Beco
do Guindaste
Os jesuítas, para fazer as obras
de construção do colégio, ergueram um guindaste para carregar as pedras neste
espaço, que recebeu do povo o nome de beco (ou travessa) do Guindaste, Conta
Berger (1974) que, em 1783 para Travessa Doutor Costa Velho homenageando o
intendente municipal Dr. José Mariano da Costa Velho (p.46)
Eu amo a rua [...] A rua nasce, como o homem, do soluço, do
espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue
é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e
canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma
melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço.[...] A rua é a
eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a
febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa,
para ela não há o despertar triste, quando o sol desponta e ela abre os olhos
esquecida das próprias ações, é, no encanto da vida renovada, no chilrear do
passaredo, no embalo nostálgico dos pregões — tão modesta, tão lavada, tão
risonha, que parece papaguearcom o céu e com os anjos...(JOÃO DO RIO,1908)
Em tempos que os
habitantes de nossa cidade não mais têm voz audível e perdem a cidade em que
nasceram ou vivem para o descalabro da administração municipal e estadual, para
a violência que torna nossas belas e antigas ruas impossíveis de flanar com o
fazia João do Rio, lembro de antigos tempos de ruas que não chegamos a conhecer
com nomes poéticos, escolhidos pelo povo.
As ruas do Rio,
na época da colônia, recebiam o nome de seu morador mais ilustre, ou de quem
ali exercia seu ofício, ou ainda da igreja, ou outro prédio, que a diferenciasse,
ou de algo que a pudesse caracterizar das demais. Desse modo tivemos (e algumas
dessas ruas ainda existem): a Ladeira da Misericórdia, a rua do Ouvidor, o Beco
dos Barbeiros ( que liga a Rua Primeiro de Março à Rua
do Carmo), a rua dos Açougues do Frade Bento, rua da Botica de São Bento, a rua
da Valinha, Travessa de Santa Rita, Travessa Aguiar (aberta em terras de João Antônio
Pereira de Aguiar), .
No Império, foi
o Senado da Câmara, posteriormente transformado em Câmara Municipal, a
instituição responsável por nomear os logradouros da cidade que crescia. Com o
regime republicano de 1889, passa o Conselho da Intendência Municipal a ter tal
atribuição, depois substituída pela Câmara de Vereadores, que mantém a
atribuição até hoje. Desde sempre, no entanto, existe a mudança de nomes, de um
para outro, sem razão, ou com razão específica. Assim, conta a memória coletiva
da cidade que se o nome “não pegasse”, o que na linguagem popular significava
ser de uso difícil ou inapropriado, a nomeação não era aceita e o nome trocava.
Lembra Brasil Gerson (1965) que Artur
Neiva[1],
ao conversar com um australiano sobre o Brasil, sobre a diferença havida entre
o falar e o escrever, disse-lhe:
“- Pois no Rio de Janeiro o nome da rua
principal, escrito nas placas, é Moreira César: aqui está nos meu apontamentos.
Mas para todos os brasileiros a sua pronúncia é Rua do Ouvidor...” (p.49)
Beco
de João Batista
Entre as ruas dos Andradas,
Teófilo Ottoni e Larga de São Joaquim, na “ilha seca”, que era um trecho antes
dos alagados da rua do Ouvires. O nome homenageia o médico francês João Batista
[ que provavelmente era Jean Baptiste] Darrrigue, introdutor da cultura do anis
no Rio de Janeiro, que ali residia (BERGER, 1974, p. 71).
Historiadores
que voltaram seu estudo a essa temática dos nomes das ruas do Rio, como Vieira
Fazenda (1921)[2],
Brasil Gerson (1965)[3], Berger
(1974)[4], e
outros, oferecem um panorama nostálgico dessas ruas que acreditava João do Rio,
nosso cronista maior, tinham “alma encantadora”.
Embarcando na
onda nostálgica de João do Rio, relembro alguns logradouros de que,
possivelmente, a maioria dos cariocas nascidos aqui, ou morando aqui (e logo
adotados por essa cidade acolhedora) nunca ouviu falar.
RUA
DOS AÇOUGUES DO FRADE BENTO – Estudada por Vieira
Fazenda (1921) que comenta que o logradouro recebeu a denominação entre
1682-1685 quando para ali foi transferido o Açougue do Frei Bernardo de São
Bento. Sua extensão ia da “primeira cerca do Mosteiro ao fim da Rua dos
Quartéis, ao lado do riacho da horta”. Foi aberta em 1615, pelo Abade Frei
Bernardino de Oliveira, no terreno do Mosteiro de São Bento. Com a construção
de quartéis ao pé do morro de São Bento, recebeu o nome de rua dos Quartéis ou
rua dos Quartéis da Armada.
BECO
DOS BARBEIROS – Foi aberta em 1755 quando se
iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Logo ali passaram a
concentrarem-se os negros barbeiros ambulantes que tinham por ofício barbear,
sangrar e cuidar dos dentes. Faziam parte os barbeiros de organizada corporação
que tinha até uma banda de música. Conta Berger (1974) que instavam-se em
barracas nas proximidades do Largo do Palácio e depois juntaram-se no Beco que
recebeu o nome do ofício que desempenhavam. De 1938 a 1946 recebeu a
denominação de Travessa dos Barbeiros. O nome de Travessa Onze de Agosto foi
dado pelo Decreto 845 de 1 de janeiro de 1946, evocativo 1827, quando
instituíam os cursos jurídicos no Brasil. Somente em 1965, na gestão do
Governador Carlos Lacerda, retoma o nome original, que ainda mantém atualmente,
de Beco dos Barbeiros.
LADEIRA
DA MISERICÓRDIA – Começava no Largo da Misericórdia
e terminava na rua do Castelo e Ladeira do Castelo. Foi aberta em início do
século XVII e ligava o Morro do Castelo à planície. Caminho íngreme já existia
no século anterior. O vice-rei Conde da Cunha[5]
abriu a ladeira junto à Igreja da Misericórdia que foi denominada, a princípio,
de Calçada da Sé porque por ali também se chegava a Igreja de São Sebastião. O
nome que o povo adotou e que hoje persiste em pequeno trecho preservado foi
Ladeira da Misericórdia.
RUA
DA VALINHA – Ligação primitiva entre a Rua da
Prainha (atual Praça Mauá) e Rua dos Pescadores (atual rua Camerinos), existia em
terreno do Mosteiro de São Bento. Antigo trecho entre a rua dos Ourives (atual Miguel
Couto) e rua da Imperatriz (atual Camerino) foi chamado Rua da Valinha porque
ali existia uma pequena vala por onde escoavam as águas das chácaras ali
existentes. Veio a ser incorporada à antiga rua da Prainha, que muda de nome em
1903 para lembrar o Tratado de Petrópolisque anexou o Acre.
[1] Nasceu em Salvador, em
1880. Estudou na Faculdade de Medicina da Bahia e concluiu os estudos no Rio de Janeiro, em 1903. Participou de
campanhas de profilaxia da malária e em 1912 realizou viagem científica,
percorrendo diversos estados brasileiros. Em abril de 1914, passa a trabalhar
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi diretor do Museu Nacional do
Rio de Janeiro de 1923 a 1927, e no ano seguinte tornou-se
diretor-superintendente do Instituto Biológico do Estado de São Paulo. Em 1931 foi
nomeado por Vargas interventor federal na Bahia. Criou o Instituto do Cacau. Elegeu-se
deputado federal constituinte na legenda do Partido Social Democrático (PSD) da
Bahia. No ano seguinte renovou o mandato na Câmara e o exerceu até novembro de
1937.Cientista reconhecido internacionalmente, foi membro de entidades
científicas no Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos. Morreu no Rio de
Janeiro em 1943.
[2] Ver FAZENDA, José Vieira.
Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Tomo 86 vol. 140. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1921
[3] GERSON, BRASIL. História
das Ruas do Rio. Coleção Cidade do Rio de Janeiro, nº 9. Rio de Janeiro: Prefeitura
do Distrito Federal/ Secretaria Geral de Educação e Cultura, s/d.
[4] BERGER, Paulo. Dicionário
Histórico das Ruas do Rio de Janeiro (I e II Regiões Administrativas, Centro).
Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Ed. Ltda., 1974
[5] Para saber mais sobre o Vice-
rei Conde da Cunha ver GONÇALVES, Isabela Gomes. A Sombra e a Penumbra: o
vice-reinado do Conde da Cunha e as relações entre o centro e a periferia no
Império Português (1763-1767). Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal Fluminense (UFF), 2010
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