A Casa do
Livro Azul foi um sebo, livraria onde se vendiam livros e revistas usados, da cidade do Rio de Janeiro, que funcionou de
1828 a 1852, na famosa Rua do Ouvidor, a princípio no número 113 e depois no
número 138. (HALLEWELL, 1985, p.127). Seu proprietário, Albin Jourdan, logo
tornou-se Albino Jordão, numa naturalização informal promovida por seus
frequentadores. E por que lembrar disso?
Quando livrarias
e editoras cerram as portas, talvez à espera de momentos econômicos mais
favoráveis, me ocorreu que pouca gente sabia que havíamos tido na cidade um
sebo de nome tão poético. Não é desconhecido. Joaquim Manoel de Macedo cita-o
em sua elegia à Rua do Ouvidor:
Aquela casa n.º 113, ainda do lado esquerdo, acanhada, estreita, mas de
três pavimentos, cujo letreiro chamador de fregueses anuncia o Café de Londres,
e excelente Restaurant, foi levantada no lugar onde se mostrava a antiga e
pequena casa térrea de duas portas, que ainda em 1838 era loja de livros do
Albino Jordão. Lembro-me sempre dele! lembro-me da sua modesta loja de livros
novos e velhos, de obras encadernadas ou em brochura, que se vendiam ali a
barato preço. Em meu tempo de estudante fui freguês do Albino Jordão e entre
outras obras comprei-lhe as Memórias Históricas de Pizarro e as Memórias para
Servir à História do Reino do Brasil, do Padre Luís Gonçalves dos Santos, por
alcunha o - Perereca -, as quais de tanto socorro me têm sido em estudos, como
este que estou fazendo. O Albino Jordão era, quando o conheci, homem já velho,
vestindo sempre jaqueta, e desde muito cego e surdo. Contra a cegueira não
tinha recurso, que não fossem a memória surpreendente e o tato explicavelmente
aprimorado; contra a surdez, que não era completa ou absoluta, socorria-se de
famosa e tradicional buzina, que o fazia ouvir o que os fregueses da loja
procuravam.
Albino Jordão tinha dois ajudantes, meninos ou rapazes de quatorze a
dezesseis anos, de instrução nula e de pouco zelo: quando eles, porém, não
serviam de pronto a algum freguês e demoravam-se, procurando o livro pedido, o
cego levantava-se da sua cadeira, punha a buzina ao ouvido, e ciente do que se
pedia, ia sempre certeiro e sem nunca enganar-se tomar o livro na estante e o
lugar onde estava, ainda mesmo quando lhe era necessário subir por pequena escada
portátil para ir buscá-lo.
Eram na verdade admiráveis a memória, o tato e o tino que a cegueira
apurava naquele velho cego, mas, para que pudessem tanto, era só e
exclusivamente ele o ordenador e colocador dos livros nas estantes da sua loja.
Albino Jordão foi, como livreiro, contemporâneo dos notáveis e célebres
livreiros Saturnino, João Pedro da Veiga e Evaristo Ferreira da Veiga, filhos
do primeiro; mas em sua loja, que não podia rivalizar com a daqueles, vendia em
geral obras já usadas, livros em segunda mão, e portanto baratíssimos, e se por
isso deve ser tido em conta do primeiro alfarrabista da cidade do Rio de Janeiro,
foi de tanto proveito para o público, e de tão sã consciência na sua indústria,
que nunca lhe caberia o nome feio que os estudantes do Imperial Colégio de
Pedro II deram ao vil belchior de livros velhos estabelecido na vizinhança
daquele colégio da Rua de S. Joaquim, nome um pouco obsceno que a principio se
estendeu a todos os chamados hoje alfarrabistas. A Rua do Ouvidor deve
perpetuamente lembrar o seu Albino Jordão, o primeiro livreiro que teve, o
precursor, ou antecessor dos Srs. Laemmert, Garnier e ainda outros, o Albino
Jordão, enfim, cuja buzina foi tão famosa como a tesoura de Mme Joséphine[1], e
muito mais útil do que ela, se as minhas excelentíssimas leitoras permitem que
eu assim o pense. (capítulo XIV, p.253)
E, pelo texto
de Macedo, percebe-se que era ali que se abasteciam de livros os alunos do
Pedro II, talvez porque o preço dos alfarrábios que, também naquela época, não fossem baratos. Mas a
leitura, desde Gutemberg, que marca sua expansão além da Igreja, fascina, e me
fascina. E os sebos, dos quais a Casa do Livro Azul é uma fiel representante, como
explicar que atraia, com seus velhos e amarelecidos escritos, a quem do código
escrito se apodere?
Santos e
Ferreira (s/data) pesquisaram uma Casa do Livro Azul[2],
em Campinas, que havia sido inaugurada em 1876 e cerrado suas portas apenas em
1958, tendo como proprietários o Sr. Antonio de Castro Mendes (1876-1938) e
Clésio de Castro Mendes (1938-1958). Teria o nome da livraria de Capinas sido
inspirado pela Casa do Livro Azul do Rio de Janeiro?
Conta
Alessandra El Far (2006), ao pesquisar o Livro e a Leitura no Brasil que, em
1870, o livro barato tinha capa brochada e de pequeno tamanho, o que
possibilitava vendê-lo “nas freguesias mais
afastadas do centro do Rio de Janeiro”(p.32), tendo por intermediário os
ambulantes.
Eu mesma, quando
de minha primeira incursão numa loja dessas, fiquei maravilhada. Eram tantos
livros! Tinham tamanhos diferentes, espessuras diversificadas, letras e imagens
a me fazer tudo, e ao mesmo tempo a obscurecer-me os sentidos, que comprei
vários deles e nem sequer procurei o que buscava. E o cheiro? O sebo tem um
cheiro próprio que só o percebi em outro lugar, no Centro de Memória que
dirigi. É um cheiro de papel diferente, talvez porque se misturasse à cola que
prendia páginas de muitos deles.A Casa do Livro Azul foi das primeiras na Rua do Ouvidor com esse ofício. Deixou saudades, creio, se a mim deixa desse passado lindo do Rio que não vivi.
Referências:
EL FAR, Alessandra. O Livro e a
Leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história.
São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. da Universidade de São Paulo, 1985.
SANTOS, Maria Lygia C. Köpke e
FERREIRA, Norma Sandra. A TYPOGRAPHIA, PAPELARIA, LIVRARIA - CASA LIVRO AZUL
(1876-1958). Disponível em
http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais14/.../H504.doc
Acesso 01/10/2015
[1] “Mme
Josephine foi talvez a primeira, e com certeza uma das primeiras, que marcaram
a época da hégira das francesas para a Rua do Ouvidor. Mlle. Josephine foi a modista da primeira
Imperatriz do Brasil, e, portanto, de todas as senhoras da corte, e, portanto,
de quantas outras senhoras tinham pais e maridos dispostos a pagar
frequentemente a habilidade e a fama da modista, cuja tesoura de imperial
predileção cortava cara e desapiedadamente.
E por isso mesmo era célebre, e a melhor possível, e a mais desejada a
tesoura da incomparável Josephine. A
casa da modista começara com a denominação de Mme Josephine; casando-se, porém,
esta algum tempo depois com Mr. Quelque Chose, já era tanta e tão proveitosa a
fama do nome da modista, que mulher e marido acordaram em conservá-lo na
designação da loja, que ficou denominada de Mme. Josephine”.(ibidem, p.246)
[2]
“De início, a pequena lojinha de apenas uma porta tem como especialidade a
Encadernação e conta na Tipografia apenas com uma máquina Magand e umas 10
variedades de tipos destinados a imprimir cartões de visita. Conta ainda com
uma seção muito rudimentar de fabrico de caixas de papelão que forneceu por
muito tempo à antiga firma Bierrenbach & Irmãos, fábrica de chapéus.
Em seguida, amplia seus investimentos, instalando
também uma pequena papelaria com estoque de caixas e artigos para escritórios
que gradativamente também iam se proliferando pela cidade” (SANTOS E FERREIRA, s/data.
Disponível em http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais14/.../H504.doc
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