Você
sabe qual a capela mais antiga do Rio de
Janeiro? Não, não cite as capelas conhecidas. A mais antiga capela da cidade é a consagrada
à Nossa Senhora da Cabeça.
Sabe-se
que a história da capela está relacionada a Martim de Sá[1],
governador da capitania do Rio de Janeiro por duas vezes no início do século
XVII - a primeira entre 1602 e 1608, e novamente entre 1623 e 1632. De acordo
com os historiadores que pesquisaram o tema a capela foi construída por ordem
do próprio Martim de Sá, encarregado da recuperação do Engenho D´El Rey, onde ficava a capela, no seu primeiro governo. Neste
período, no entanto, o engenho já teria sido vendido, o que ocorreu em 1579. O
que se acredita é que o proprietário do engenho tenha mandado erguê-la,
dedicando-a a Nossa Senhora da Cabeça, em homenagem ao governador
recém-nomeado, Martim de Sá, devoto daquela santa. Martim de Sá, que se casara
em Cádiz com Dona Maria de Mendonça y Benevides, filha do governador daquela
cidade, trouxe de lá duas imagens da santa espanhola, de quem se tornara
fervoroso devoto.
A
primeira imagem conhecida, desta capelinha no Rio de Janeiro, é de autoria do
francês Charles Clarac, e foi pintada em 1816. No título o autor faz menção a
laranjais e a um aloés em flor. A capela tinha ainda uma sineira defronte à
varanda e um corpo posterior em meia água, ambos já demolidos.
Segundo
a devoção, a aparição de Nossa Senhora da Cabeça ocorreu em 1227, na cidade de Andújar,
alto vale do rio Guadalquivir, na região da Andaluzia, Espanha, a um pastor chamado
João Rivas, em um monte denominado Cabeza. Ela é representada trazendo à mão
uma cabeça, e a ela se dedicam inúmeros ex-votos de cabeças de cera. O primeiro voto, segundo a tradição, foi ofertado
por um condenado à morte por decapitação que, após solicitar a intercessão da santa,
foi salvo no último minuto por um indulto real.
O
Plano da Lagoa Rodrigo de Freitas [2]do
Ten. Cel. Reis e Gama, de 1809/1811 é a primeira imagem que se tem da região:
florestas e plantações de cana de açúcar que ocupavam as encostas acima das
margens da lagoa, e os caminhos e edificações então existentes. O mapa mostra
que a grande fazenda estava dividida em 3 sítios, 55 chácaras e 5 casas, indicando
quem seriam seus ocupantes. Uma legenda assinala a posição da casa do Padre
Manuel Gomes, cura da paróquia de Nossa Senhora da Cabeça.
Interior da capela |
Segundo
pesquisa de Carlos Eduardo Barata, o registro fundiário identifica que, em 1827,
a Chácara da Cabeça, sítio 56, era ocupada pelo vigário da Freguesia da Lagoa,
Manuel Gomes Souto. Em 1830 o vigário renunciou ao curato, mas permaneceu
residindo na chácara pelo menos até 1838, conforme o registro do pagamento de
foros. Em 1848 os assentamentos passam a referir-se a Maurício Gomes da Silva e
de Pedro Gomes de Alcântara, apontados como herdeiros do Padre Manuel Gomes
Souto.
O
registro dos foros pagos à Fazenda Nacional revela que, em 1850, a Chácara da
Cabeça havia sido desmembrada em pelo menos três chácaras menores, numeradas
como 7, 7 A e 7 B, sendo que a principal delas havia sido vendida a José Fernandes
de Castro18. A partir daí iniciou-se um processo de sucessivas subdivisões das
propriedades da região, que daria origem ao atual bairro do Jardim Botânico e
seus logradouros.
Em
1877, segundo o registro fundiário, a chácara pertencia a Luis Pereira Ferreira
Faro – filho e homônimo do proprietário original, nascido em 1856 e batizado na
capela de Nossa Senhora da Cabeça em abril de 1857. Luis Pereira Ferreira Faro estudou medicina na Universidade
de Pisa, na Itália, retornando para estabelecer clínica no Rio de Janeiro. Casou-se
com Isabel Tosta da Silva Nunes, razão pela qual a chácara da Cabeça também já
foi designada como Chácara do Tosta 22. O primo de Luís, José Pereira de Faro,
assumiu a administração das fazendas de café e, com elas, o título de terceiro Barão
do Rio Bonito. A Chácara da Cabeça, incluindo a capelinha, era de propriedade
de Custódio da Costa Braga e sua mulher em maio de 1902, quando foi adquirida
pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, com o objetivo de “conservação e
pureza das águas” da represa
do Rio Cabeça, captadas junto às encostas da Serra da Carioca [3].
Naquele ano, o manancial do Rio da Cabeça trazia em média 4,3 mil metros
cúbicos diários de água para alimentar as redes de abastecimento público no
bairro do Jardim Botânico, representando 2,5% do suprimento total da cidade. E aí? Você acertou?
Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO. Secretaria Municipal de Urbanismo. Instituto Municipal de Urbanismo
Pereira Passos. Coleção Estudos Cariocas. Capela
de Nossa da Senhora da Cabeça: pequena joia do patrimônio cultural do Rio de
Janeiro. Agosto de 2004.
[1] Martim de Sá (1575 – 1632) foi o
primeiro carioca a governar a cidade onde nasceu e viria a falecer. Esteve
envolvido em campanhas militares contra índios, holandeses e franceses no
território dos futuros estados do Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo. Como
governador do Rio construiu fortes e reduziu os índios carijós em torno dos
padres jesuítas na aldeia de São Francisco Xavier (com o que começou a povoação
do atual bairro da Tijuca). Por sua ordem foi iniciada a construção do aqueduto
da Carioca, somente concluída no século seguinte. Foi também provedor da Santa
Casa de Misericórdia. Seu filho, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, também governou
a cidade em três ocasiões ao longo do século XVII, como já o haviam feito outros
membros do mesmo clã - Salvador Corrêa de Sá e antes dele Mem de Sá, no século
anterior. Por mais de 300 anos essa família, cujos primogênitos viriam a receber
o título de Viscondes de Asseca, manteria posição de força no governo da cidade
e da capitania. Apesar de sua importância para a história da cidade e do país,
Martim de Sá nunca foi homenageado com um único logradouro, escola pública ou
outro equipamento urbano relevante no Rio de Janeiro (Instituto Pereira Passos,
Diretoria de Informações Geográficas, agosto/2004,p.5).
[2]
Plano da Lagoa de Rodrigo
de Freitas. Elevado pelo Tenente Coronel Carlos José de Reis e Gama e pelo
Capitam Jacques Auguste Coni e sendo desenhada pelo mesmo Ten. Coronel em
janeiro de 1809. Nanquim e aquarela 98,2 x 69,5 cm. Cópias desenhadas e
coloridas a mão em 1855 e 1870. Arquivos do Serviço Geográfico do Exército, Rio
de Janeiro.
[3] Escritura de 12 de maio de 1902,
registrada no Tabelião Evaristo. Ver Ministério de Viação e Obras Públicas,
Relatório da Comissão de Patrimônio, vol II. Empreza Brasil Editora, Rio de
Janeiro, 1922
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