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Litoral da Rua da Alfândega, 1877 (AGCRJ) |
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Pesquisando
sobre a cidade do Rio de Janeiro, descobri, no Arquivo Geral da Cidade, uma
edição comemorativa dos 110 anos da instituição, em 2004. Esta edição apresenta
o exaustivo e laborioso trabalho de um ex-funcionário, Aureliano Restier Gonçalves, que, ao longo de grande
período de tempo, dedicou-se a pesquisar a história do “chão” desta cidade
usando como fontes privilegiadas os aforamentos.
Ao
ler o trabalho deste pesquisador reconhecido merecidamente pelo AGCRJ, em 2004,
resolvi, por uma questão de dar publicidade a inúmeros leitores, postar uma
parte deste meticuloso trabalho de investigação, que engloba principalmente o
século XVIII, sobre o centro comercial da cidade do Rio de Janeiro.
Ao
lado de fatos ou de localização geográfica dos aforamentos, a História da
cidade vai sendo introduzida em pequenas frases e expressões que instigam ao
leitor, e assim foi feito comigo ao ler o texto, a desejar saber mais sobre o
assunto. São muitas informações a requererem melhor pesquisa em outras fontes
que não as usadas por Restier Gonçalves, um apreciador da linda História de nossa cidade. Escolha a sua.
“O
povoador do Rio de Janeiro, descendo do morro do Castelo para a várzea, aí
abriu canais para enxugar os aguaçais e brejos; formou uma passagem bem à
beira-mar, desde o dito morro até o de São Bento, e dessa passagem na direção
do interior da terra que procurava desbravar, foi abrindo caminhos, estreitos e
retos alguns, até encontrar o fosso – rua Uruguaiana – que corria do norte para
o sul e onde parou o desbravamento. Levantou-se a casaria, desenvolveram-se as
atividades e criou-se um centro urbano de vida comercial, onde se alicerçaram a
grandeza e a prosperidade da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
O
bairro comercial de que vamos tratar compreende a parte da antiga
Sebastianópolis entre aquela precitada faixa marítima e a rua Uruguaiana, por
onde corria o fosso. Essa faixa marítima, em menos de um século, sofreu tal
transformação que tornou impossível reconstituir-se com exatidão os primitivos
aspectos desse litoral arenoso, cheio de sambaquis e, periodicamente, mostrando
à flor do mar agudas vigias que desapareceram ou por força da mão do homem ou
da natureza.
Na
faixa desde Santa Luzia até São Bento, que constituiu a chamada marinha da
cidade, acresceram terrenos de extensa largura, que são os acrescidos dessa
antiga marinha e os acrescidos de acrescidos, e aí abriram-se novas vias
públicas e levantou-se a casaria, como esclareceremos depois. Esses terrenos
motivaram demandas entre a municipalidade e os posseiros ou arrendatários dos
terrenos. A advocacia administrativa e a chicana alimentavam essas questões,
notadamente quando se tratava de algum beneficiado das famosas cartas de mercê
do príncipe regente, depois rei dom João VI.
É
certo que mais tarde, quando outras eram as leis, os portadores desses títulos
viram-se em apuros na defesa das suas posses, porque faltavam às ditas cartas
de mercê formalidades jurídicas e assim foram consideradas precárias. Para a
prova temos a questão com os herdeiros do monsenhor Antonio Pires de Miranda,
grande proprietário no Rio de Janeiro e notável figura do clero. O herdeiro
direto foi um sobrinho do referido sacerdote, de nome André Pires de Miranda, o
qual, num terreno de acrescidos com frente para a praia do Peixe, levantou um
grande trapiche, no ano de 1826.
Nos fundos do trapiche veio a formar-se,
naturalmente, um terreno acrescido de acrescidos, e dele julgaram-se donos
herdeiros do monsenhor Miranda e de Andrea Pires de Miranda, a ponto de o
venderem a José Antonio Alves de Carvalho. Avenida desse terreno foi patifaria
grossa patrocinada pelos advogados João e Francisco Barroso – ditos irmãos
ladinos. A Ilustríssima Câmara recorreu aos tribunais, mas, nessa questão, a
Justiça, talvez, por ser cega, não visse o justo e pôs na mão do velhaco a
palma da vitória. Um outro beneficiado com carta de mercê foi João Antonio
Vigier, criado de quarto da rainha dona Maria I e muito dedicado à desditosa
soberana – louca havia anos.
Essa
dedicação valeu-lhe a estima de dom João e uma carta de mercê de um terreno à
praia do Peixe, em 1814, concedida para um melhor arranjo do beneficiado e em
troca do ofício de tabelião de Alagoas, do qual declinara o fiel servo, por ser
de muita honraria. A entrega da carta de mercê foi solene, na Sala das Tochas
do Palácio Real e presidida pelo desembargador intendente geral de polícia,
cargo de alta importância administrativa e política, exercido na ocasião pelo
íntegro magistrado Paulo Fernandes Viana, que prestou relevantes serviços ao
Rio de Janeiro, material e moralmente.Vigier viu-se também em apuros depois,
para conservar a sua propriedade, conseguindo afinal, em maio de 1840, a
revalidação da sua carta de mercê, por ato do governo imperial.
Dos
logradouros que se formaram pelos acrescidos à antiga marinha da cidade, na
faixa que
interessa a este
capítulo, damos a conhecer como principais o rossio do Carmo, a ribeira do Mar,
a rua Direita e algo diremos deles, como também por curiosidade, do arco do
Teles e do beco dos Adelos.
Rossio do Carmo
Data
do século XVII, o primeiro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para o
uso e o recreio dos moradores dela. O historiador Pizarro e Araújo, quem
descreveu esse rossio minuciosamente, o considera o mais belo entre os demais
que se formaram depois e lhe dá o cumprimento de 74 braças e a largura de 40
ditas, com prédios de feição nobre.
Em
1680, uma provisão régia proibiu edificações pela ribeira do Mar e pela várzea
do Carmo e determinou a construção conveniente de um rossio, com seguro desembarque
às pessoas que demandavam, constantemente, o porto da cidade. São dessa época
as primeiras tabernas e outras casas para o comércio de bebidas e comestíveis,
todas bem afreguesadas. No prudente e operoso governo do vice-rei Luiz de
Vasconcelos e Souza, o antigo rossio do Carmo veio a ser radicalmente
modificado para melhor. Teve maior largura, sólido calçamento e cais de pedra
lavrada com assentos e peitoris de cantaria. Esse cais demoliu-se sessenta anos
depois, para fazer-se outro sobre o mar, inaugurado, em 1842, festivamente.
No
período de 1849 a 1852, com as aventuras às minas da Califórnia, o então largo
do Paço foi um aglomerado cosmopolita, onde o ouro era o soberano absoluto, que
comprava e escravizava tudo... Nessa Babel formigava gente de toda a parte do
mundo. Os prazeres nos mais feios vícios e os sofrimentos nos maiores males
morais e físicos fizeram-se pela cidade, trazidos pelos aventureiros que aportavam
no Rio de Janeiro. O antigo largo do Paço, atual praça Quinze de Novembro, pela
sua
situação à
beira-mar, olhando o oriente, oferece descortino interessante e pitoresco e é
ainda aprazível logradouro.
Ribeira do Mar
Em
menos de um século, artificial e naturalmente, pela antiga praia ou marinha da
cidade, acresceram terrenos, formando-se uma nova praia, desde a Misericórdia
até São Bento. A um trecho
desse novo
logradouro o povo chamou ribeira do Mar e era aí o lugar da feira, onde se
ajuntavam os
mercadores e
acudia toda a gente da cidade e do Recôncavo para comprar e vender. Na ribeira
do Mar concorriam os homens de negócios da capitania e os cidadãos ricos para
assentar os seus tratos. Na ribeira ficavam as bancas do pescado e as das
hortaliças, as barracas dos estrangeiros, dos moleiros, dos oleiros: as
tanoarias e as tendas de víveres e de licores.
Enfim,
a ribeira do Mar ou praia do Peixe, como se chamou depois, era o mercado da
cidade onde também existiam os chatins, assim chamados os negociantes
gananciosos e sem escrúpulos que se entregavam a conluios com os
atravessadores, procurando obter lucros excessivos na mercancia dos gêneros de
consumo, principalmente o açúcar, o azeite e o peixe. Era o câmbio negro da
época. Quando apanhados em flagrante, os chatins sofriam a pena do chicote na
polé.
Na
ribeira do Mar não faltavam charlatães, apregoando em alta voz drogas de toda
espécie para curas maravilhosas e uma infinidade de quinquilharias. O azeite
era o artigo de maior procura, depois do açúcar. O mais forte mercador de
azeite foi Gonçalo Gonçalves.37 O seu grande estanque ficava à mão direita,
indo para São Bento, a poucos passos da pancada do mar. Por muitos anos, chamou-se
passagem de Gonçalo Gonçalves o logradouro onde estava localizado o estanque.
Essa pequena via pública entrou na formação da rua do Sabão, depois General
Câmara, trecho desde a Candelária até a rua Primeiro de Março.
Os
chãos devolutos, acrescidos à antiga marinha da cidade, na velha praia da
ribeira, começarama ser aforados pela Câmara depois de 1682. Esses
aforamentos foram fechando a dita praia pelo lado do mar e deram origem a novos
acrescidos e a um outro logradouro público, ao qual o povo chamou – praia das
Marinhas Novas ou rua Fresca. Assim no decorrer dos anos a antiga ribeira foi
perdendo o seu primitivo aspecto. Com a construção do Mercado Municipal,
iniciada em 1834, e terminada em 1841, a antiga rua da praia do Peixe passou a
chamar-se rua do Mercado, nome este que se confirmou oficialmente por ato da
Ilustríssima Câmara, de 1º de janeiro de 1849, e ainda se conserva. A
inauguração de um novo mercado à praia Dom Manoel, a 1º de fevereiro de 1909,
fez desaparecer a tradicional praça da praia do Peixe, teatro de antigos e
curiosos costumes da velha Sebastianópolis.
Rua Dire i t a
Embora fazendo curva, chamou-se rua Direita até
1870, quando recebeu o nome de Primeiro de Março, que recorda a terminação da
guerra com o Paraguai, a 1º de março de 1870, após cinco anos de sangrenta luta
e durante os quais a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se mostrou mais
uma vez heróica e leal, pelo denodo e patriotismo do seu povo.
Segundo a jurisprudência da Prefeitura do Distrito
Federal, os terrenos que entraram na formação do lado esquerdo da rua precitada
estão na área da decantada sesmaria de Sobejos, nunca demarcada e sempre
litigiosa. Mas, essa interpretação, que se nos afigura presumida, tem contra
ela e com bastante força, o estado histórico da mesma sesmaria, cuja concessão,
em 1667, já encontrou todo o lado esquerdo da então rua Direita edificado e
portanto sem sobejos ou encravados.
O dito lado esquerdo era o seguimento da praia da
cidade, ao tempo da fundação desta, praia que, sinuosa se estendia da Piaçaba –
hoje Santa Luzia – ao braço do salgado mar, por onde em nossos dias corre a rua
Visconde de Inhaúma. O povoador, ocupando a várzea da cidade, foi levantando a
casaria, de preferência à beira-mar e voltada para o nascente, sendo que essa
ocupação se fez, sem ônus ou obrigações de qualquer espécie.
O lado direito, formou-se de terrenos artificiais
oriundos de aterros, acrescidos à antiga marinha da cidade e indiscutivelmente
é foreiro à municipalidade, com exceção apenas da área concedida às irmandades
de São Pedro Gonçalves e da Cruz dos Militares, em 12 de fevereiro de 1716,
pelo governador do Rio de Janeiro – Francisco de Távora. Essa concessão, que se
confirmou pelo alvará régio de 3 de outubro de 1722, garantiu, de futuro, o
domínio da área concedida e também dirimiu dúvidas e questões com os posseiros
vizinhos.
Nessa área, compreendida hoje pelas ruas Primeiro
de Março, antiga Direita, Ouvidor e Mercado, antiga praia do Peixe,
construíram-se a igreja da Cruz dos Militares e casas de aluguel. Uma dessas
casas, a pegada à igreja, estava assente sobre a muralha e os arcos do antigo
forte Vera Cruz38 levantado sobre o mar no governo de Salvador Correa de Sá,
(1568/1572), e onde a praia fazia uma ponta. Em 1623, já estava soterrado esse
forte. As casas foram demolidas no começo do atual século e no local construído
o edifício da Amortização.
Homens do mar, na maioria espanhóis, construíram
uma capela para o culto a São Pedro Gonçalves, nos fins do século XVI, depois
do domínio espanhol, em 1580. Em dias do ano de 1628, militares da guarnição do
Rio de Janeiro organizaram a irmandade da Cruz dos Militares, com sede na dita
capela. O atual templo da Cruz dos Militares teve a construção iniciada em 1780
e terminada em 1811. É certo que nenhuma outra isenção de foro consta da
documentação que cuidadosamente
examinamos. Entretanto, grande tem sido o sonegamento dessa obrigação,
principalmente depois do
incêndio de 20 de julho de 1790, que destruiu parte do velho Arquivo
Municipal.
A queima de alguns livros de registros de
aforamento de terrenos, concedidos pela Câmara no período de 1569 a 1609,
serviu de expediente aos sonegadores para contestar em juízo os direitos
senhoriais do Senado da Câmara. É assim que, embora o apelo que lhes havia
feito a respeitável corporação, eles, os sonegadores, assumiram uma atitude
cavilosa quando, por decisão da Casa de Suplicação e da autorização do rei, o
mesmo Senado da Câmara deu início à reconstituição dos livros queimados.
Também, rezam notícias da época, houve muita gente
honesta que logo acorreu ao chamamento pacífico do Senado, apresentando as
cartas de aforamentos e outros títulos dos terrenos de que eram posseiros, para
os fins de ratificação e de novo registro. E essa gente manifestou ao Senado da
Câmara o pesar pelo incêndio, que feriu bastante a cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, com o desaparecimento de fatos da sua gloriosa vida no passado.
Entre as pessoas que assim procederam, segundo os
registros do Senado da Câmara, figuram as respeitáveis senhoras Brígida e
Teresa Câmara, as quais compareceram ao Senado logo na primeira reunião dessa
Assembléia, após o incêndio. As irmãs Câmara tinham carta de aforamento do
terreno à rua Direita, canto do Terreiro do Paço, terreno que era ocupado por
dois prédios de sobrado, propriedade das mesmas senhoras, em virtude de herança
do seu irmão, o capitão Luiz Gago Câmara. No arrolamento de foreiros remissos à
rua Direita, no período de 1745 a 1775, aparece a Venerável Ordem Terceira do
Monte do Carmo não pagando os foros devidos pelos terrenos de que estava de
posse na dita rua. Para a prova, temos a questão do aforamento do terreno de
umas velhas casas compradas a Feliciano Gomes Neves, em 27 de maio de 1747.
No testamento com que faleceu o capitão Domingos
Duarte Costa, irmão da dita Ordem, foi disposto que a metade dos remanescentes
dos bens do testador fosse despendida pelos irmãos pobres da mesma Ordem do
Carmo. Assim, estabelecidos os remanescentes e assegurada a distribuição dos
réditos, a Ordem pôs em execução a verba testamentária, compreendendo imóveis,
entre os quais as ditas velhas casas, tendo havido para essa compra a licença
da Câmara, na qualidade de senhorio direto do terreno, terreno esse formado de
acrescidos à antiga marinha da cidade. As casas, radicalmente modificadas,
transformaram-se de casas velhas em três bons prédios de sobrados, com
espaçosas lojas para armazéns.
Um dos prédios, com frente à rua Direita, entre as
casas do padre Lourenço de Valadares Vieira e as pertencentes à Misericórdia,
tinha a loja ocupada, ainda em 1775, pelo estanque de fumo. O outro prédio dava
frente para o beco da Lapa dos Mercadores, e mais um outro que ficava na praia
do Peixe – atual rua do Mercado. Por muitos anos, a Ordem deixou de pagar os
foros. Afinal, em 1772, o Senado da Câmara ofereceu libelo contra ela. Em
recurso que apresentou, a Ordem propôs-se a pagar um laudêmio, de quarenta em
quarenta anos, sobre o valor dos imóveis ao tempo do vencimento, ficando
conservada na posse administrativa dos prédios e concedendo-se-lhe o título ou
carta de aforamento do chão dos três prédios.
Em 17 de fevereiro de 1775, o Senado da Câmara
julgou o caso e decidiu de acordo com o parecer do seu síndico, o qual se
fundamentou na doutrina de Fontenell, então predominante. A Ordem ficou mantida
na posse dos prédios e obrigada a pagar, de trinta em trinta anos, um laudêmio
rateado à proporção de cada um deles, ressarcindo os prejuízos causados ao
cofre do município. Fez-se o acordo, e, a 25 de agosto de 1775, foi pago o
primeiro laudêmio, e mais três foram pagos num período de cem anos – 1805/1905.
Depois, não nos foi possível conhecer da realidade, à vista dos empecilhos que
nos foram criados.
Também, os Assecas – viscondes - foram posseiros de
terrenos foreiros à municipalidade, à rua Direita, canto da dos Governadores –
atual Alfândega, à mão direita, indo para São Bento. Esses terrenos foram
ocupados de remotos tempos por três prédios de sobrado, vinculados ao morgado
dos Assecas, instituído em 1666. Um dos Assecas, o visconde Antonio Maria
Corrêa de Sá e Benavides, residente no Rio de Janeiro, nas Laranjeiras, numa
chácara de propriedade de Venâncio José Lisboa, pretendeu alienar, em 1818, os
ditos e outros prédios urbanos pertencentes ao mesmo titular, a fim de comprar
a chácara em que residia, “por ser nesta mais condigno o assento da sua morada”
O visconde pediu ao Senado da Câmara a licença para essa alienação, obtendo-a.
Porém, a decisão do Senado dependia de aprovação do rei, circunstância que
determinou a desistência do visconde.
Era de esperar que assim acontecesse, sabido, pois,
que os Benavides guardavam justo ressentimento do governo e do rei de Portugal
pelo desapreço em que foi tido naquele país, o notável Salvador Corrêa de Sá e Benavides,
chefe da ilustre família Benavides, enraizada no Brasil.
À rua Direita, canto com a de São Pedro, num
acaçapado e pequeno prédio de sobrado, dos
primitivos da cidade, instalou-se o primeiro Banco do Brasil, em 1809, e
nesse prédio permaneceu até 1816, quando foi transferido para a Casa dos
Contos. Esse casarão, situado também à rua Direita, lado do mar, pertenceu ao
provedor Pedro de Souza Pereira e foi arrematado, em 1669, pela Fazenda Real,
por seis mil cruzados. Ficava entre as ruas da Alfândega e do Sabão – depois,
General Câmara. Na Casa dos Contos, esteve o Banco até o ano de 1854, e nesse
ano passou a ocupar sede própria, à rua da Alfândega, canto da Candelária. Por
falência, desapareceu o primeiro Banco do Brasil e o segundo foi criado pelo
decreto de 12 de julho de 1851, e fundiu-se com o Banco Comercial. Dessa fusão,
resultou o terceiro Banco do Brasil, que é o existente e nosso principal
estabelecimento de crédito, com atuação de relevo na história financeira do
país. Atualmente, o Banco do Brasil ocupa suntuoso palácio de sua propriedade,
à rua Primeiro de Março.
É curioso recordar o derrame de bilhetes falsos do
Banco do Brasil, em 1823. Causou pânico na praça essa falsificação, pois que
esses bilhetes ou notas corriam como moeda e tinham bastante giro. Dos
falsificadores a polícia só conseguiu apanhar o de nome Armando José de Moura e
Silva, enforcado a 31 de maio de 1824, no largo da Prainha. Era irmão da
Venerável Ordem Terceira do Monte do Carmo, a qual, num gesto de piedade
cristã, atendeu à súplica do infeliz, sepultando o seu corpo na igreja da
Ordem.
À rua Direita, nº 54, funcionou a Casa Bancária
Alves Souto, de J. A. Souto & Cia. de alto crédito no Brasil e no
estrangeiro. Na manhã de 10 de setembro de 1864, rápido correu a notícia pela
cidade sobre ter a Casa Souto fechado as suas portas e paralisado as suas
transações. Grande e tumultuário foi o ajuntamento em frente ao estabelecimento,
determinando a presença de força policial. Era sócio da referida casa bancária
o riquíssimo banqueiro José Antonio Alves Souto. Na verdade, essa falência
acarretou graves danos financeiros, em época justamente de franca prosperidade
para o Brasil.
Na rua Direita, teve o Rio de Janeiro o primeiro
bar ao ar livre, no passeio a asfalto e arborizado da Confeitaria Carceler,
conceituada casa da firma Viúva Carceler & Guimarães. Aí reunia-se, à
tarde, o mundanismo elegante da Corte. Viam-se os príncipes da Casa Imperial do
Brasil, a alta nobreza, os grandes políticos, banqueiros e a boêmia
intelectual. Uma boa orquestra de instrumentos de cordas deleitava essas
reuniões elegantes, com o seu escolhido repertório.
A rua Direita também teve a primazia na melhoria do
aspecto arquitetural das casas, que eram verdadeiros caixões, à guisa de
fortalezas medievais. Segundo o plano organizado na municipalidade, e já em
execução em 1870, na rua Direita, as fachadas dos prédios nessa via pública
tiveram realce com as ornamentações introduzidas, predominando o pitoresco e a
fantasia individual.
Arco do Te l e s
A passagem ou arco do Teles, primitivamente chamado
lugar ou estância dos Mercadores,
formou-se em conseqüência das edificações que foram sendo levantadas no
período de 1730 a 1740,
entre a rua Direita e a praia do Peixe, obedecendo em tudo ao risco
mandado organizar pela Câmara para os lugares notáveis da cidade.
Determinavam as posturas que, então, se criaram,
tivessem os prédios frentes para a praia das Marinhas Novas ou do Peixe – atual
rua do Mercado – fossem confortáveis, com solidez, sobrado e feição nobre. Na
verdade, em observância desse plano de obras de embelezamento, melhorou
bastante a feição arquitetural da Sebastianópolis. Desapareceu a taipa de pilão
e passaram a ser empregados o cal e a pedra nas edificações urbanas. Vieram as
telhas portuguesas para as coberturas e os ladrilhos para substituir os tijolos
de barro cru, chamados adobes. Os telhados de telhão e levadio modificaram-se e
aformosearam-se, com as beiras mais salientes cerca de cinco palmos e sendo que
muitas bem decoradas.
Nessa época, reconstruíram-se as velhas casas do
juiz de órfãos Antonio Teles de Menezes,
situadas entre a antiga estância dos Mercadores e as casas dos Câmaras,
que eram de sobrado, em nº de duas e pegadas, dando uma frente para a rua
Direita e fronteira à igreja do Carmo. Homem de muita popularidade, o juiz
Teles de Menezes deu o nome à antiga passagem para a Lapa dos Mercadores, cuja
boca ou entrada, pelo lado da praça, com as transformações havidas, ficou sendo
por baixo de um prédio e tendo a forma de um arco. Dai a denominação de arco do
Teles. Por deliberação da Ilustríssima Câmara, de 1º de setembro de 1863, o
arco do Teles passou a chamar-se travessa do Comércio.
Desestimam o passado do Rio de Janeiro aqueles que
dizem ter havido apenas o crescimento da cidade, continuando a feição
descuidada. O que acabamos de narrar é completo desmentido a essa gente. No
velho Arquivo Municipal, no Arquivo Nacional e, mesmo em arquivos particulares,
existem provas de que no passado do Rio de Janeiro apresentam-se fases de
acentuado interesse e de especiais cuidados pela arte, bom gosto e conforto das
habitações.
Além do arco do Teles e dos arcos da Carioca, dois
outros tiveram sua importância na velha
cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: o arco da Misericórdia e o
arco de Catumbi. O primeiro, no largo da Misericórdia, dava acesso para os
fundos do hospital. O de Catumbi, com dupla serventia,porque se prestava ao trânsito
de pedestres para o alto da montanha e desta trazia, pelos canos que sobre eles
corriam, a água potável para abastecer aos moradores de Catumbi. Ainda em 1868,
e bem sólida, existia uma grande parte desse arco, servindo de quartel-general
da malandragem perigosa do bairro.
Os arcos da Carioca, maravilha da engenharia, obra
monumental de espantosa solidez, com existência de perto de dois séculos, vem
servindo de viaduto há anos. Por ele correm os bondes elétricos da Companhia
Ferro Carril Carioca,* que fazem o transporte de passageiros e cargas para o
morro de Santa Teresa, bairro aprazível e aristocrático da cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro.
Beco ou Travessa dos A d e l o s
Como deixamos dito de começo, na larga faixa de terra, que acresceu à
antiga marinha da cidade,
vias públicas foram sendo formadas com a casaria que ia sendo levantada.
Fez-se, então, uma passagem pública da ribeira do Mar para a rua da praia,
correndo ao lado da Casa de Balança de Ver o Peso, fundada por Salvador Corrêa
de Sá e Benavides, em 1640. Era nessa passagem onde estacionavam os adelos,
homens e mulheres vendedores de roupa usada, traste, ferro velho e também
emprestadores de dinheiro por penhores. Tronco da numerosa família judaica que
se constituiu no Rio de Janeiro, esses adelos colaboraram bastante na formação
do nosso comércio. Eis o motivo do nome dado ao antigo logradouro, que é hoje a
travessa Tinoco.
Rua do Ouvidor
Um arenoso e estreito caminho do mar ao fosso,
aberto pelos primeiros povoadores do Rio de Janeiro, dando vida à incipiente
cidade. Essa via pública é a rua do Ouvidor, assim chamada desde 1745, quando
na mesma passou a residir o ouvidor da comarca – dr. Manoel de Amaro Pena de
Mesquita Pinto – em uma casa de sobrado, pouco acima do passo de Sucussarará,
atual rua da Quitanda, à mão direita,caminhando do mar.
O sucessor de Manoel Amaro, o ouvidor Francisco
Antonio Berquó da Silveira Pereira (1748/1750) também residiu no dito prédio,
incorporado aos bens da Fazenda Real, por força da Ordem Régia, de 2 de
novembro de 1745. Tinha o nº 64 quando foi demolido, entre 1902/1907.
Primitivamente, a rua do Ouvidor teve o nome de Aleixo Manoel, homem bom da
cidade que fez parte da expedição portuguesa de 1567, tendo ficado no Rio de
Janeiro. Auxiliou com denodo os portugueses na luta contra os tamoios e as suas
façanhas nas armas deram-lhe fama e importância social. Era hábil cirurgião e
foi vereador.
Depois de 1605, com a montagem do forte Vera Cruz,
à beira-mar, onde está a igreja da Cruz dos Militares, o caminho, passagem ou
rua de Aleixo Manoel passou a ser chamada de rua da Cruz e por mais de século.
O passado fala com entusiasmo da rua do Ouvidor,
chamando-a de salão de visitas do Rio de Janeiro. Os primeiros trabalhos sobre
alinhamento, nivelamento e melhoria das casas datam de 1624 e deles há segura
notícia, como verificamos. Fizeram-se em observância às posturas criadas pela
Câmara, em vereança de 16 de abril daquele dito ano de 1624.
Em 1641, uma comissão de técnicos organizou um
plano de novo calçamento, aperfeiçoado e uniforme, para a então rua da Cruz,
submetido à Câmara e por ela aprovado, em 09 de dezembro do mesmo ano de 1641.
No ano seguinte, executou-se a obra. Dois sensíveis rebaixamentos foram levados
a efeito na rua do Ouvidor, sendo um, em 1815, e, o outro, em 1834. No
primeiro, contra a opinião do arquiteto da cidade, Joaquim José de Santa Ana, e
os protestos dos proprietários, desceu cerca de quatro palmos o leito da rua,
com o objetivo de fazer-se, como realmente se fez, um novo lageamento e pronto
escoamento das águas. No de 1834, desceu o leito mais 0,5 braça, para ser a rua
calçada, como o foi, com cubos de pedra de pé e meio de aresta. Esse calçamento
importou em quinze contos e trezentos mil réis – ao tempo muito dinheiro.
São do ano de 1834 os planos de aformoseamento das
fachadas dos prédios da rua do Ouvidor e de outras principais da cidade.
Começou, nessa ocasião, a reedificação da casaria da cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro. Apareceram os prédios de sobrados bem altos. Vieram as largas
portas de cantaria, as soleiras corridas, os lagedos de mármore e as portas
envidraçadas no sobrado.
Na rua do Ouvidor reedificaram-se os prédios 151,
157, 161 e 156. O prédio 151 era propriedade de José Tinot, o 157 estava
arrendado ao competente alfarrabista e livreiro Albino Jordão, com a sua
livraria na loja do prédio; no 161 estava o atelier de Madame Pompou e o 156
era propriedade de Felix des Essard. São dessa época Madame Murat, célebre
modista e coleteira, no 102; Madame Rosália Dubois, também modista e coleteira
afamada e que aliava, à sua perícia profissional, um fino trato. O ateliêr
Dubois era no 124, onde afluíam as elegantes da época; César & Gadia,
alfaiates de renome, no 69; a conceituada Madame Valois, com a famosa vitrine
de Arrangement de la Mode Française, no 70; a freqüentada taverna Mitraud,
ponto da elite masculina, no 50; a aristocrática confeitaria Lacele, no 99; Ana
Pisles, com as curiosas quinquilharias, no 87; Brid & Payler, com calçados
finos ingleses, no 98; o famoso cabeleireiro Roux, no 115; e o livreiro de
grande renome, Emílio Seignot Plancher, no 95, funcionando, no primeiro andar,
a Tipografia Imperial, do mesmo Plancher. Em 1862, segundo a Revista Popular,
de 15 de novembro do dito ano, já se calculava em sessenta mil o nº de pessoas
de todas as classes, sexos e idades que transitavam pela rua do Ouvidor,
durante as dezesseis horas de um dia.
A partir de 1867, ficou proibida a passagem de
veículos pela rua do Ouvidor, desde 9h da manhã até as 10 da noite, por ser
grande o trânsito de pessoas. Ao findar do século XIX, num memorial apresentado
à municipalidade, a propósito de costumes e melhoramentos da cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro, a rua do Ouvidor aparece como instituição quase
universal, representando a concentração da nossa cultura, elegância e luxo.
Nesse memorial, estão as assinaturas de Pardal Malet, Dermeval da Fonseca e
Viriato Chaves espíritos brilhantes no mundo das letras e inteligências
operosas.
Escragnole Dória, numa interessante crônica,
publicada na Revista da Semana, de 15 de julho de 1927, nº 26, diz que a
“rua do Ouvidor ainda é a rua do Ouvidor, feriu-a a avenida, mas não pode
matá-la”. Área considerada foreira pelo Senado da Câmara, inclui a rua do
Ouvidor, entre a Uruguaiana e o largo de São Francisco de Paula. Essa área era
parte da que fora destinada para o rossio da cidade, em 1705. Não se levando a
efeito a obra do rossio, a Câmara decidiu lotear toda a área, em 1720, aforando
os lotes para edificações imediatas.
Rua Nova do Ouvidor
Também, outro antiquíssimo logradouro da cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro, com existência já no começo do século XVII,
dando passagem, estreita e alagadiça, da rua da Cruz – Ouvidor – para o caminho
que ia para a cerca dos frades do Carmo, agora rua Sete de Setembro.
Durante
o seu governo, Gomes Freire de Andrade beneficiou essa via pública, dando-lhe
regular cordeamento, aterro alto e conveniente, calçamento de alvenaria e
iluminação. Como medida de higiene e de moralidade, fez retirar as cabanas de
quitandas das pretas forras africanas e também demoliu todas as casas velhas,
providenciando sobre a imediata construção de outras, que seriam, como o foram,
de sobrado.
Nas ditas cabanas, completamente nus e em
promiscuidade, viviam negros de ambos os sexos, fabricando samburás durante o
dia e passavam a noite em batuques e danças, até alta madrugada. Nessas cabanas
homiziavam-se ladrões do mar, desordeiros e escravos fugidos.
Na rua Nova do Ouvidor, em 1842, fundou-se a Casa
Clark, afamado estabelecimento de calçado inglês, e o Apostolado Positivista do
Brasil teve a sua primeira sede. A Sociedade Francesa de Beneficência, fundada
a 26 de maio de 1836, e o Clube de Engenharia também funcionaram na rua Nova do
Ouvidor – chamada primitivamente rua das Flores.
O decreto municipal 892, de 22 de setembro de 1902,
deu a essa rua o nome de Sachet, o mecânico francês do balão Pax, de invenção
do brasileiro Augusto Severo de Albuquerque Maranhão. Morreram ambos, o
inventor e o mecânico, no desastre desse dirigível, a 12 de maio de 1902, em
Paris. Severo tem o seu nome numa das ruas da capital da França. Modernamente,
a rua Sachet voltou à nominação anterior.
Embora incluída na sesmaria dos Sobejos, conforme
quer a municipalidade, apenas três são os terrenos reconhecidos foreiros,
porque, na verdade são dos encravados compreendidos na dita sesmaria.
Entretanto, pelas dificuldades surgidas no decorrer das nossas pesquisas, só
encontramos elementos para identificação de dois desses três terrenos.
Um terreno estava ocupado por um prédio de sobrado,
quando esse prédio foi vendido, em 1811, pelo seu proprietário Simão Barbosa
dos Santos, por 750$000, ao brigadeiro Domingos de Souza Coelho Caldas. Nessa
venda, ficou confirmada a natureza foreira do chão terreno – com o
reconhecimento pelo comprador. Em 1834, foi esse prédio, então com o nº 45,
registrado no Livro das Décimas, em nome de Bonifácio José Sérgio do Amaral.
O outro terreno identificado tinha 22 palmos de
frente por 123 de fundo e do mesmo era posseiro, em 1809, Maria Joaquina de
Oliveira Cerqueira. Era, também, ocupado por um prédio de sobrado nº 6,
propriedade da mesma senhora. Ainda em 1865, conservava a mesma numeração. Não
conseguimos encontrar documento pelo qual fosse possível esclarecer a origem da
nominação de Flores dado à rua Nova do Ouvidor.
Rua da Quitanda
Um dos primitivos carreiros da várzea, onde foi
assente a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, deu origem à rua da
Quitanda, de bastante importância no bairro comercial. A princípio muito
tortuosa, essa via pública, em 1610 já cordeada, segundo as posturas da Câmara,
as quais determinavam fossem as ruas abertas de modo a tornar cômodas e rápidas
as comunicações.
A da Quitanda comunicou o bairro da Misericórdia
com o da Prainha, partindo da rua do Porto – depois São José –, no canto de
Inácio Castanheira e terminando na cerca da horta dos frades São Bento,
defronte à porta, por onde, mais tarde, os ditos frades abriram uma rua a que
se deu o nome de São Bento, ainda conservado.
Do fim da rua da Quitanda chegava-se à Prainha por
um atalho e da Prainha alcançava-se o lugar – rua Uruguaiana – do curtume da
vala grande, que ficava depois das charnecas e lagoas que aí então existiam e
que foram sendo aterradas, formando-se um rossio, do qual o largo de Santa Rita
é vestígio. Parte do antigo rossio foi ocupada por um cemitério destinado a
escravos e indigentes. Depois de 1690,
aberta a quitanda grande, espécie de feira, teve toda essa rua o nome de
Quitanda.
O trecho entre as ruas de São José e Ouvidor,
chamou-se rua Sucussarará, porque ai residiu um famoso cirurgião inglês que era
especialista no tratamento das hemorróidas. Essa nominação Sucussurará aparece
em documentos do século XIX.(A versão dada ao nome “Sucussarará” não se sustenta
historicamente. Seus propagadores não informam o nome desse médico. Acredito
que a origem do nome seja outra: no final dessa rua ficava a zona alagadiça da
lagoa da Pavuna e era povoada por aves aquáticas como o socó de cores variadas
e por algumas espécies com tons vermelhos ou laranjas, chamadas pelos índios de
“sararás”. Unindo o substantivo (socó) ao adjetivo (sarará) chega-se a
socó-sarará, que no sotaque português poderia ter dado “sucussarará”.)
João Francisco Duclerc, o chefe da expedição francesa
que invadiu o Rio de Janeiro em 1710, feito prisioneiro das forças portuguesas,
foi recolhido preso em uma casa de sobrado à rua da Quitanda, canto com a dos
Escrivães – depois General Câmara. Nessa casa, propriedade do tenente Tomás
Gomes da Silva, Duclerc foi assassinado às 8h da noite, de 18 de março de 1711.
O seu corpo teve sepultura na capela de São Pedro da igreja da Candelária. Diz
o historiador Melo Morais, pai, que na precitada casa, em setembro de 1711,
foram contados os seiscentos e dezesseis mil cruzados, exigidos pelos franceses
da segunda expedição, para o resgate da cidade, tomada por essa expedição
capitaneada por Duguay Trouin.
Rua de São Bento
Em 14 de setembro de 1743, o Senado da Câmara
dirigiu um ofício ao abade do mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, fazendo
sentir a utilidade da abertura de uma rua que cortaria a horta do mosteiro. Os
monges aquiesceram e a rua foi aberta com 33 palmos de largura e recebeu o nome
de São Bento. Nos terrenos marginais de que ficaram de posse, os beneditinos
levantaram espaçosos e sólidos prédios de sobrado, os quais se alugaram
rapidamente. No decorrer do século XIX, esses prédios foram sendo ocupados nas
lojas por armazéns de café e pelos escritórios dos respectivos comissários nos sobrados.
A rua de São Bento foi o empório do café no Rio de
Janeiro e no vale do Paraíba, na antiga província fluminense, os fazendeiros
nadavam em ouro e as terras cobriram-se com a preciosa rubiácea, enquanto
existiu o braço escravo. O comendador Joaquim José de Souza Breves, o rei do
café, tinha nas suas fazendas, situada naquela província, cerca de dez mil
escravos empregados nessa lavoura, que nos nossos dias vive em crise.
Os religiosos beneditinos chegaram ao Rio de
Janeiro em 1589, e no ano seguinte já ocupavam o outeiro de Manoel de Brito e a
várzea ao redor, em virtude de doação que lhes fizera o respectivo proprietário
Diogo de Brito, filho de Manoel de Brito. A doação fez-se por escritura pública
de 25 de março de 1590, sendo o ato da lavratura na própria Casa Conventual.
No alto do dito outeiro construíram o mosteiro e a
igreja, sendo esta toda em obra de talha – verdadeira maravilha em arte. Na
várzea levantaram cerca e plantaram horta. Desde então, muitos os serviços
prestados pelos frades de São Bento à cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro, bastando realçar o da educação e instrução.
Até 1842, houve um passadiço que comunicava o
mosteiro com a parte da horta que restou quando da abertura da rua de São
Bento, parte que desapareceu no dito ano de 1842, para a abertura das ruas
Beneditinos e Municipal. A rua Municipal tem, atualmente, o nome de Mayrink
Veiga.
Ruas Visconde de Inhaúma e Teófilo Otoni
Alagadiça era a região entre os morros de São Bento
e da Conceição. As enxurradas formavam enormes charcos que a preamar
alimentava. Em batendo de encontro às escarpas dos dois morros, o mar inundava
o vale pelo qual corria um canal natural, em cujas margens viviam pescadores em
toscas cabanas. Em crescendo a cidade, tudo isso se transformou e, em menos de
meio século, abriram-se ruas e vielas e levantou-se a casaria.
Da praia Velha formou-se a rua dos Pescadores e
dessa, alargada e melhorada, fez-se a visconde de Inhaúma, e pela ilha Seca,
lugar arenoso e enxuto entre alagadiços, correu-se uma rua muito estreita, a
qual se chamou de ilha Seca, depois das Violas e, por fim, Teófilo Otoni.
Em 1640, essa via pública prolongou-se até a da
Conceição do Cônego. Nesse mesmo ano de 1640, levaram-se a efeito outros
arruamentos nessa zona da cidade, formando-se dois pequenos logradouros, que
ficaram conhecidos por beco e largo de João Batista, porque, no canto do beco
com a rua dos Ourives, residiu um famoso cirurgião de nome João Batista
Darrigue. O prédio de residência do Dr. Darrigue, e no qual prédio faleceu, era
da propriedade desse cirurgião, e tinha dois sobrados.
Rua dos Ourives
A severidade das leis das Minas e o rigor com que
se aplicavam as penas aos contraventores não impediram o contrabando do ouro,
praticado em larga escala. Em 1730, grande a maroteira descoberta, apurando-se,
em Minas Gerais, a falsificação que fazia Antonio Pereira de Souza das barras
de ouro da Casa da Moeda, com a cumplicidade de gente graúda, como deixou clara
a devassa procedida. Entre os culpados estavam mestres e oficiais de ourives
fundidores, os quais foram expulsos dos lugares onde assistiam e com seus
haveres confiscados. As falsificações continuaram, porém.
No período de 1742 a 1752, tomaram grande vulto,
determinando uma nova série de penalidades para serem aplicadas aos ourives
faltosos ou delinqüentes. Assim é que o bando de 10 de abril de 1753 obrigou o
comparecimento dos ourives na Intendência Geral da Polícia, de seis em seis
meses, e marcou-lhes local de residência obrigada e funcionamento das lojas.
No Rio de Janeiro, foi designada a travessa que ia
da igreja do Parto à Santa Rita, para a residência dos ourives e funcionamento
das suas lojas de ouro e prata. A partir dessa época, ficou a dita travessa com
a denominação de rua dos Ourives. A avenida Rio Branco tirou um trecho à dita
rua.
A pequena parte entre a rua de São José e a rua Sete
de Setembro tem, agora, o nome de Rodrigo Silva, e o trecho desde a referida
avenida ao final do logradouro, no largo de Santa Rita, recebeu recentemente o
nome de Miguel Couto, que foi notável médico brasileiro, com consultório nessa
parte da rua dos Ourives. Por essa via pública muito fizeram os ourives,
beneficiando-a, por várias vezes, com melhoramentos. Em 1811, promoveram a
reforma interna e externa das casas, dando-lhes mais conforto e embelezando as
fachadas com os lineamentos feitos.
São dessa ocasião as altas soleiras de cantaria
lavrada ao cinzel e os degraus de mármore, sendo alguns jaspeados e em verde.
Artísticas grades de ferro fechavam as janelas e as portas. A primeira casa que
assim se transformou foi a de nº 41, propriedade de Antonio José de Carvalho,
com licença concedida pelo Senado da Câmara, em 23 de outubro de 1811. Ainda
dos ourives a idéia do alargamento da rua, que se fez em 1816, com recuo de 4
palmos, de um e de outro lado do logradouro. Nessa época, eram afamados ourives
os franceses Charles Gerardot e Pierre Bernard Cousin, este estabelecido no
prédio 133 e aquele no 123.
Artística e comercialmente, a ourivesaria no Rio de
Janeiro foi uma atividade bem perfeita e muito rendosa, desde que se
descobriram as minas. Classe numerosa, os ourives da cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, rivalizando-se com os de Lisboa, apresentavam nos seus
mostruários originalidades preciosas em lavores de cuidada e fina arte. No fim
do século XVIII, já a ourivesaria e a relojoaria constituíam um só ramo de
comércio e ourives e relojoeiros, uma só corporação.
Rua do Cano
À medida que se localizavam pela planície, os
primeiros povoadores da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro iam fazendo o
enxugo do alagamento, abrindo valas que derivavam do fosso em direção ao mar.
Uma dessas valas, correndo em terrenos devolutos,
de oeste a leste e quase toda em reta, veio a servir de traço a uma via pública
que se cordeou em 1640, quando se canalizaram as águas da vala. Desde então,
ficou oficialmente aberta e reconhecida com a denominação de rua do Cano, nome
substituído pelo de Sete de Setembro, em virtude de deliberação da Ilustríssima
Câmara, de 29 de janeiro de 1856, que aprovou a proposta dos vereadores Haddock
Lobo e Jerônimo de Mesquita para essa mudança.
O notável governador do Rio de Janeiro – Gomes
Freire de Andrade –, no seu fecundo governo (1733/1763), planeou o
prolongamento da rua do Cano até a praça do Carmo, atual Quinze de Novembro.
Esse plano cogitou de um novo alinhamento, de calçamento aperfeiçoado e de uma
galeria para a vazão das águas.
No governo de dom. João VI, também foi pensado o
prolongamento da rua até o mar e o seu alargamento para uma melhor perspectiva.
Em 1832, a Ilustríssima Câmara submeteu ao governo do Império o plano que
mandara organizar para o alargamento da rua, o seu prolongamento até o mar e a
reconstrução radical da sua casaria. As novas edificações obedeceriam a um tipo
uniforme, todas de sobrado e não excedente de três – a bem da estética da
cidade. Houve larga discussão entre o Governo Imperial e a Administração
Municipal. Por fim, negando a sua colaboração ao referido plano, o Governo do
Império determinou fosse suspensa a sua execução, a 23 de março de 1835, por
ser muito dispendiosa.
Afinal, melhorada bastante, notadamente quanto à
feição arquitetural dos prédios, a rua Sete de Setembro abriu-se até o largo do
Paço, em ato solene, no dia 7 de Setembro de 1856, num domingo. Na
administração do prefeito Passos (1902/1906) a velha via pública foi melhorada
bastante, tendo sido feito o seu alargamento.
Damos por terminado este capítulo XII, que diz
respeito ao bairro comercial da velha cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro, empório do comércio sul-americano desde 1808, com a abertura dos
portos do Brasil às nações amigas. De 1808 a 1822, foi notável o crescimento do
nosso comércio, por grosso e a retalho e, no Rio de Janeiro, o bairro Comercial
afirmava uma grande atividade com a abertura de armazéns, escritórios de
comissões e consignações, depósitos de mercadorias importadas e a
exportar,etc... E esse desenvolvimento do comércio carioca fomentou a corrente
imigratória, atraindo maiores capitais e maior impulso deu à nossa civilização,
sempre a crescer, até as brilhantes demonstrações de nossos dias.”
Fonte: GONÇALVES, Aureliano Restier. Cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro: Terras e fatos. Edição Comemorativa dos 110 anos do Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro/Secretaria das Culturas/Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro/Divisão de Pesquisa, 2004. Trecho utilizado: Capítulo XII.p.163-181