” por outra secretaria de estado, inviabilizaram
qualquer tentativa de professores e funcionários da FAETEC conhecerem a
história e a memória institucional, escondendo documentos e dificultando seu
acesso durante longos e penosos anos, o que tem prejudicado, no meu
entendimento, a instituição.
À
medida que o CEMI ganhava confiança dos funcionários da Secretaria de Educação como
um lugar onde se (res) guardava documentos escolares, foram entregues ao setor apontamentos,
em algum momento, descartados por administrações nomeadas pela Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro,[6] que haviam sido resgatados
das caçambas de lixo, por estes funcionários, que os levaram para suas casas de
modo a preservá-los por acreditarem ser valiosos.
Também foi
feita parceria do CEMI com um site nos Estados Unidos[7], onde as fotos de
ex-alunos ali disponibilizadas, também passaram a fazer parte do acervo do
CEMI. Desta forma, o CEMI recebeu um grande número de documentos imagéticos,
originalmente acervos pessoais, já digitalizados, para o acervo.
O CEMI nunca teve
nenhum financiamento para que pudesse funcionar. Eu não tinha a escolaridade
necessária (doutorado), e ainda não a possuo, para habilitar-me a fazer
projetos institucionais junto às agências de fomento. Houve uma tentativa, em
2007, de uma professora doutora da UERJ que fez um projeto para restauração de
documentos do CEMI que não foi aceito pela direção do ISERJ. Houve, também, uma
exposição, em 2009, financiada por agência de fomento, como parte de um
Congresso Internacional de História da Educação, no entanto, exceto a exposição
de seu acervo, o CEMI não recebeu nada em termos de benesse, nem mesmo restauro
de material ou, ainda material para limpeza do acervo.
Todos
os materiais até hoje utilizados no CEMI são aqueles usualmente comprados para
a unidade escolar, apesar das especificidades do setor, e/ou foram adquiridos
por quem trabalhava no setor. Após minha saída do CEMI, o que ocorreu em
janeiro de 2012, a coordenação do Centro de Memória coube a uma bibliotecária
contratada; não há mais dias designados e horários de abertura do setor ao
público e todos os acessos ao conjunto arquivístico por pesquisadores externos
devem ser solicitados burocraticamente, sem data prevista para atendimento.
Ainda que o conjunto arquivístico, de diferentes
suportes possibilite novas fontes historiográficas, o que atualmente tem sido
objeto da atenção de vários historiadores (SOUZA e VALDEMARIM, 2005; MOGARRO, 2006;
MOGARRO e MARTINS, 2010; NUNES, 1992; NUNES e CARVALHO, 1993), desde os
Analles, na década de 1990, porque estimulam o olhar diferenciado do
pesquisador sobre o indivíduo e suas ações no contexto escolar que o cerca, o
rico conjunto arquivístico sobre a formação de professores de uma escola
centenária corre o risco de perder-se.
História institucional nos diferentes suportes
A constituição de bibliotecas e de
arquivos forneceu, assim, os materiais da história (LE GOFF, 1990, p.10)
A história
institucional começa a ser contada no CEMI em um documento manuscrito de capa
vermelha, denominado Acta de Inauguração. A abertura deste livro encadernado é
assinada por Benjamin Constant, que também apõe sua assinatura nas demais páginas,
no alto à direita, legitimando a escrita. O documento relata que foi destinado
a inauguração da Escola Normal da Corte. Nesta ata, datada de 5 de abril de
1880, após um espaço significativo, começam as assinaturas. Assinam a ata Álvaro Joaquim
de Oliveira, Antonio Pompeu de A. Cavalcante, José Rodrigues de Azevedo
(ilegível), Dr. Arnon Ferreira das Neves Armando, Henrique Valentim (ilegível),
Arthur Otto Higgins, Bacharel João José Dias (ilegível), Maria do Carmo de
Paula Menezes, Ida Angélica Dunham, Alcina da Motta e Silva, Seraphina Augusta
Gonzaga, Maria Carolina Alves de Azevedo, Rosa Paula de Viterbo Pereira,
Honorina Gabriella Pereira, Sebastião (ilegível), José Antonio Gomes, Raul
d`Ávila Pompéia, Aristides Leonardo Pereira dos Santos, Maria Christina
Anderett Corrêa, Maria do Carmo (ilegível) B. de Castro, Antonio Borges de
Castro, Thereza Barreto Montebello, Antonio (ilegível), Álvaro Soares d´Andrea,
Francisco Ignácio Ferreira, Manoel (ilegível) de Araújo Silva. Curiosamente os
demais presentes ao evento não assinam, o que provavelmente fariam no espaço em
branco, antes das assinaturas ali apostas.
Há escrituras
que, intencionalmente, forjam a memória de alguém ou de algo, perpetuando, com
este registro, aquilo que se acreditava devesse ser lembrado, ou melhor, que
não pudesse ser esquecido. O ato de preservação da lembrança não é espontâneo
ou inconsciente, mas deliberado para servir a alguém ou um grupo com um fim
determinado (POLLACK, 1992). É assim, por exemplo, quando um determinado
escrito, ou imagem, estabelece uma memória, o que parece ter acontecido com a
Ata de Inauguração da Escola Normal da Corte.
Verificando o
livro da Porta, documento manuscrito que identifica, por dia, as matrículas e
as turmas a partir do ano de inauguração, encontrei, dentre os alunos, aqueles
cuja assinatura constava do Livro de Inauguração. Por outro lado, confrontando
este documento com Relatórios da Escola Normal, guardados no Arquivo Nacional
brasileiro, pude observar que a ata pode ter sido uma escritura, feita por
Benjamin Constant, de modo a deixar, entre os papéis da Escola Normal, um que
representasse o evento fundador da instituição, com seu nome associado ao fato.
A crítica de um fato histórico resulta da interpretação do historiador e o
documento não pode ser encarado apenas como monumento de fatos acabados e findos,
merecendo uma análise e confrontações (LE GOFF, 1990), o que fiz muitas vezes,
para entender documentos e colocá-los em condições de acessibilidade ao
pesquisador, e, com a Ata de Inauguração, em especial.
Esta ata,
assim como ofícios, livros de designação de professores, as atas da Congregação
e dos exames práticos e outros documentos textuais, permitem que seja possível
ao pesquisador adentrar no mundo cotidiano da Escola Normal da Corte, tomar
conhecimento de seus conflitos, das discussões e do posicionamento da
Congregação de seus professores e invadir, através do Regulamento e do Programa
de Ensino, textos impressos, o cotidiano da formação de professores na Escola
Normal da Corte. Assim, sobre tal temática, já foram produzidos artigos
(SANTOS, 2008, 2008ª; BRAGA, 2010, UEKANE, 2005, 2008) e dissertações (UEKANE,
2009 e SANTOS, 2011a) que tiveram por fonte tais documentos.
Se for desejo,
e objeto, do pesquisador, o conhecimento da Escola Normal do Distrito Federal,
ofícios, Regulamentos, Portarias, Correspondências do período republicano, desde
o Governo Provisório, estão disponíveis para o manuseio e consulta. Eu mesma,
em diversos artigos, pude utilizar os documentos textuais do CEMI para contar a
história da Escola Normal (COELHO, 2007 e SANTOS, 2008a, 2011a, 2011c).
A
criação, em 1932, do Instituto de Educação ensejou, também, um número razoável
de pesquisas (LOPES, 2007 e BRAGA, 2009) usando como fontes os documentos
manuscritos e impressos, que estabeleceram diferenciadas interpretações sobre a
instituição e personagens que dela fizeram parte.
Também
à disposição de historiadores um rico acervo documental sobre a Universidade do
Distrito Federal (UDF)[8] , apresenta, dentre
inúmeros documentos, a formação de professores de Matemática (DASSIE, 2008) na
Escola de Ciências, com a atuação relevante do professor Euclides Roxo nesta
tarefa e a constituição da Biblioteca universitária, com decisiva influência
francesa, o que demonstram os inúmeros relatórios do bibliotecário Gastão Cruls
e as doações de mais de 90% das obras ali depositadas obtidas nos catálogos
franceses através de sua embaixada no Brasil, seja do Governo em França, seja
de instituições e pessoas físicas. (SANTOS, 2012).
A cultura escolar nos arquivos
A preocupação com a problemática da cultura escolar
despontou no âmbito de uma viragem dos trabalhos históricos educacionais e de
uma aproximação cada vez mais fecunda com a disciplina de história, seja pelo exercício de levantamento, organização e ampliação da massa
documental a ser utilizada nas análises, seja pelo acolhimento de protocolos de
legitimidade da narrativa
historiográfica. (VIDAL e FARIA FILHO, 2004, p. 139)
As fontes do
Centro de Memória Institucional do ISERJ, devido à preservação e acessibilidade
do acervo documental até 2012, tem sido uma possibilidade concreta de encontro
de fontes, ainda não utilizadas por pesquisadores, para narrativas e ressignificações
da memória.
O acervo
percorre a história da instituição que já foi Escola Normal da Corte
(1880-1889), Escola Normal do Distrito Federal (1890-1932), Instituto de
Educação (1932-1960), sede da Universidade do Distrito Federal (1935-1939),
Instituto de Educação do Estado da Guanabara (1960-1975), Instituto de Educação
do Estado do Rio de Janeiro (1975-1997) e hoje é designado Instituto Superior
de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1997-...).
Estas fontes
têm permitido o estudo acadêmico de pesquisadores e novas descobertas
historiográficas. Assim, podemos citar, por exemplo, o uso do cotidiário[9] da Escola Primária de
1932, mostrando as dificuldades cotidianas no recém-instalado Instituto de
Educação, dirigido por Lourenço Filho, para implementar o paradigma da Escola
Nova (BRAGA, 2008).
Por outro lado,
não apenas os documentos textuais permitem ao pesquisador a imersão em um tempo
diferente do seu para fazer uma narrativa plausível. Os documentos magnéticos,
os imagéticos, os iconográficos, permitem, neste conjunto arquivístico, dados
preciosos que podem, e por vezes até o fazem, suscitar novas ressignificações
de modo a criar novos caminhos para a pesquisa historiográfica. Neste caso
estão os documentos dos Museus de Equipamentos e Instrumentos Escolares e do de
História Natural que já permitiram estabelecer que, no ISERJ, está parte do
acervo do Pedagogium (SANTOS, 2012b),
até então em lugar desconhecido pela historiografia. (BASTOS, 2002).
Também os Gabinetes de Física e Química
puderam ter a história de sua implantação e financiamento contada em um
cruzamento de fontes textuais e iconográficas do CEMI que lançaram luz a ações,
até então desconhecidas, do então Ministro de Instrução Pública, Correios e
Telégrafos, Benjamin Constant Botelho de Magalhães junto a Escola Normal
(SANTOS, 2009a).
Cadernos
escolares, provas, carteiras escolares da Escola Primária do Instituto de
Educação e da UDF, periódicos de alunos (GRANATO, 2009), tem possibilitado vislumbrar
práticas metodológicas e disciplinares, sonhos e expectativas com a difusão do
acervo dentre inúmeros pesquisadores de universidades (UERJ, PUC-RJ, UFRJ,
Universidade do Texas, Universidade do Porto, UNICAMP, USP, etc.) assim como a
incursão em novas fontes de pesquisa, trazendo luz para o cotidiano da escola
que durante mais de cento e trinta anos forjou sua cultura escolar nos inúmeros
documentos de diferentes suportes abrigados, hoje, no CEMI.
Conclusão
O
CEMI tem possibilitado, durante os quase sete anos de sua existência, que a
historiografia que investiga a formação docente na cidade do Rio de Janeiro,
possa conhecer, em detalhes ainda a serem investigados, a cultura escolar da
Escola Normal da Corte, da Escola Normal da Capital Federal, da Escola Normal
do Distrito Federal, do Instituto de Educação, da Universidade do Distrito
Federal, do Instituto de Educação do Estado da Guanabara, do Instituto de
Educação do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto Superior de Educação do Rio
de Janeiro.
O
rico conjunto arquivístico da formação de professores desta instituição, que já
ocupou espaços geográficos distintos na cidade do Rio de Janeiro e já foi
designada por vários nomes, vem acumulando, desde 1880, uma cultura escolar
diferenciada e, até a abertura do CEMI inexpugnável, ou acessível a poucos, que
nesta aventura investiam. Estes documentos têm contribuído para, em sendo o
CEMI um lugar de memória, no sentido de
Nora (1993), tornar acessível a “história que não é mais”(ibidem,p.9).
Assim, o
acervo do CEMI, composto de artefatos de diferentes suportes e de documentos
textuais, manuscritos e impressos, têm possibilitado novas incursões
historiográficas o que, sem dúvida, enriquece e completa algumas lacunas da história da educação,
especialmente no que tange à formação de professores no Rio de Janeiro.
Existe a
preocupação com a manutenção do acervo, assim como com sua acessibilidade aos
pesquisadores, pois que não há interesse da atual direção da instituição para
tal. É, no entanto, com esperança que, tornando público o rico acervo existente, este possa ser
preservado, ainda que pela instituição mantenedora da unidade escolar, que
recentemente tem incentivado a abertura de centros de memória nas escolas e
institutos superiores da rede da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC).
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[1]
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPEd) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na linha de pesquisa Instituições, Práticas
Escolares e História. Mestre em Educação pela UERJ. Criou e dirigiu o Centro de Memória Institucional
do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, até janeiro de 2012.
[2]
Professora Walkyria Lobão Rocha.
[3] Os elevadores da
instituição, com todos os componentes importados, fabricados pela Otis Elevator
Company, firma americana, foram dos primeiros instalados no Brasil,
sendo o primeiro o do Palácio das Laranjeiras, em 1906. Os elevadores
instalados na Escola Normal do Distrito Federal em 1927, são anteriores ao do
Empire State Building, em Nova Iorque, Estados Unidos da América e da Torre
Eifel, em Paris, França.
[5]
O blog, desde 2006, tem, até 2012, mais de 50 mil acessos e 395 postagens.
(Google Analytics)
[6] Durante as décadas de 1970
a 1980 a instituição ficou abandonada à própria sorte inclusive no que tange à
manutenção do prédio histórico tombado que chegou a ser escorado para evitar
desmoronamento. Neste período as administrações do Instituto de Educação tinham
apenas vínculos políticos sem maiores compromissos com a história e memória
institucionais.
[8]
Catalogado sob a coordenação do Professor Doutor Bruno Dassie, com um grupo de
professores do curso superior do ISERJ.
[9]
Livro ou caderno de escrita informal, utilizado para registrar, cotidianamente,
fatos ocorridos em um turno ou outro, ou em um setor ou outro, de modo a levar
adiante uma dada informação.
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