Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]
CEMI/ISERJ
Resumo
Identificar
novas fontes para o estudo historiográfico da cultura escolar no conjunto
arquivístico do Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro é o objetivo deste artigo. A investigação parte da
premissa que artefatos de memória de qualquer suporte, inclusive os de
significado simbólico, são passíveis de contar uma história e revisitar a
memória. Assim, a preservação e acessibilidade do acervo documental existente
no CEMI, é uma possibilidade concreta de encontro de fontes, ainda não
utilizadas por pesquisadores, para narrativas e resignificações da memória. Tal
acervo percorre a história da instituição que já foi Escola Normal da Corte
(1880-1889), Escola Normal do Distrito Federal (1890-1932), Instituto de Educação
(1932-1960), sede da Universidade do Distrito Federal (1935-1939), Instituto de
Educação do Estado da Guanabara (1960-1975), Instituto de Educação do Estado do
Rio de Janeiro (1975-1997) e hoje é designado Instituto Superior de Educação do
Estado do Rio de Janeiro (1997-...). Estas fontes têm permitido o estudo
acadêmico de inúmeros pesquisadores, sob óticas diferenciadas, de novas
descobertas historiográficas.
Palavras-chave:
Centro de Memória Institucional (CEMI); cultura escolar; fontes historiográficas.
Registros humanos
Recorrer ao registro da
vida faz parte do hábito humano para organizar melhor o dia a dia, ou enfatizar
um evento importante para si, ou a comunidade, sem a preocupação de
perenizá-lo. Por isso antropólogos encontram, nas pinturas parietais rupestres,
os hábitos cotidianos de caça e pesca dos primeiros homo sapiens. Também na Antiguidade era costume gravar nas paredes
dos túmulos dos faraós cenas que imortalizassem seus feitos, e outras que
lembrassem o período cotidiano de suas vidas. O registro humano, no
entanto, depende da interpretação que
dele faz o investigador porque este registro não tem só um sentido, razão pela
qual precisa estar acompanhado de outros registros (textuais, magnéticos, imagéticos,etc.)
que complementem ou permitam a narrativa historiográfica.
O hábito do registro
através da escritura surge após a dominação da escrita pelo homem, e permanece
até nosso tempo, de forma despreocupada, quando anotamos um lembrete, quando
deixamos um bilhete para alguém no trabalho e quando usamos a agenda para não
esquecer os compromissos e assinalar o que não podemos esquecer. Esses papéis,
se guardados, intencionalmente ou não, carregam a memória do que aconteceu. No
tempo em que as cartas eram um eficiente meio de comunicação entre pessoas
distantes, elas foram objetos de investigação de muitos pesquisadores que deram
divulgação à escrita íntima e desta forma, invadiram um pouco, ou muito, o
espaço particular daquele que escrevia para interpretar, ou revisitar o momento
da escritura.
Há, no entanto,
escrituras que, intencionalmente, forjam a memória de alguém ou de algo,
perpetuando, com este registro, aquilo que se acreditava devesse ser lembrado,
ou melhor, que não pudesse ser esquecido. Pollack (1992) explica que o ato de preservação
da lembrança não é espontâneo ou inconsciente, mas deliberado para servir a
alguém ou um grupo com um fim determinado. É assim, por exemplo, quando um
determinado escrito, ou imagem, estabelece uma memória. Tal estratégia foi
usada pelo regime republicano ao fazer fotografar o movimento de 15 de
novembro, cinco anos depois do acontecimento, para que a memória da foto, e
posteriormente da pintura, perenizasse o evento.
Vi um documento deste tipo no CEMI. Um livro
designado Ata de Inauguração, confeccionada por Benjamin Constant Botelho de
Magalhães. Ali, abaixo de um pequeno texto que descreve, pelo olhar de
Benjamin, a inauguração da Escola Normal
da Corte, há, depois de um espaço vazio, assinaturas dos que teriam presenciado
o ato. No alto da página, à direita, a assinatura Benjamin Constant, ratifica o
texto. Na abertura do livro a explicação que aquele era o livro de criação da
Escola Normal da Corte referendada, também, pela assinatura deste ex-diretor.
Esse livro foi citado por Francisco Venâncio Filho em 1945, como Ata de
Inauguração. O documento esteve por muito tempo desaparecido nos 38 mil metros
quadrados do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, até que, depois
de muita procura, foi encontrado na Secretaria Geral. Ao tê-lo às mãos e lê-lo,
imediatamente considerei ter sido encontrado um item de suporte textual de
memória valioso: a inauguração da Escola Normal da Corte. Como sempre faço
instigada pela pesquisa, comecei a procurar quem seriam os convidados que
assinaram a ata. Achei-os todos no Livro da Porta[2]:
eram alunos da Escola Normal. Por outro lado, a data mencionada como do evento,
era 5 de abril. No Relatório Ministerial do Império, do acervo textual do
Arquivo Nacional brasileiro, com um anexo “Dos Sucessos mais Notáveis do ano de
1880”, relatado por Carlos Maximiliano Pimenta de Laet, a data do evento era de
6 de abril. Percebi então que a Ata de inauguração era uma memória de Benjamin
Constant para a posteridade, lembrando o que ele desejava fosse lembrado: a
inauguração da Escola Normal da Corte, no dia 5 de abril com a presença dele
associada ao evento. [3]No
mesmo livro, colado com durex, um convite para a inauguração do prédio da Rua
Mariz e Barros, em 1930, que nunca foi concretizado, porque uma administração
saia e uma revolução estava em curso. Também aí uma memória construída, por um grupo
de indivíduos, para ser lembrada na posteridade.
As novas fontes
encontradas nos arquivos escolares têm sido objeto de investigação de
pesquisadores (SOUZA e VALDEMARIM, 2005; MOGARRO, 2006; MOGARRO e MARTINS,
2010; NUNES, 1992; NUNES e CARVALHO, 1993) desde os Analles, na década de 1990,
porque estimulam o olhar diferenciado do pesquisador sobre o indivíduo e suas
ações no contexto escolar que o cerca. As novas fontes reveladas nestes acervos
possibilitam, assim, um mais amplo estudo das instituições educacionais que as
originaram, especialmente nas relações cotidianas que ali se estabeleceram, e
que formaram, com a participação individual e coletiva de cada sujeito, a
cultura escolar.
As fontes do CEMI
Nacemos, como advirtió el poeta Rainer María Rilke, en
un mundo interpretado, pero tenemos al tiempo necesidad de liberarnos de los
corsés con que se nos quiere hacer inteligible, y en consecuencia hemos de
construir con nuestro esfuerzo, personal o compartido, una nueva lectura de las
cosas, de las palabras y de nosotros mismos. (BENITO, 2011, p.12)
Ao começar a manusear
os documentos que compuseram o Centro de Memória Institucional do Instituto
Superior de Educação do Rio de Janeiro (CEMI) [4]
para separá-los e catalogá-los, vi a possibilidade de conhecer um pouco da
história institucional, contida em documentos ordinários, guardados por muito
tempo, amarelecidos e precariamente conservados, que o ISERJ parecia
desconhecer. Assim, a reunião e leitura destes papéis possibilitaram [desvelar]
segredos, [rever] emoções, [conhecer] sonhos, expectativas, projetos, costumes e práticas (MIGNOT, 2003,
p.5).
Até a criação do CEMI, a
instituição mantinha os documentos de seu acervo misturados, portanto inacessíveis
em sua quase totalidade e, por conseqüência, desconhecidos. Por outro lado,
grande parte deste acervo também esteve “escondida”, por funcionários do
educandário, das investidas de diferentes administrações institucionais que
determinaram o fim de tantos papéis e livros antigos. A pesquisa da história
institucional até 2006, por tudo isso, foi feita de forma bastante difícil, o
que não permitia que, mesmo trabalhando na escola, se pudesse conhecer grande
parte dos documentos do acervo escolar. Por isso usou-se para pesquisas
anteriores, principalmente o que estava disponível nos demais lugares de memória[5], e pouca
informação, apenas o que se conseguia encontrar, do acervo escolar. Também a
acessibilidade dos pesquisadores aos arquivos dependia de processos
administrativos burocratizados no trâmite institucional cujo resultado,
normalmente pronunciado por um burocrata, nem sempre atendia aos prazos da
pesquisa, o que afastava, ainda mais, o pesquisador das importantes e
riquíssimas fontes de uma centenária instituição pública de formação de
professores.
O
trabalho com os arquivos do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
(ex-Escola Normal da Corte, ex- Escola Normal da Capital Federal, ex- Escola
Normal do Distrito Federal, ex- Instituto de Educação, ex- Instituto de
Educação do Estado da Guanabara, ex- Instituto de Educação do Estado do Rio de
Janeiro e sede e parte, através da Escola de Professores, da UDF[6])
possibilitam uma fértil pesquisa com uma diversidade de fontes, em diferentes
suportes, sobre a formação de professores e a cultura escolar institucional em
mais de cento e trinta anos.
Através da vidraria
encontrada no Laboratório de Física e encaminhada ao CEMI, do inventário deste
Laboratório e dos ofícios do Diretor do período, fontes de suportes distintos,
pude verificar que o Ministro de Instrução Pública, Correios e Telégrafos,
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, em 1890, mobilizou imensos recursos
financeiros e materiais da República, após alguns meses de implantação deste
regime, para criar na Escola Normal os gabinetes de Física e Química, símbolo
da modernidade que o regime republicano desejava alcançar.(SANTOS, 2009ª )
Este diálogo entre
suportes é comum e necessário para fugir
ao que Foucault (1994, p.148) chamou de escrita
disciplinar porque se atem à moldura de seu suporte sem possibilidade de
integrar-se com os demais artefatos e suportes existentes. O que no CEMI é
facilitado pelo fato de documentos textuais estarem lado a lado com artefatos
do Museu de Instrumentos e Equipamentos Escolares e do Museu de História
Natural.
Pelo Livro da Porta, como
era designado o registro de matrículas, soube que o primeiro aluno a
matricular-se em 1880 na Escola Normal da Corte era um rapaz e não uma moça. Da
mesma forma verifiquei que o número de alunos do sexo masculino foi maior do
que o feminino nos primeiros anos da Escola Normal da Corte e que tal situação
vai se modificando, especialmente, após a república. Descobertas que modificam
hipóteses divulgadas de feminização deste curso de formação desde o seu início,
e que somente vai fazer parte da História institucional a partir do início do século XX, com a profissionalização e
feminização do magistério primário.
Pelas Atas da Congregação
foi possível verificar os embates dos professores intelectuais que a compunham,
com a Direção da Instrução Pública em busca permanente de sua legitimação,
assim como a retórica, como estratégia destes intelectuais, para defender seus
pontos de vista. (ibid, 2009b)
Através de um livro de
registros cotidianos da Escola Primária do Instituto de Educação (um cotidiário[7]),
foi conhecido e divulgado pela historiografia que a implantação do ideário
escolanovista foi difícil: faltavam professores na Escola Primária, os
professores que existiam não eram assíduos, e a direção da escola se
manifestava, preocupada, por ser aquela a escola de aplicação de conhecimentos
teóricos e modelo do ensino escolanovista, cobrando da Direção do professor
Lourenço Filho as providências necessárias, através da escritura diária
informal deste livro de registros. (BRAGA, 2008)
Pelo Livro de Exames de
Práticas Escolares, foi possível saber que a banca destes exames incluía as
diretoras das escolas modelo onde era realizado o evento, assim como
professores convidados. Também se percebe que o Pedagogium participava, não só
cedendo espaço físico, como encaminhando representantes e compondo bancas. Dentre as bancas ali listadas nos
diversos exames de 1902 a 1908, aparecem, dentre outros, Menezes Vieira, Manuel
Bonfim e Olavo Bilac.
As hermas, fontes
iconográficas, ainda hoje dispostas no espaço físico do Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro, permitem saber quem as doou se confrontadas ao
suporte textual do Livro de Ofícios do Diretor, de 1934, que engloba os ofícios
da gestão do professor Manuel Begström Lourenço Filho. É o caso da herma do
Padre José de Anchieta, doada pela Associação de Ex-Alunos, em 1934, por ser o
homenageado patrono do magistério. Somente o pedestal foi ali construído pela
Prefeitura, conforme o pedido do Diretor, em ofício. [8]
Também a herma de Benjamin Constant, primeiro diretor da Escola Normal da
Corte, foi instalada em comemoração ao centenário de nascimento daquela
direção, conforme o Livro de Ofícios de 1936.
Outra fonte rica de informações
pouco utilizadas pela historiografia, até pelo seu habitual descarte, são os
cadernos escolares, que recebemos da família da ex-aluna Darcy Motta. São cadernos de diferentes disciplinas com
trabalhos[9]
feitos pela aluna entre 1934 e 1939, que possibilitaram descobrir que a
disciplina Trabalhos de Agulha, da grade curricular desde a Escola Normal da
Corte, ainda era ministrada em 1935, mesmo não constando do currículo
escolanovista e fosse encarada, a partir da década de 1930 quando o movimento feminista
eclode, um trabalho afeito à cultura de submissão da mulher, com o que
concordavam os próceres deste movimento no Brasil. (SANTOS, 2011 a)
Exposição Permanente
Fonte: Acervo pessoal. CEMI. Móveis escolares.
(Década 1930, as cadeiras foram compradas para a UDF)
As provas escolares, outra fonte raramente encontrada nos
acervos escolares, escritas a lápis e corrigidas com lápis de colorir vermelho,
do acervo Maria José de Brito, doadas
pela família da ex-aluna do Instituto de Educação, em 1940, permitem ver a 2ª
guerra mundial de forma idílica, porque a redação deste tema expressa
sentimentos de quem houve falar dela, mas não a conhece. Completamente
diferente dos tempos de hoje onde cada investida bélica cada morte, cada lar
destruído, entra, pela TV em nossas casas, em tempo real. No entanto, o retrato
da 2ª Grande Guerra Mundial, expressiva daquela época, e pouco acessível às
normalistas, ficou nas provas de Português de Maria José.
Pelos livros, quando os
colocamos junto a outros textos, estabelecendo um profícuo diálogo, podemos
imaginar, aula a aula, do programa do Professor-mestre da Cadeira de Música,
Miguel Cardoso, da Escola Normal da Corte, em 1880; não só pela obra, mas
também pelo planejamento[10]
deste professor. Cada solfejo, cada clave, cada nota, traz, nas páginas
amarelecidas do volume, as aulas dele na Escola Normal, situada, então na
Escola Politécnica, no Largo de São Francisco.
Assim, como quando associamos ao livro de
Francisco Venâncio Filho (1945) às “cabecinhas”
que tanto encantam quem visita o CEMI. As “cabecinhas”, provavelmente as mesmas
compradas pela Direção da Instrução Pública para as escolas de 2º Grau como modelos em
gesso de León Chedeville, foram usadas também, como mostra a figura no livro de Venâncio Filho, na
sala de Sociologia da Escola de Professores em 1934.(ibid, 2011e)
Fonte: CEMI Cabeças de gesso com modelos de diversas
etnias (acervo pessoal)
Pelas plantas de
hidráulica, de eletricidade, arquitetônicas, pelos projetos de construção da
escola, desde 1927, quando o terreno foi comprado,[11]
estão registradas cada pequena reforma por que passou o prédio da Rua Mariz e
Barros, 273. Estas plantas, em 2004, iam encher uma caçamba de lixo. Fui eu
mesma quem as escondeu. Elas permitem ver os espaços que a escola ocupava,
assim como a metodologia usada: havia gabinetes para as disciplinas. No pátio
há previsão de uma quadra de tênis, assim como a planta da casa do zelador, com
três quartos e 100 m 2 de construção.
Pelas imagens de inúmeros
retratos podemos observar as atividades feitas pelas crianças usando
metodologia Froebel, durante o período
escolanovista. (década 1940). Tais imagens estiveram escondidas, para sua
preservação e impossibilidade de descarte, no forro do telhado da Pré-Escola,
agora Educação Infantil, e foram encaminhadas à guarda do CEMI em 2006, pelas
professoras deste segmento do ensino.
As terceiras vias das
Notas Fiscais, da Escola Normal da Corte permitem não só conhecer os
estabelecimentos com que a Escola se relacionava comercialmente, como os
objetos que comprava para atividades rotineiras. Indicam, também, os livros que
a instituição mandara importar; o tipo de material comprado (como os armários
da empresa O Encharcado que vendeu os armários mostruários que ainda hoje
temos) e o que existia à época de material didático. Também os reparos e
consertos, geralmente efetuados pelo dono da empresa, tornam-se conhecidos
pelas notas fiscais. Um piano, por exemplo, foi consertado em 31 de dezembro, o
que hoje, certamente, não seria um
dia apropriado para este conserto.
Sabe-se, por estas notas fiscais, que a maioria dos livros usados na Escola
Normal da Corte era importada da França através de lojas especializadas no Rio
de Janeiro e em Paris. (ibid, 2008b)
As pranchas parietais da
Maison Deyrolle não só comprovam que a Escola Normal do Distrito Federal
recebeu o espólio do Pedagogium (SANTOS, 2011b) como identificam o método
intuitivo usado como metodologia deste ensino: o aprender através dos sentidos.
Várias pranchas mostram, para ver, apalpar e até cheirar, itens de estudo da
História Natural. Outras pranchas, com a procedência da Maison, trazem por
subtítulo Musées Scolaire Èmile Deyrolle, ou Les Fils Èmile Deyrolle ou, ainda, Etablissements Deyrolle. Estas pranchas estavam cobrindo um armário
sem vidro no Laboratório de Ciências e foram encaminhadas, como descarte, ao
CEMI.
Outra
nova fonte, instigadora de muitas questões, foi uma placa de madeira, coberta
por um retângulo de prata cortado diagonalmente por uma pena de escrever
dourada, ainda com alguns vestígios da pena, já desgastada e sem cor, no final
do instrumento de escrita. A inscrição disposta no retângulo de placa foi
endereçada ao Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin
Constant Botelho de Magalhães, em 15 de janeiro de 1891, parabenizando-o pela
criação do Pedagogium. Assinava Menezes Vieira, diretor do Pedagogium. Por que
uma placa para Benjamin Constant estaria na Escola Normal em 1891? (ibid,
2011e). Esta placa foi encontrada em espaço institucional pela Direção Geral.
Pude fotografá-la em 2008, o que me
possibilitou responder algumas questões sobre o espólio do Pedagogium, não
consta do acervo do CEMI.
Cada fonte instiga o
pesquisador, como eu mesma fiz, a pesquisar outras. De suportes diferentes, ou
do mesmo suporte, que permita descortinar um pouco mais da cultura escolar do,
hoje, Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Estas fontes podem
estar no CEMI e/ou completar-se, com outras, de outros lugares de memória. Foi
assim quando investiguei os ofícios minuciosos de Luiz Carlos da Silva
Nazareth, Diretor Vitalício da Escola Normal do Distrito Federal, em 1897.
Recorri a Relatórios da Instrução Pública, disponíveis on line pela Universidade de Chicago (os originais constam do
acervo do Arquivo Nacional brasileiro) e ao NUDOM (Núcleo de Documentação) do
Colégio Pedro II, para complementar a escrita
de si que Nazareth fizera nos ofícios que expediu. (ibid, 2008b)
Do mesmo modo, nos
diferentes periódicos dos alunos do Instituto de Educação (Tangará, Estrela
Azul, Instituto, etc.) pode-se acompanhar o pensamento da juventude que ocupava
os bancos escolares do Instituto de Educação. As futuras professoras do
Distrito Federal e do Estado da Guanabara contavam seus sonhos e anteviam seu
dourado futuro (SILVA, 2009). São esperanças, aspirações, decepções,
interesses, que definem não só uma temporalidade mas também a idade de quem ali
escreveu para muitos lerem, em um tempo bem anterior ao que MacLuhan chamou de
“fama dos quinze minutos”[12] .
Também periódicos institucionais foram visitados, respondendo a instigações de
pesquisas diversas, ou apenas como depositários da memória escolar, através das
análises realizadas, para conhecer as atividades que a escola desenvolveu e o
posicionamento de professores sobre assuntos variados (LOPES, 2008).
A
UDF foi pesquisada através dos inúmeros documentos encontrados no CEMI
possibilitando saber seus reitores e a ordem em que dirigiram a instituição,
assim como a troca de correspondência entre professores europeus e a reitoria
para a realização de cursos no Brasil. (LOPES, 2007)[13]
As fichas funcionais, encaminhadas
ao CEMI pelo Departamento de Pessoal do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, permitiram
conhecer, funcional e biograficamente, professores que estavam sendo
pesquisados. Fizeram parte de pesquisas, como fontes, as fichas dentre outros
de: Euclides Roxo (DASSIE, 2008), Delgado de Carvalho (COELHO, 2007), Anísio
Teixeira, Ignácio Azevedo do Amaral, Afrânio Peixoto, Vicente Tapajós, Edgard
Sussekind de Mendonça, Raul Moreira Lellis, Janetta Budin, Eneias Martins de Barros,
Mário da Veiga Cabral, Padre Álvaro Negromonte, Lourenço Filho, Heloisa
Marinho, Orminda Isabel Marques (BRAGA, 2008) e Alfredo Balthazar da Silveira.[14]
Conclusão
Acudiendo a la memoria percibimos la historicidad de
nuestra existencia y de la vida colectiva y ponemos en valor la escuela como
elemento constitutivo de esta memoria que es cultura, y como tal, patrimonio
comunitario a preservar y difundir. La educación patrimonial es una nueva
dimensión de la formación para la ciudadanía en toda democracia avanzada, un
nuevo vector de ilustración y modernidad. (BENITO, 2011, p.29)
O
acervo do CEMI tem possibilitado, desde 2005, consulta a fontes pouco visitadas
e certamente, enriquecedoras das investigações, assim, inúmeras instituições
acadêmicas ou não, tem se beneficiado deste acesso: UERJ, ISERJ, UFRJ, PUC,
USP, University of Texas (Austin, Texas, EUA), Universidade do Porto (Porto,
Portugal), UNICAMP, UFF, IMPA, UESC,
Fundação Joaquim Nabuco, TV Globo, entre outras.
Quando o CEMI foi aberto vi, com prazer, muitas
fontes textuais e iconográficas voltarem á escola: muitos objetos, fotos,
papéis, livros, que tinham sido “escondidos” durante muito tempo por funcionários
cuidadosos. Era o material constante das caçambas de lixo que ressurgia,
trazidos por funcionários e professores. Recebi, assim, vitrola, discos, retratos
(caixas e caixas), slides de vidro (inúmeros), livros, cartas, vidrarias,
trabalhos de aluno, pranchas parietais...
Enfim a memória retornava
trazida pelas mãos de quem acreditava que cada item daquele era precioso. Mas
há, ainda, quem acredite, na comunidade escolar de hoje, que artefatos são apenas
objetos e desta forma os descartam, ou os retém, impedindo a consulta às fontes.
Acreditamos, no entanto, que esse pensamento, com o tempo tem sido desfeito,
possibilitando ao CEMI novos artefatos e ao Instituto Superior de Educação dó
Rio de Janeiro a preservação de sua cultura escolar e de sua identidade.
O
CEMI recebeu, também, de famílias de ex-normalistas, a memória mantida durante
anos revelando relações de afetividade entre a escola e um de seus segmentos partícipes.
Assim, da família da professora Orminda Isabel Marques, veio uma coleção, que
leva o nome desta ex-normalista, composta de retratos, livro “boneca” com
correções de Lourenço Filho, livro de autoria de Orminda, trabalhos, vários, de
suas alunas na década de 1930. Como também chegaram ao CEMI inúmeras fotos de
ex-normalistas, de diferentes épocas, através de uma parceria com o blog de uma ex-normalista do Instituto
de Educação, o Amigas para Sempre.
Mas
o descarte intencional ainda ocorre, há também artefatos que “desaparecem”,
talvez retirados por quem sabe o valor do que tem em mãos. Outros que, face à
condição precária de seu suporte, degradam-se, viram pó. Ainda não existe,
infelizmente no Brasil, uma política de descarte que preserve os acervos das
escolas.
Ter
um acervo público tão precioso quanto o que está no CEMI é uma responsabilidade
institucional, porque implica em restaurar, preservar, dar espaço,
acessibilizar. É preciso que outros lugares
de memória sejam abertos nas escolas para que a historiografia possa
partilhar fontes ainda desconhecidas.
Há muito a fazer para
disponibilizar essas novas fontes para pesquisas historiográficas. Há pouco
tempo e praticamente nenhum dinheiro para “salvar” as novas fontes que cada
acervo escolar pode apresentar. Que as pessoas que se importam, de cada
instituição escolar, preservem, do melhor modo possível, o acervo de sua
instituição e o exponha, acessível, a todos que se interessem, e sobre ele
escrevam, para academicamente, dar ciência dos seus achados. É o que no CEMI estamos
tentando fazer desde 2005.
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VENÂNCIO FILHO, Francisco. Instituto de Educação do Distrito Federal.
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[1] Pedagoga aposentada da Fundação de Apoio à Escola Técnica
(FAETEC). Criou e coordenou até janeiro de 2012, o Centro de Memória Institucional (CEMI) do
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). Doutoranda em Educação (linha Instituições, Práticas Educativas e História) na UERJ. Mestre em Educação (linha Instituições, Práticas Educativas e História) pela UERJ. Graduada em História e Pedagogia pela UERJ.
[2] O Livro da Porta era o
livro de matrículas. Ele marca a data de matrícula e a série, seguidos do nome do
aluno.
[3] A Escola Normal da Corte passa a existir pelo Decreto
7.684, de 6 de março de 1880 que, de
conformidade com o Art. 9 do Decreto 7.247, de
19 de abril de 1879, cria uma Escola Normal de instrução primária para
professores e professoras, vinculada ao Ministério dos Negócios do Império. A Escola é inaugurada, formalmente, em 5 de
abril de 1880, em uma sala do externato do Imperial Colégio de Pedro II, com a
presença de Sua Majestade o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do
Brasil, D. Pedro II, Sua Majestade a Imperatriz, o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro
Barão Homem de Mello, o Bacharel Benjamin Constant Botelho de Magalhães,
diretor interino da Escola Normal e outros convidados. (Ata de Inauguração
de Benjamin Constant)
[4] Criado no Instituto Superior de Educação do Rio de
Janeiro (ISERJ), em 9 de dezembro de 2005, para reunir, catalogar e difundir a
memória institucional.
[5]
Empregamos a expressão lugares de memória
no sentido de Pierre Nora (1993). Os lugares de memória nascem e vivem do
sentimento que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que
é preciso manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as
honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais
(...). Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles
seriam inúteis. E se em compensação, a história não se apoderasse deles para
deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam
lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história
arrancados do movimento de história, mas que lhe são devolvidos (...) (p.
13)
[6] A
Universidade do Distrito Federal, UDF, (1935-1939)
foi criada numa época em que o Rio de Janeiro era o
Distrito Federal, capital do Brasil. Anísio Teixeira, então Diretor da
Instrução Pública do Distrito Federal, foi seu idealizador. A UDF
caracterizou-se por sua proposta inovadora de formação de professores em nível
superior e pelo fato de não possuir as faculdades tradicionais - Direito,
Engenharia e Medicina -, e sim um curso de Educação, denominado Escola de
Professores, que pela primeira vez dotou o magistério de formação específica em
nível superior. Entretanto, essa proposta universitária colidiu com os propósitos
do governo federal, e em 1939, a UDF foi
fechada e incorporada à Universidade do Brasil. A sede da UDF esteve instalada
no prédio do Instituto de Educação, à Rua Mariz e Barros 273, onde funcionaram
alguns cursos, razão pela qual grande parte do acervo desta instituição
encontra-se no ISERJ (CEMI) e outra parte, dos cursos que não funcionavam no
Instituto, na UFRJ (PROEDES).
[7] Livro ou caderno que
cotidianamente é empregado para lembretes, avisos e comunicações extra-oficiais,
que usam a informalidade como outro tipo de escritura funcional.
[8] Pesquisa
realizada pela Professora Marlúcia Neri e pela bibliotecária Mônica Ladeira,
ambas trabalhando no CEMI.
[9] Os trabalhos da aula,
presos em um caderno, eram uma camisinha de pagão em tecido de algodão, uma
bolsa - parece que de macramê- e um
molde, também, de casinha de pagão de bebê.
[10] Livro de Programas das
Cadeiras da Escola Normal da Corte.
[11] Conforme escritura do
Registro de compra da freguesia do Engenho Velho.
[12] MACLUHAN, 1969.
[13] O
início de uma catalogação do acervo da UDF foi realizada, em 2007, com vários
professores do Curso Normal Superior do ISERJ, coordenados pelo prof.Dr. Bruno
Alves Dassie. Hoje o acervo encontra-se disperso dentre os demais documentos
textuais.
[14] Conforme Livro de Visitas
do CEMI
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