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Sobrados geminados que compunham o Cinematógrafo Ideal. A foto apenas mostra a construção, não sendo da época que descrevo no texto |
O Cinematographo[1] Ideal
estava localizado na Rua da Carioca nos números 60 e 62, no período em que
funcionava apenas como cinema. O Ideal era vizinho do Soberano[2], bem
próximo à Praça Tiradentes. O prédio, de dois andares, tinha uma sacada que
separava os dois pisos. A parede, em relevo, do segundo andar, possuía quatro
janelas em arco, duas a duas. A inovação do local se refletia no teto móvel que
se abria nas noites de verão, melhorando o arejamento do local. O Soberano, seu
concorrente, à época, apenas abria o salão, afastando as paredes. O teto móvel foi
obra do engenheiro Eiffel, o mesmo que projetou a famosa e imponente torre de
Paris[3]. Completavam
a construção duas escadas laterais e uma nos fundos, em ferro batido, que conduziam
ao balcão, onde azulejos portugueses, em relevo, decoravam as paredes.
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Foto do teto restaurado da, hoje, Maison Leffié. |
Os quatro
sobrados que compunham originalmente o Ideal foram construídos, em 1905, pelo
construtor Miguel Bruno, a mando de seu proprietário, o Visconde de Morais[4].
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José Júlio Pereira de Morais, Visconde de Morais, primeiro proprietário do terreno |
O Cinematógrapho Ideal foi inaugurado em 1909, pela Empresa Pereira, Pinto e Cia., do ramo cinematográfico, adquiriu os quatro imóveis, passando, posteriormente, ao empresário Manoel Pinto, que o transformou mais tarde em teatro. Em 1913, o local passou por uma grande reforma que ampliou sua sala de projeção e colocou-o entre os maiores cinemas da cidade, ao lado do Cinema Avenida Central e do Íris, situado também na Rua da Carioca.
O
Ideal era o cinema fixo[5] mais
antigo da Rua da Carioca. Sua inauguração ocorreu com um grande
programa de filmes. Neste momento o filme, não era, ainda, falado, mas narrado[6].
Explica
Gatto (2012) que:
[...] este é um cinema de mostração, já que ali, mais importante que
dizer sobre si, é mostrar uma ação; [que] extravasa o contexto fílmico e cria a
denominação cinema de atrações relacionando-o com um contexto específico: o fim
do século XIX e o início do século XX (p. 2)
Anos depois, para
a inauguração do cinematógrafo como cine-teatro, ampliando seu envolvimento
cultural, em 12 de maio de 1926, o Ideal apresentou a peça “Cala a boca,
Etelvina”, de Armando Gonzaga[7],
que depois virou filme, estrelado por Dercy Gonçalves no papel título[8]..
O elenco, conta-nos o site encabeçado
por Alda Garrido, contava com a participação de Olga Louro, Georgina Guimarães,
Rosita Rocha, Manoel Durães, Augusto Annibal, Américo Garrido, Gervásio
Guimarães e Pedro Celestino, além de mais duas figuras contratadas
especialmente. O ensaiador foi o Sr. Augusto Santos. A música de autoria de
Freire.
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Peça Cala a Boca Etelvina, de Armando Gonzaga |
O Correio da Manhã, em sua edição de 29 de abril de 1926, assim referiu-se ao local recém reinaugurado :
o Ideal tem condições para ser um Teatrinho capaz de atrair o público mais elegante. Ele é bem o que os franceses chamam de bonbonnière. A sua sala de espetáculos é verdadeiramente encantadora. Tudo no Ideal é gracioso. O espectador lá fica confortavelmente instalado e tem os olhos bem impressionados pelo ambiente. (p.2)
Mais notícias apareceram sobre o
Ideal ao longo do tempo nos jornais, face à sua importância cultural:
- em 1926, o Cinema Ideal passou a integrar a rede de cinemas de Luiz Severiano Ribeiro;
- em 1994, os dois sobrados que originalmente comportavam a sala de projeção, sofreram um grande incêndio;
- em 1996; a construção foi vendida aos comerciantes Maurício Francisco Tauil e João Alves Ferreira; em O Globo de 10/06/2004, Joaquim Ferreira dos Santos, informava que “o Ideal, (...), um antigo poeira transformado em boate, foi vendido para o Real ABN Amro. Planeja-se abrir ali uma agência bancária ou um centro cultural.”;
- ainda no mesmo periódico, em 13/10/2008, o mesmo colunista revelava mais uma notícia sobre o teatro: “O Cine Ideal, na Rua da Carioca, está à venda por R$2 milhões. O prédio, que é tombado, tem sido alugado para festas moderninhas”;
- agora, em nova notícia, Quitino Gomes Freire informa, no Diário do Rio, de 26/11/2015 que “Onde era o Cine Ideal agora tem uma casa de eventos, a Maison Leffié”.
Ufa!
Salvou-se mais um patrimônio da cultura do Rio! Viva!
Referências
FREIRE,
Quintino Gomes. Onde era o Cine Ideal agora tem uma casa de eventos, a Maison
Leffié. Diário do Rio. 26 de novembro de 2015. Disponível em http://diariodorio.com/onde-era-o-cine-ideal-agora-tem-uma-casa-de-eventos-a-maison-leffie/
Acesso 28/11/2015
GATTO, Veridiana
Chiari. O cinematógrafo e João do Rio Anais. XV Encontro Regional de História ANPUH –
RIO. Rio de Janeiro: Associação Nacional
de História, 2012
LIGHT. Cinematógrafo. Disponível
em http://www.light.com.br/Repositorio/CCL/Cinemat%C3%B3grafo.pdf Acesso 28/11/2015
SANDBERG, M.B
Efígie e narrativa: examinando o museu de folclore do século XIX. In: CHARNEY,
L.; SCHWARTZ, V. (Orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo:
Cosac & Naify, 2001.
Teatros do
Centro Histórico. ,Disponível em http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=97&cdP=17
Acesso em 25/11/2015
[1] Em
1907 foram inauguradas 33 salas de cinema na cidade do Rio de Janeiro. Entre
1907 e 1911, foram abertas 145 salas de projeção, com uma média de 29 salas por
ano. Entre 1907 e 1920, foram inaugurados 230 cinematógrafos no Rio, com uma
média de 16 salas por ano. (LIGHT, Cinematógrafo.
s/ano)
[2]A
sala foi inaugurada em 31 de outubro de 1909, com 200 lugares, por João Cruz
Júnior, com o nome de Cinematographo Soberano, homenagem do fundador a um de
seus cavalos. No seu apogeu, chegou a ser frequentado por personalidades, como
Ruy Barbosa, que tinha cadeira cativa na sala com suas iniciais gravadas. O
estabelecimento sempre permaneceu sob controle da mesma família e hoje é
administrado pelo bisneto do fundador, Raul Pimenta Neto. Posteriormente foi
chamado de Iris.
[3] A
Torre Eiffel foi construída por Gustave Eiffel para a Exibição Universal de
1889, em Paris, como comemoração do centenário da Revolução Francesa.
[4] José
Júlio Pereira de Morais, 1º Visconde de Morais, nasceu em Sabrosa, junta da freguesia
de Gouvinhas, Portugal, em 15.11.1848 e faleceu no Rio de Janeiro em 28.08.1931. Foi Presidentes do Real Gabinete
Português de Leitura do Rio de Janeiro.
[5] Os
primeiros filmes aparecem entre 1895 a 1908, eram chamados de early films e tinham como principal
marca a produção do espanto em seus espectadores. Eram apresentados em feiras,
teatros de variedades ou exibidores ambulantes, geralmente tinham apenas um
plano que era apresentado em sequencia com outros planos sem continuidade
temática. Estes breves filmes tinham como único intuito estimular, chocar seus
espectadores, eram cenas burlescas como um elefante que é eletrocutado, cai e
morre; um casal de namorados que é surpreendido por dois homens – um deles com
uma pá – e são empurrados pra dentro de uma mata; meninas num internato que
repentinamente promovem uma briga de travesseiros espalhando penas pelo quarto.
São quadros cômicos, sem quaisquer preocupações morais. Além disso, não têm
nenhuma presunção de velar o elemento ficcional, nestes filmes, o observador é
convocado a participar da cena, a responder aos acenos e piscadelas dos atores (Gatto,
2012, p.2).
[6]
A narrativa ajudou a tornar a modernidade atraente (Sandberg, 2001p. 397).
[7] A
peça foi apresentada, antes (1925) no
Teatro Trianon (também foi Cine até 1921e posteriormente, a partir de 1938) com
o seguinte elenco: Procopio Ferreira, Restier Junior, Manoel Pera, Henrique
Fernandes, Abel Pera, Itala Ferreira, Hortensia Santos, Mathilde Costa,
Georgina Guimarães e Albertina Pereira.
[8] Adaptada
para cinema, por Victor Lima e Eurides Ramos, com o mesmo título, tendo no elenco:
Dercy Gonçalves, Catalano, Manuel Vieira,
Zezé Macedo, Paulo Goulart, entre outros, com direção de Eurides Ramos.
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