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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Uma ilha cheia de História: a ilha Fiscal



            Será que todos aqueles que passam peça ponte Rio-Niterói e veem a Ilha com um castelo no meio da Baía sabem que ali fica a Ilha Fiscal? Essa ilha foi importante? Por que?





            A ilhota, de cerca de 7.000 metros quadrados, antes conhecida por Ilha dos Ratos[1], teve alterado o nome para Fiscal, a partir do século XIX, com a construção do palacete para instalação da Alfândega, por ordem de D. Pedro II. Essa ponderação da necessidade de criar uma aduana foi levada ao Imperador pelo Conselheiro José Antônio Saraiva, do Ministério da Fazenda, que solicitou um posto alfandegário para o controle das mercadorias a serem importadas e exportadas pelo porto do Rio de Janeiro. A posição da ilha dos Ratos era muito boa para abrigar a Alfândega, face à proximidade dos pontos de fundeio das embarcações e do porto.
            D. Pedro II, entusiasmado pela beleza do lugar e pelos golfinhos, constantes visitantes marítimos da ilhota, decidiu mandar fazer ali uma construção, inspirada em castelos medievais franceses[2], que se destacasse na baía. Às vésperas da república, em 1889, o palacete foi inaugurado ao público[3] com um baile realizado a 9 de novembro, oferecido, pelo Imperador, aos comandantes e oficiais, do encouraçado chileno ali ancorado, como forma de agradecer a hospitalidade aos navios brasileiros no Chile. A construção do palacete da Alfândega foi entregue, pelo governo imperial, ao engenheiro Adolpho del Vecchio, que com a mão-de-obra de portugueses e muitos escravos, levou quase oito anos para finalizá-lo.

Engenheiro Adolpho del Vecchio

            O castelo, com um torreão, foi projetado com um relógio de quatro faces comprado à firma alemã Krussmann, com corda acionada duas vezes por semana. O relógio possuía iluminação interna de modo a ser visível até à noite àqueles que chegavam ao porto e a quem morava nas proximidades, em terra. Para proteção e segurança do prédio durante os temporais, foi instalado, no ápice do torreão, um sistema de para-raios.
             Na construção do palacete destacam-se os trabalhos de cantaria, isto é, das peças entalhadas nas pedras, que vieram do morro do Pasmado, em Botafogo[4] onde funcionava uma Pedreira, cujo proprietário era Antônio Teixeira Rodrigues, Conde de Santa Marinha, responsável por sua execução. Como trabalhos de cantaria destacam-se o brasão do Império, acima da janela da sala do chefe da aduana, que consta ter sido obra de um negro já velho, com dotes artísticos, empregado da Pedreira, o que não tive como confirmar e as peças em pedra que guarnecem a sacada, com rico trabalho de rosas e ogivas e um S vazado da peça.




             A sala do chefe da aduana, no interior do palacete, no segundo andar, guarnecida por vitrais alusivos a D. Pedro II e à monarquia, e pelo uso de piso assoalhado em diversos tipos de madeira brasileira[5], em primoroso e cuidadoso trabalho de marchetaria, trazia a imponência do exterior da edificação ao seu interior. No alto desta sala, dedicada ao recebimento dos capitães dos navios que traziam notas de sua carga para que fossem taxadas e pudessem desembarcar no porto brasileiro, as abóbadas ogivais deixam passar luz ao ambiente, emoldurando vitrais coloridos a fogo e confeccionados de cristal inglês, ricamente trabalhados, mostram o Imperador, entre os brasões genealógicos da Casa Imperial Brasileira e da Casa de Saxônia, e a Princesa Isabel, entre os brasões da Casa Imperial Brasileira e a Casa de Orleans.






            O baile, o último da Monarquia, a seis dias de instauração da República, foi planejado para o recebimento de dois mil convidados na ilha, ainda que tenha recebido cerca de cinco mil, usou para o evento a parte externa e interna da edificação. Os convivas, recebidos por D. Pedro II, D. Teresa Cristina, Princesa Isabel e o Conde D’Eu, chegaram à ilha em embarcações pequenas, ornamentadas com bandeirolas do Brasil e do Chile e pequenas lanternas de estilo veneziano. Duas mesas, em forma de U serviram o jantar para 500 convidados especiais, que comeram Creme à la Riche­lieu, Purée à la Reine, Char­teuse de Per­drix à la Prai­rie, Lan­gue écar­late gelée à l’Anglaise, Grand Pud­ding à la Diplo­mate e Creme au cho­co­lat e aux vio­let­tes, entre outras iguarias, 12 mil sor­ve­tes e 500 pra­tos de doces diversos. Para tal banquete foram consumidos 18 pavões, 18 perús, 300 gali­nhas e 350 fran­gos, 100 lín­guas de vaca, 800 qui­los de cama­rão, mil peças de caça, 1200 latas de espar­gos, 800 latas de tru­faz. Beberam os convidados do baile cerca de 12 mil gar­ra­fas de vinho e 10 mil litros de cer­veja, segundo a pesquisadora Maria Antônia Goés[6].




             Mas a História da ilha é contada, também, pelos estragos feitos durante a revolta da Armada, em1893, que insurgiu membros (inclusive oficiais) da Marinha brasileira, liderados pelos almirantes Custódio de Melo e Luiz Filipe Saldanha da Gama, contra o governo Floriano Peixoto. O confronto bélico destruiu vitrais e paredes do palacete, em virtude da luta de artilharia entre os navios insurgentes e as fortalezas.

 A Revoltada Armada (1893). Óleo sobre tela de A. A. Santos
Acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel



            Em 1997 a ilha foi transformada em museu, aberto ao público. A Marinha brasileira oferece visitas à ilha, através do Espaço Cultural da Marinha, localizado ao lado das barcas, na Praça XV. O passeio pode ser feito por escuna, ou ônibus, de acordo com as disponibilidades, com guia.





[1] É desconhecido pela historiografia o porquê do nome. Seria pelos inúmeros ratos vindos da Ilha das Cobras? Ou pela cor  cinza das pedras da ilha que, ao longe, pareciam ratos?

[2] A obra arquitetônica  foi projetada em estilo gótico-provençal, inspirado nas concepções do arquiteto francês Eugène Emannuel Viollet-le-Duc (1814-1879), ligado à fase da arquitetura que pretendia reviver os séculos anteriores.

[3] Em abril de 1889, o Imperador, acompanhado do Conde D’Eu e do Visconde de Ouro Preto, receberam a obra do engenheiro del Vechio.
[4] O morro do Pasmado, em Botafogo, foi objeto das remoções empreendias nas décadas de 1960/70 e hoje só tem um mirante que se abre para o túnel do mesmo nome, construído em 1947 e terminado em 1952, com 220 metros de extensão em uma só galeria, que liga os bairros de Botafogo e Copacabana.

[5] Foram usadas pela firma Moreira & Carvalho, utilizando a técnica de marchetaria, as seguintes madeiras brasileiras: amendoim, pau-brasil, pau-cetim, peroba-do-campo, tremida, raiz de imbuia e roxinho; jacarandás da Bahia, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Minas Gerais; canela, imbuia, garapa, pau-marfim, peroba-do-campo e sucupira.

[6] Brasil na Hora de Temperar. Sintra, Portugal: Colares Editora,  2008.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ao nosso São Sebastião

Recompensa de São Sebastião.
Tela 133 x 218 com  de Eliseu Visconti, 1898.
Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro



Quando os portugueses escolheram São Sebastião para padroeiro de uma cidade como o Rio de Janeiro, trouxeram nele a imagem do homem, não santo ainda, que  congrega e que, dado por morto, sobrevive. O povo que ele, desde então, abençoa, sente isso, tanto que o Santo, cravado de flechas, é reverenciado pelos devotos da Igreja Católica e das religiões afro-brasileiras, onde recebe o nome de Oxossi, orixá das florestas. E temos uma urbana, meu santo, toda sua!

E este santo é assim como nós cariocas, um sobrevivente. Não precisamos, no entanto, ter sido mandado matar por Dioclesiano[1], ou ter o corpo perfurado por flechas[2], somos sobreviventes da cidade.  Sobrevivente como o santo que depois foi, novamente, mandado matar[3]. Nós também temos essa garra de, encarando a morte, sobreviver. É só percorrer nossa História.

O Rio de Janeiro foi sede da Corte que, fugindo, veio dar nesse costado depois de breve estada na Bahia de Todos os Santos a comer muito acarajé e vatapá. E aqui ficou, após a mudança do regime, da moda das mulheres que encurtou seus vestidos encompridados adequadas a Europa,  mas não a uma cidade quente como o Rio. 

Ah, protegei-nos São Sebastião! Protegei-nos dos homens que nos roubam desde os piratas que assustaram a cidade com seus tiros de canhão (e hoje, de metralhadoras, AK 45, ou que nome pomposo tenham essas armas que não fabricamos, mas as quais somos consumidores contumaz, até pela bala, perdida, que nos mata!).

A cidade, e seus habitantes, meu santo, flanando pelo tempo, a lembrar de seu cronista maior[4], sobreviveu à peste, e outras doenças das que dizimam os viventes mais pobres; sobreviveuà poeira das demolições e aos embelezamentos, por vezes desnecessários;  sobreviveu  ao desmonte de seus morros para que o ar marítimo trouxesse ao solo quente da cidade, que crescia além do Campo da Aclamação,  o frescor; sobreviveu, e continua sobrevivendo,  aos políticos da república, instalados em palácios[5] que mandaram derrubar. 

E hoje, meu santo, na mesma expropriação do que é público, roubam os óculos de Drummond, roubam nossos monumentos, roubam, em arrastão, os banhistas, roubam tudo... até placas de ferro da perimetral demolida (e ninguém viu!). Protegei-nos sempre dessa horda, São Sebastião!

E hoje, viemos agradecer meu São Sebastião, ter tomado conta de nós por 450 anos! Continuamos sobrevivendo, meu santo!

Sobrevivemos aos ônibus sem ar condicionado, e sujos, que nos transportam todo o dia, pelo preço de um rolls roice com motorista.

Sobrevivemos aos trens apertados que se deslocam sem hora certa, sem comodidade, sujeitos a batidas sem motorneiros que espertos, pulam fora antes de colidir o veículo sob trilhos.

Sobrevivemos aos preços surreais que confundem água de coco com água Perrier!

Sobrevivemos à sujeira de nossas praias lindas com areia fina empipocada de garrafas pet sem dono!

Sobrevivemos aos nossos rios que morrem, dentro dos novos calçamentos da cidade, contaminados pela sujeira que, nós mesmos, despejamos neles!

Valei-nos, meu santo!

Não temos mais varíola, malária... mas os bondinhos de Santa Teresa não estão mais lá, a emoldurar os Arcos. Onde estarão? Valei-nos meu santo! 

Nossos jornais tratam de tudo de todo o Brasil, diferente dos tabloides de Bittencout, de Carlos de Laet, que comentavam o nosso dia a dia. Não somos mais a capital do país, espelho da nação, meu santo, mas é aqui o turista continua vindo para conhecer o Brasil.

Continuamos amando essa cidade que tem, desde 1931, um Cristo lindo, de braços abertos, a dividir com você, meu santo padroeiro, a proteção a essa cidade amada e seus habitantes. Foi preciso, São Sebastião! A cidade cresceu, os problemas acompanharam essa vertiginosa curva ascendente de uma população miscigenada, como brasileira que é, de braços fortes e peito aberto, vinda de todos os lugares do mundo. 

Assim, São Sebastião,  valei-nos! Sempre! Agora tem uma forte ajuda! O próprio Cristo!

E obrigada, meu santo, por nos socorrer durante tanto tempo! 

Obrigada por ter nos dado a sobrevivência como meta!

Salve, salve você, São Sebastião, do meu Rio de Janeiro!


[1] Caio Aurélio Valério Diocleciano foi imperador romano de 284 a 305 D. C.
[2] Durante a “Perseguição de Diocleciano” (303-311), a última, maior e mais sangrenta perseguição oficial do cristianismo a ser implementada pelo império romano.
[3] A história do santo aparece nas atas romanas com sua condenação e matírio e nos atos apócrifos de Ambrósio de Milão.
[4] João do Rio (1881- 1921). Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, foi jornalista, cronista da cidade, tradutor e teatrólogo brasileiro. Escreveu: As religiões do Rio. [Paris: Garnier, 1904]; O momento literário. [Paris: Garnier, 1905]; A alma encantadora das ruas. [Paris: Garnier, 1908]; Era uma vez... (em co-autoria com Viriato Correia). [Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909]; Cinematographo: crônicas ariocas. [Porto: Lello & Irmão, 1909]; Fados, canções e danças de Portugal. [Paris: Garnier, 1910];Dentro da noite. [Paris: Garnier, 1910]; A profissão de Jacques Pedreira. [Paris: Garnier, 1911]; Psicologia urbana: O amor carioca; O figurino; O flirt; A delícia de mentir; Discurso de recepção.[ Paris: Garnier, 1911]; Vida vertiginosa. [Paris: Garnier, 1911]; Portugal d'agora. [Paris: Garnier, 1911]; Os dias passam.... [Porto: Lello & Irmão, 1912]; A bela madame Vargas. [Rio de Janeiro: Briguiet, 1912]; Eva [Rio de Janeiro: Villas Boas, 1915]; entre outras obras literárias e crônicas.
[5] Referência ao Palácio da Prefeitura, sede administrativa do Governo do Distrito Federal, mandado derrubar para abertura da avenida Presidente Vargas e ao Palácio Monroe, projetado para ser o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1904, foi desmontado e trazido ao Brasil [era feito em estrutura de ferro] para sediar a 3ª Conferência Pan-americana. De 1914 a 1922 foi sede da Câmara dos Deputados. Em 1922 passa a abrigar o Senado Federal. Em campanha de O Globo e de Lúcio Costa,  foi pedida a demolição do Palácio Monroe, sob alegações estéticas e de atrapalhar a visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Foi demolido em 1975. Era uma construção do arquiteto e engenheiro militar, Coronel Francisco Marcelino de Sousa Aguiar. De acordo jornal Diário de Notícias de 4/01/1976 p.9, a demolição foi orçada em Cr$ 191.108,00. Na edição de 7/01/1976, p.9, o jornal anunciou que os quatro leões de mármore de Carrara que adornavam o palácio haviam sido vendidos para o diretor de uma financeira. Valei-nos! A firma contratada para a demolição afirmava, tambéml, que pretendia faturar o máximo com a venda de objetos de arte e material aproveitável do palácio, de forma a recuperar os 200 mil cruzeiros investidos. Os anjos de bronze que adornavam a cúpula foram orçados em Cr$ 15 mil cada, os vitrôs, de valor histórico, não foram orçados. Sumiram!!! Na edição de 11/01/1976, capa, apurava-se que apenas com a venda de 3 mil toneladas de ferro foi possível arrecadar 9 milhões de cruzeiros. Será??? Alguma semelhança com o que já conhece? Filme antigo a passar repetidas vezes nessa cidade. Atenção: Pode ver, mudam os atores...Valei-nos, meu santo!