Artigo apresentado em Salamanca, Espanha, durante o Congresso Internacional de História da Educação Latinoamericana(CIHELA) de 2012
Heloisa Helena Meirelles dos Santos
UERJ
La
educación superior en Iberoamérica
durante la primera mitad del siglo XX
(1900-1945).
A criação da Universidade do
Distrito Federal (UDF),[1] uniu
esforços intelectuais para imprimir: a institucionalização da cultura, através
das pesquisas sobre o Brasil; uma nova
metodologia; experimentos da integração com outros intelectuais e valorização da ciência através da biblioteca
universitária. Foram esforços brasileiros e franceses, cada um com seu próprio
objetivo: idealista ou pragmático, que alinhados, mudaram o eixo cultural e
deixaram influências marcantes para as gerações posteriores.
Havia interesse francês em,
principalmente depois da guerra, fazer da cultura sua propaganda política,
criando uma simbiose perfeita de tal
forma que os franceses, professores, escritores, cientistas, enfim, se tornassem «embaixadores» (SUPPO, 2000, p.311). Em 1932, a questão da propaganda francesa
tornou-se obsessiva até por conta da complexa política na Europa após o Tratado
de Versalhes.
Interessa destacar o paradigma
defendido pela Associação Brasileira de Educação (ABE) e Associação Brasileira
de Ciência (ABC) e implementado na UDF, e
as pretensões políticas francesas que se alinhavam na reforma
educacional anisiana[2]: a
criação de uma universidade que, em sendo, um
lugar de liberdade, possibilitasse aos que ali ensinassem e aos que ali aprendessem,
ser o fino escól da humanidade para quem
a vida só vale pelos ideais que a alimentam (TEIXEIRA,1935).
Para a França, a UDF era um
espaço importante a ser conquistado, visto que a colônia francesa não era
numerosa no Brasil e a elite era consumidora de produtos franceses. Por isso
era relevante que, no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, onde estava concentrada
a elite intelectual, se falasse francês, o que cotidianamente ocorria para parecer
ser culto. A meta era que se pudesse ler em francês para entender e assimilar a
cultura francesa. O melhor lugar para que estes objetivos fossem implementados
eram as universidades que se estavam criando, principalmente uma universidade
no centro cultural do país. A língua é elemento importante na troca simbólica:
é instrumento de poder (BOURDIEU, 1983, p.161) e os franceses a usavam na sua
política de alinhamento francófila.
No Brasil, desde a colonização, a cultura se
baseava no patamar biblioteca, teatro e museu (MILANESI, 1997, p.23), assim,
realçar a biblioteca universitária da UDF era realçar a cultura institucional.
Para a França a cultura estava dentro de seu complexo sistema de propaganda que
fazia o país manter e conquistar aliados no pós-guerra. Este sistema incluía os
professores que, por nacionalismo ou ascensão profissional, se predispunham a
propagandear a França, comercial ou culturalmente, em busca de aliados.
Mesmo tendo ido a Lisboa, e em busca de
judeus que já haviam sido cooptados por ingleses e americanos, o reitor da UDF
viajou com um propósito: contratar docentes europeus que pudessem ensinar aos
futuros professores secundaristas e universitários e também atualizar aqueles
que já trabalhavam, sem a devida experiência européia, institucionalizando a
cultura. A Europa, a França especialmente, era o símbolo do mundo civilizado. A
França tinha todo o interesse de cedê-los: eram os «embaixadores»: aqueles que divulgariam e expandiriam o futuro apoio à
França.
Mas não seria suficiente a tática da UDF de,
com os contratados, limitar os conhecimentos trazidos por eles aos muros da
universidade. Era importante partilhar, o que interessava também a França. A
universidade era no paradigma anisiano, o espaço da liberdade, da congregação,
o que unia perfeitamente ambos os interesses ainda que idealistas de um lado e
pragmáticos do outro.
Foram proferidas palestras
por vários professores contratados, dos quais optamos por descrever apenas as
de Henri Hauser[3].
Todos cumprindo sua dupla função: servirem à institucionalização da pesquisa e a
difusão da ciência no Brasil e à propaganda francesa.
Institucionalização
da cultura francesa: os professores
Era necessário imprimir
modernidade, civilização e refinamento de modo a tornar a UDF uma universidade
promotora de cultura. Segundo Bergson (2006,
p. 268) as obras dos filósofos franceses
foram escritas para a humanidade, e sendo a França o modelo civilizatório,
era natural que, para a diferenciação pretendida, o «berço civilizatório
ocidental» fosse visitado.
Explica Reis (1970, p.89)
que foram influências culturais reconhecidas pela elite brasileira as de
nacionalidade portuguesa (a Universidade de Coimbra), as de nacionalidade
inglesa, francesa, alemã e posteriormente a norte-americana. O fato de buscar
no continente europeu a cultura que se desejava imprimir, não era de modo algum
inesperada.
Contratou o reitor vários
professores, em sua grande maioria de nacionalidade francesa, para lecionar
diferentes disciplinas e construir uma trajetória
institucional de pesquisa para alunos e docentes brasileiros. Eles eram
profissionais reconhecidos na França e deram um impulso significativo às
disciplinas que vieram lecionar. Vinham com a chancela do governo francês,
prontos a «contribuir» significativamente para a UDF.
Foram contratados Émile Viktor Leinz
(Mineralogia e Geologia), Bernard Gross (Física), Èugene Albertini, Henri
Hauser e Henri Tronchon (História), Étiene Souriou (Psicologia e Filosofia),
Jean Bourcieuz (Filologia das Línguas Românticas), Jaques Perret (Línguas e
Literatura Greco-romanas), Pierre Deffontaine (Geografia) e Robert Garric
(Literatura), dentre outros.
Era
parte do paradigma anisiano que alunos e professores e, também, a
intelectualidade extramuros, tomasse contato com os saberes, que na Europa se
modificavam em razão dos novos tempos de industrialização, ideologias e consumo[4]. Assim se institucionalizava a pesquisa
mudando o eixo cultural brasileiro. Novamente alinhavam-se os interesses
franceses que não desejavam perder espaço para a Itália, a Alemanha ou os norte-americanos
no Brasil.
Mas
não era só o contato com os franceses contratados que fazia da universidade um
centro de pesquisas com influência européia. Conta-nos Schwartzman (2001, p.13) que por
não existirem instalações, os alunos visitavam e pesquisam em várias
instituições brasileiras e tinham contato com intelectuais brasileiros e
europeus de outros países.
Frequentavam Leinz,
geólogo alemão, no Departamento Nacional de Produção Mineral, os laboratórios de Lauro Travassos, em
Manguinhos, o alemão Viktor Gross, no Instituto Nacional de Tecnologia. Observavam
as pesquisas mais recentes e as experiências em andamento. Era a integração
pretendida entre a intelectualidade, através da Universidade do Distrito
Federal.
Tais contatos, no entanto,
naquele momento político, não interessavam à França, que, de certa forma sentia
que perdia, com cada alemão ou italiano que os estudantes entrassem em contato,
um pouco de sua influência cultural.
Difusão
cultural e alinhamento: as conferências
Os
professores franceses, além das aulas que ministravam, eram convidados para
conferências onde se reunia a intelectualidade para ouvi-los sobre diversos
assuntos que variavam da diplomacia à história, da política internacional à
economia e às colônias ainda existentes. Era o pensamento francês, a política
francesa, a cultura francesa se disseminando entre a elite intelectual no Distrito
Federal.
O professor Henri Hauser,
por exemplo, elaborou cursos que extrapolaram o programa para a qual fora
contratado. O assunto para a Academia Brasileira de Letras, sob o
patrocínio do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura, um dos eixos
disseminadores da política de alinhamento francês, com prováveis modificações da
reitoria da UDF, como demonstram os riscados e reescritos manuscritos do
documento, incluía o tema “Le portait
dans l’histoire de France de la fin du XVe au début du XIX siècle”, dividido em seis lições: La Renaissance et la
Reforme; Les guerres de Religion; Henri IV et Louis XIII (jusqu’à 1660);Le siècle
des Louis XIV; Le siècle de l’Encyclopédies et La Révolution. Este retrato da
história francesa já mostrava o que começava a ser discutido nos Annales sobre
a história de longa duração. Quem assistiu às aulas de Hauser, como Rodrigo
Otávio e Carlos Flexa Ribeiro, lembram-se delas como de encantamento intelectual (apud VENÂNCIO FILHO, 1997, p.893)
No Palácio Itamaraty, sob o
patrocínio do Ministério do Exterior e da Sociedade Brasileira de Direito
Internacional, foi escolhido o tema “Economie et diplomaties”, em cinco lições:
Les nouvelles conditions de La politique internationale. La diplomatie de
lávenir et Le role Du problémes économiques; La question dês matières
premières. La redistribuition des colonies et mandats et la faix
mondiale ; La concurrence internationale, les tendances à l’autarkie et le
problème de l’economie dirigée ; Questions de population, surpopulation,
dépeuplement,émigration et immigration ; Les obstacles à la circulation
des hommes et des merchandises, question de races, d’assimilation et d’economie
dirigée. Ali discutiram
assuntos que interessaram sobremaneira à política francesa pós Versalhes.
A política cultural repousou, neste período, sobre a ação dos professores
enviados como «embaixadores» que implementaram no Brasil a política francófila, de uma forma
consciente na maioria das vezes, como acredito ser o caso de Hauser. Suppo
(2000, p.311) menciona que a análise do
papel destes intelectuais, à exceção de Georges Dumas[5],
é praticamente inexistente na bibliografia disponível.
Na UDF foi feita uma
conferência apenas sobre o tema “La conception française de l’histoire
économique’, patrocinada pelo Diretório Acadêmico.da Faculdade de Direito. O
tema, dentro do assunto para o qual foi contratado, demonstra não só a diversidade
de assuntos que os «embaixadores» , e Hauser era um deles, deviam tratar, se pudessem,
como a importância e peso da política propagandística francesa depositada
nestes professores.
Em
cada espaço onde proferiu conferências o Professor Henri Hauser teve uma
platéia ávida de conhecimento e disposta a discutir assuntos variados sobre o
país e o mundo, como demonstra a historiografia que apresenta as palestras[6]. Em cada
espaço foi plantado um alinhamento futuro, dentro das perspectivas francesas.
Materialização
da cultura: a biblioteca
Tão logo criada a UDF, foi
montada uma biblioteca que servisse às pesquisas e a nova estrutura pedagógica
que ali se queria desenvolver. Émile Brèhier, um
dos professores «embaixadores», intermediou doações de instituições e do governo francês para equipar, com a cultura francesa,
a nova biblioteca, o que ajudou o mercado editorial francês em sérias
dificuldades financeiras.
Segundo Bergson (2006, p. 268) as obras dos filósofos franceses foram
escritas para a humanidade, e sendo a França o modelo civilizatório,
especialmente no século XIX e início do século XX, as doações bibliográficas
foram consideradas pelo bibliotecário Gastão Cruls, médico, escritor e
apaixonado pela literatura, um valioso
préstimo à nova universidade. Para a França, ao produzir a francofilia, ela desenvolve e cria o espaço, nos países
alvos (SUPPO, 2000, p.3222)
A França sempre procurou se caracterizar como
expressão máxima da civilização, e o livro era o elemento que distinguia os
cultos dos incultos (MILANESI, 1997, p.49), deste modo, outra vez, as intenções
se integravam: as França e as da Universidade do Distrito Federal.
Ao discutir o papel da linguagem, Bourdieu
(1983, p.161) demonstra que a língua, não importa se falada ou escrita, não é
só um instrumento de comunicação ou mesmo de um conhecimento, mas um
instrumento de troca simbólica, um instrumento de poder. Poder compor a
biblioteca de uma Universidade, que pretendia consolidar-se como centro de
formação intelectual do país, com elementos privilegiados, na língua e por autores
franceses, era ter o respaldo do poder cultural que a França detinha.
A oferenda francesa englobou obras nas áreas
de Filosofia, Literatura, História, Geografia, Literatura, etc. que refletiam adequação
à pesquisa e a cultura. Para a França, assegurava-se na biblioteca uma
influência cultural majoritária e materialmente identificável.
De 1936 até abril de 1938, período mais conturbado
na política internacional, o setor recebeu 2.289 obras doadas, ou compradas
pelo fundo Affonso Penna, a partir de catálogos recebidos da França – quer por
instituições, professores ou pelo governo – por franceses enfim, que se
acreditavam credenciados para mediar a cultura e o conhecimento na UDF. Os relatórios da Biblioteca da Universidade
do Distrito Federal indicam, com riqueza de detalhes, as relações das doações
do Governo francês (Ministério das Relações Exteriores e Embaixada Francesa no
Brasil), da Universidade de Paris e do Barão Ernest Seillière, secretário
perpétuo da Academie des Sciences Morales et Politiques e os livros comprados
pelo Fundo Affonso Penna, a partir de catálogos franceses.
Interessava a França participar culturalmente
da universidade criada, materialmente através da biblioteca, como participara
da Universidade de São Paulo. Não desejava perder sua influência nas novas
universidades brasileiras para os
italianos e principalmente para os alemães (FERREIRA, 2006, p.229), como
indicam as correspondências.
Conclusão
A intelectualidade brasileira recebeu significativa
influência dos franceses que, como «embaixadores»
de seu país, aqui atuaram como professores,
dentro e fora da UDF. No momento em que a França participou desta «troca»
cultural havia interesses nacionais de continuar
uma política iniciada no início do século, e alargada, a partir de Versalhes,
de empreender, propagandística e politicamente, um alinhamento considerado
necessário, especialmente com os países da América do Sul.
A criação das universidades
brasileiras no mesmo momento, fez com que se alinhassem a França e a elite intelectual
brasileira, ainda que seus objetivos não fossem os mesmos. Pelo que pude depreender a matriz francesa e o idealismo de
Anísio Teixeira se complementaram, assim como as pretensões para a UDF e a
expansão, como política, da francofilia.
Ainda
que a UDF tivesse sido uma experiência de curta duração, é inegável, que a meta
de institucionalizar a pesquisa foi alcançada, mesmo que não exatamente como
planejado pelos franceses em sua política propagandística de alinhamento. Mas
os franceses tiveram com essa experiência, do contrato de aulas às
conferências, e mais com a formação da biblioteca universitária, uma influência
sólida que perdurou muito tempo após a extinção da UDF na elite intelectual
brasileira, ainda não analisada devidamente pela historiografia, como observam
Suppo (2000) e Venâncio Filho (1997).
Referências
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VENÂNCIO FILHO, Alberto. Henri Hauser e o Brasil. In:
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB). Revista do IHGB. Nº 398, jul/set 1997 p.887-894
[1] Criada pelo Decreto
nº 5.513 de 4 de abril de 1935. Para maiores informações sobre as
universidades de curta duração, como a UDF, que foi extinta em 1939 para dar
lugar à Universidade do Brasil, ver também como importantes
referências os trabalhos: CUNHA, L. A. C. R. A Universidade Temporã - O Ensino Superior da Colônia A Era de Vargas, Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1980; CUNHA, Luiz Antonio. «Ensino Superior e a Universidade
no Brasil» In: TEIXEIRA, Eliane Marta; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA,
Cynthia Greive. 500 anos de educação no
Brasil, Belo Horizonte: Autêntica, 2007
[2]Anísio Teixeira, como
Diretor Geral do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal
empreendeu, a partir, de 1932, uma ampla reforma educacional, do ensino
primário à criação de uma universidade. (MENDONÇA, 1993)
[3] Formou-se pela Ècole
Normal Superior.Foi professor dos Liceus de Pau e Poitiers, nas Universidades
de Clermont-Ferrand, em Dijon; catedrático de História Econômica na Sorbonne;
Doutor na Faculdade de Letras de Paris (1892) . Autor de vasta obra: Travail- leurs
et Marchands dans l’ Ancinne France (1896) ; Ouvries Du Temps Passé (1927),
Les Debuts du Capitalisme (1931), La Reponse de Jean Bodin à M. Malestroit
(1932), etc. (VENÂNCIO FILHO, 1997, p.890-891).
[4] Ver também FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A
UDF, sua vocação política e científica: um legado para se pensar a universidade
hoje. Pro-Posições. v. 15. n. 3 (45) set./dez. 2004
[5] O psicólogo Georges Dumas
torna-se o executor da política cultural francesa que, por um lado, estabelece
a ligação entre o mundo diplomático e o mundo das universidades – através do Groupement
des Universités et Grandes Écoles de France pour les Relations avec l'Amérique
latine (Groupement) – e, por outro, cria no Brasil as condições de
implementação da política cultural francesa. Georges Dumas passa assim de um
papel de universitário, no interior do Groupement, do qual é um dos
elementos fundadores, ao papel de representante intelectual do Ministério das
Relações Exteriores francês.(SUPPO, 2000, p. 309)
[6] Ver também VENÂNCIO FILHO,
Alberto. Henri Hauser e o Brasil. Revista
do IHGB nº398, jul/set 1997
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