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sábado, 31 de março de 2012

Uma mulher do século XX




Dia 12 de abril, às 18 horas, no Palácio Pedro Ernesto, a Professora Drª Lia Faria receberá, das mãos do Vereador Leonel Brizola Neto, a medalha Pedro Ernesto, pelo reconhecimento das atividades realizadas, pela homenageada, na área de Educação.
Não é o primeiro reconhecimento do trabalho de Lia, sequer sua primeira medalha: em  2003, recebeu a Menção Honrosa da Faculdade da Região dos Lagos; a Medalha Tiradentes, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; em 2001, a     Moção de Aplausos e Congratulações do  Centro de Apoio à Mulher , do Grupo de Integração Social de Trajano de Moraes; em 2000, Moção de Aplausos e Agradecimento,  da Câmara Municipal de Natividade, RJ; a Moção de Congratulações, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; a Medalha Mérito Dom João VI,  da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro; o título de      Cidadão Honorário,  da Câmara Municipal de Bom Jardim, RJ; a Medalha de Honra ao Mérito - Dia das Mães,  da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.; o Título de Cidadania Bom-Jardinense,  da Câmara Municipal de Bom Jardim; a Indicação para a composição da Câmara Nacional de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, UNDIME / Conselho Estadual de Educação; o Título de Personalidade Educacional 2000, da Associação Brasileira de Educação, da Associação Brasileira de Imprensa e da Folha Dirigida; o Grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito Policial Militar, Governo do Estado do Rio de Janeiro; em 1999, a Moção de Parabéns, da  Câmara Municipal de Porciúncula, RJ;  a            Moção de Congratulações e Aplausos, Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro; o Prêmio Cidadania, da Associação Beneficente Rio Criança Cidadã – ABRCC; a Moção de Agradecimento,  da Câmara Municipal de Porciúncula; o Prêmio de Mulher Destaque, PDT - Movimento Estadual de Mulheres – RJ; a      Medalha Mérito Avante Bombeiro, Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro; em 1998, a Medalha Legislativa Municipal do Mérito Dr. José Clemente Pereira, da Câmara Municipal de Niterói; o Título de Honra ao Mérito, da  G.R.E.S. Mocidade Unida de Jacarepaguá; o Título de Conselheira Honorária,  do Conselho Municipal de Educação de Niterói; a Homenagem pelo Dia da Mulher Brasileira,  da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro; em 1997, o Título de Cidadã Friburguense,  da Câmara Municipal de Nova Friburgo; o Voto de Louvor,  da Câmara Municipal de Nova Friburgo, RJ; a Moção de Apoio, Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro; em 1996, o Diploma de Agradecimento,  da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra; a Moção de Congratulações, da Câmara Municipal de Niterói; em 1994, a Moção de Aplausos e Congratulações, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; em 1991, o Prêmio de Publicação,  do XI Concurso Raymundo Correa de Poesia; a Moção de Aplausos, da Câmara Municipal de Niterói; o Título de Delegada da União Internacional Socialista de Educação,  da União Internacional Socialista de Educação; em 1990, a Homenagem pelos relevantes serviços prestados,  da Prefeitura Municipal de Volta Redonda; em 1986, o Título de Cidadã Gonçalense,  da Câmara Municipal de São Gonçalo; em 1985, a Moção de Aplausos, da Câmara Municipal de São Gonçalo.
Todos as homenagens fizeram jus a educadora, a política, a mãe, a esposa Lia. Queria conversar sobre outra Lia. A Lia mulher do século XX.
Ao defender minha dissertação de Mestrado tive a honra de tê-la, e conhecê-la, como parte de minha banca de avaliação. Recebi dela um livro, sobre seus estudos sobre a mulher, prefaciado pelo saudoso antropólogo brasileiro, Darcy Ribeiro, com quem ela trabalhou 16 anos. Este prefácio, impregnado da Lia mulher, o que se complementa na sua narrativa, invoca memórias que, por coletivas, são também minhas e daí minha imediata identificação.
Lia não é, decididamente uma mulher comum. Não por ser culta. Não por ser muito simples. Não por ter um discurso coerente que envolve a plateia, sem que esta se aperceba pelas muitas identificações que provoca, exatamente como sua narrativa escrita fez comigo.
A pessoa de Lia é, por ela mesma, uma fuga dos estereótipos das representações  dos cargos que assumiu ao longo de sua vida. Lembro que, no aeroporto de Vitória, junto com Roberto, o amor que escolheu para amar junto e partilhar a vida, ela pegou de minhas mãos uma pesada sacola de livros que eu, ali numa cadeira de rodas, cismava em trazer para o Rio. Ali, era a Diretora da Faculdade de Educação da UERJ, a carregar os livros que a aluna do Mestrado comprara no Congresso. Outra: todas as quintas-feiras, senta-se, numa sala de aula, Lia, junto aos alunos do Mestrado e Doutorado da UERJ, inclusive  de sua próprias orientandas, a aprender, como nós, com o Professor Dr. Joaquim Pintassilgo, da Universidade de Lisboa (atualmente professor visitante da UERJ), sobre a formação docente portuguesa. É a Lia aluna que lembra a hora do café, que troca experiências com os demais alunos e, até encara, com a alegria, as brincadeiras que todos, inclusive ela mesma, fazem.
Tudo isso não foi para dizer que Lia é merecedora da Medalha Pedro Ernesto porque tem dedicado sua vida à Educação. Foi para instigar você, que não conhece Lia Faria, mas está no centro da cidade no dia 12 de abril, a ouvir e conhecer uma mulher do século XX, que encarou a vida, como todas as demais de seu tempo, para dar a mulher a posição, no tecido social, que hoje ocupa.
Por que foi assim o movimento feminista no Brasil. Não teve ato fundador, até porque  mulheres educadoras protestavam e se posicionavam, no início do oitocentos. Não foi a mulher a ou b, porque viajou – porque tinha condições de fazê-lo – para outros países para lutar, melhor dizendo discursar, sobre a emancipação feminina. Mas, esta história é outra, que estudo e gosto de discutir... Quero falar sobre Lia.
Tudo isso é para instigar a ver e ouvir uma mulher, educadora, política, simples, alegre. Venha ouvir e ver Lia Faria, o exemplo de uma mulher do século XX.
Ah, para não perder o caminho da História, bonito ver o neto de Brizola entregar a Lia Faria, uma mulher do PDT( criado bravamente pelo avô), a Medalha Pedro Ernesto[1], a mais importante comenda do município do Rio de Janeiro (criada em 1980), concedida pela Câmara Municipal, após aprovação em Plenário, às personalidades que mais se destacaram na sociedade brasileira em suas respectivas áreas de atuação!



[1] Pedro Ernesto Baptista foi um político brasileiro, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por dois períodos, entre 30 de setembro de 1931 e 2 de outubro de 1934 e entre 7 de abril de 1935 e 4 de abril de 1936.Considerado um dos maiores benfeitores das Escolas de Samba.Chegou a ser cotado para a Presidência da República, antes de ser preso, sob acusação de ser comunista. A Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro instituiu uma medalha com seu nome. Também levam o nome do prefeito o hospital universitário da UERJ e uma rua, no bairro carioca da Gamboa. Em 2009, sua memória foi lembrada no desfile da Escola de Samba Unidos de Cosmos.

sábado, 24 de março de 2012

Centro de Memória Institucional: descoberta de novas fontes nos arquivos escolares do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro


 
Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]
CEMI/ISERJ


Resumo
Identificar novas fontes para o estudo historiográfico da cultura escolar no conjunto arquivístico do Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro é o objetivo deste artigo. A investigação parte da premissa que artefatos de memória de qualquer suporte, inclusive os de significado simbólico, são passíveis de contar uma história e revisitar a memória. Assim, a preservação e acessibilidade do acervo documental existente no CEMI, é uma possibilidade concreta de encontro de fontes, ainda não utilizadas por pesquisadores, para narrativas e resignificações da memória. Tal acervo percorre a história da instituição que já foi Escola Normal da Corte (1880-1889), Escola Normal do Distrito Federal (1890-1932), Instituto de Educação (1932-1960), sede da Universidade do Distrito Federal (1935-1939), Instituto de Educação do Estado da Guanabara (1960-1975), Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1975-1997) e hoje é designado Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1997-...). Estas fontes têm permitido o estudo acadêmico de inúmeros pesquisadores, sob óticas diferenciadas, de novas descobertas historiográficas.

Palavras-chave: Centro de Memória Institucional (CEMI); cultura escolar; fontes historiográficas.


Registros humanos

Recorrer ao registro da vida faz parte do hábito humano para organizar melhor o dia a dia, ou enfatizar um evento importante para si, ou a comunidade, sem a preocupação de perenizá-lo. Por isso antropólogos encontram, nas pinturas parietais rupestres, os hábitos cotidianos de caça e pesca dos primeiros homo sapiens. Também na Antiguidade era costume gravar nas paredes dos túmulos dos faraós cenas que imortalizassem seus feitos, e outras que lembrassem o período cotidiano de suas vidas. O registro humano, no entanto,  depende da interpretação que dele faz o investigador porque este registro não tem só um sentido, razão pela qual precisa estar acompanhado de outros registros (textuais, magnéticos, imagéticos,etc.) que complementem ou permitam a narrativa historiográfica.
O hábito do registro através da escritura surge após a dominação da escrita pelo homem, e permanece até nosso tempo, de forma despreocupada, quando anotamos um lembrete, quando deixamos um bilhete para alguém no trabalho e quando usamos a agenda para não esquecer os compromissos e assinalar o que não podemos esquecer. Esses papéis, se guardados, intencionalmente ou não, carregam a memória do que aconteceu. No tempo em que as cartas eram um eficiente meio de comunicação entre pessoas distantes, elas foram objetos de investigação de muitos pesquisadores que deram divulgação à escrita íntima e desta forma, invadiram um pouco, ou muito, o espaço particular daquele que escrevia para interpretar, ou revisitar o momento da escritura.
Há, no entanto, escrituras que, intencionalmente, forjam a memória de alguém ou de algo, perpetuando, com este registro, aquilo que se acreditava devesse ser lembrado, ou melhor, que não pudesse ser esquecido. Pollack (1992) explica que o ato de preservação da lembrança não é espontâneo ou inconsciente, mas deliberado para servir a alguém ou um grupo com um fim determinado. É assim, por exemplo, quando um determinado escrito, ou imagem, estabelece uma memória. Tal estratégia foi usada pelo regime republicano ao fazer fotografar o movimento de 15 de novembro, cinco anos depois do acontecimento, para que a memória da foto, e posteriormente da pintura, perenizasse o evento.
 Vi um documento deste tipo no CEMI. Um livro designado Ata de Inauguração, confeccionada por Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Ali, abaixo de um pequeno texto que descreve, pelo olhar de Benjamin,  a inauguração da Escola Normal da Corte, há, depois de um espaço vazio, assinaturas dos que teriam presenciado o ato. No alto da página, à direita, a assinatura Benjamin Constant, ratifica o texto. Na abertura do livro a explicação que aquele era o livro de criação da Escola Normal da Corte referendada, também, pela assinatura deste ex-diretor. Esse livro foi citado por Francisco Venâncio Filho em 1945, como Ata de Inauguração. O documento esteve por muito tempo desaparecido nos 38 mil metros quadrados do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, até que, depois de muita procura, foi encontrado na Secretaria Geral. Ao tê-lo às mãos e lê-lo, imediatamente considerei ter sido encontrado um item de suporte textual de memória valioso: a inauguração da Escola Normal da Corte. Como sempre faço instigada pela pesquisa, comecei a procurar quem seriam os convidados que assinaram a ata. Achei-os todos no Livro da Porta[2]: eram alunos da Escola Normal. Por outro lado, a data mencionada como do evento, era 5 de abril. No Relatório Ministerial do Império, do acervo textual do Arquivo Nacional brasileiro, com um anexo “Dos Sucessos mais Notáveis do ano de 1880”, relatado por Carlos Maximiliano Pimenta de Laet, a data do evento era de 6 de abril. Percebi então que a Ata de inauguração era uma memória de Benjamin Constant para a posteridade, lembrando o que ele desejava fosse lembrado: a inauguração da Escola Normal da Corte, no dia 5 de abril com a presença dele associada ao evento. [3]No mesmo livro, colado com durex, um convite para a inauguração do prédio da Rua Mariz e Barros, em 1930, que nunca foi concretizado, porque uma administração saia e uma revolução estava em curso. Também aí uma memória construída, por um grupo de indivíduos, para ser lembrada na posteridade.
As novas fontes encontradas nos arquivos escolares têm sido objeto de investigação de pesquisadores (SOUZA e VALDEMARIM, 2005; MOGARRO, 2006; MOGARRO e MARTINS, 2010; NUNES, 1992; NUNES e CARVALHO, 1993) desde os Analles, na década de 1990, porque estimulam o olhar diferenciado do pesquisador sobre o indivíduo e suas ações no contexto escolar que o cerca. As novas fontes reveladas nestes acervos possibilitam, assim, um mais amplo estudo das instituições educacionais que as originaram, especialmente nas relações cotidianas que ali se estabeleceram, e que formaram, com a participação individual e coletiva de cada sujeito, a cultura escolar.
           
As fontes do CEMI
Nacemos, como advirtió el poeta Rainer María Rilke, en un mundo interpretado, pero tenemos al tiempo necesidad de liberarnos de los corsés con que se nos quiere hacer inteligible, y en consecuencia hemos de construir con nuestro esfuerzo, personal o compartido, una nueva lectura de las cosas, de las palabras y de nosotros mismos. (BENITO, 2011, p.12)

Ao começar a manusear os documentos que compuseram o Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (CEMI) [4] para separá-los e catalogá-los, vi a possibilidade de conhecer um pouco da história institucional, contida em documentos ordinários, guardados por muito tempo, amarelecidos e precariamente conservados, que o ISERJ parecia desconhecer. Assim, a reunião e leitura destes papéis possibilitaram [desvelar] segredos, [rever] emoções, [conhecer] sonhos, expectativas, projetos, costumes e práticas (MIGNOT, 2003, p.5).
Até a criação do CEMI, a instituição mantinha os documentos de seu acervo misturados, portanto inacessíveis em sua quase totalidade e, por conseqüência, desconhecidos. Por outro lado, grande parte deste acervo também esteve “escondida”, por funcionários do educandário, das investidas de diferentes administrações institucionais que determinaram o fim de tantos papéis e livros antigos. A pesquisa da história institucional até 2006, por tudo isso, foi feita de forma bastante difícil, o que não permitia que, mesmo trabalhando na escola, se pudesse conhecer grande parte dos documentos do acervo escolar. Por isso usou-se para pesquisas anteriores, principalmente o que estava disponível nos demais lugares de memória[5], e pouca informação, apenas o que se conseguia encontrar, do acervo escolar. Também a acessibilidade dos pesquisadores aos arquivos dependia de processos administrativos burocratizados no trâmite institucional cujo resultado, normalmente pronunciado por um burocrata, nem sempre atendia aos prazos da pesquisa, o que afastava, ainda mais, o pesquisador das importantes e riquíssimas fontes de uma centenária instituição pública de formação de professores.
            O trabalho com os arquivos do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ex-Escola Normal da Corte, ex- Escola Normal da Capital Federal, ex- Escola Normal do Distrito Federal, ex- Instituto de Educação, ex- Instituto de Educação do Estado da Guanabara, ex- Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro e sede e parte, através da Escola de Professores, da UDF[6]) possibilitam uma fértil pesquisa com uma diversidade de fontes, em diferentes suportes, sobre a formação de professores e a cultura escolar institucional em mais de cento e trinta anos.
Através da vidraria encontrada no Laboratório de Física e encaminhada ao CEMI, do inventário deste Laboratório e dos ofícios do Diretor do período, fontes de suportes distintos, pude verificar que o Ministro de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, em 1890, mobilizou imensos recursos financeiros e materiais da República, após alguns meses de implantação deste regime, para criar na Escola Normal os gabinetes de Física e Química, símbolo da modernidade que o regime republicano desejava alcançar.(SANTOS, 2009ª )
Este diálogo entre suportes é comum  e necessário para fugir ao que Foucault (1994, p.148) chamou de escrita disciplinar porque se atem à moldura de seu suporte sem possibilidade de integrar-se com os demais artefatos e suportes existentes. O que no CEMI é facilitado pelo fato de documentos textuais estarem lado a lado com artefatos do Museu de Instrumentos e Equipamentos Escolares e do Museu de História Natural.
Pelo Livro da Porta, como era designado o registro de matrículas, soube que o primeiro aluno a matricular-se em 1880 na Escola Normal da Corte era um rapaz e não uma moça. Da mesma forma verifiquei que o número de alunos do sexo masculino foi maior do que o feminino nos primeiros anos da Escola Normal da Corte e que tal situação vai se modificando, especialmente, após a república. Descobertas que modificam hipóteses divulgadas de feminização deste curso de formação desde o seu início, e que somente vai fazer parte da História institucional a partir do início  do século XX, com a profissionalização e feminização do magistério primário.
Pelas Atas da Congregação foi possível verificar os embates dos professores intelectuais que a compunham, com a Direção da Instrução Pública em busca permanente de sua legitimação, assim como a retórica, como estratégia destes intelectuais, para defender seus pontos de vista. (ibid, 2009b)
Através de um livro de registros cotidianos da Escola Primária do Instituto de Educação (um cotidiário[7]), foi conhecido e divulgado pela historiografia que a implantação do ideário escolanovista foi difícil: faltavam professores na Escola Primária, os professores que existiam não eram assíduos, e a direção da escola se manifestava, preocupada, por ser aquela a escola de aplicação de conhecimentos teóricos e modelo do ensino escolanovista, cobrando da Direção do professor Lourenço Filho as providências necessárias, através da escritura diária informal deste livro de registros. (BRAGA, 2008)
Pelo Livro de Exames de Práticas Escolares, foi possível saber que a banca destes exames incluía as diretoras das escolas modelo onde era realizado o evento, assim como professores convidados. Também se percebe que o Pedagogium participava, não só cedendo espaço físico, como encaminhando representantes e compondo  bancas. Dentre as bancas ali listadas nos diversos exames de 1902 a 1908, aparecem, dentre outros, Menezes Vieira, Manuel Bonfim e Olavo Bilac.
As hermas, fontes iconográficas, ainda hoje dispostas no espaço físico do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, permitem saber quem as doou se confrontadas ao suporte textual do Livro de Ofícios do Diretor, de 1934, que engloba os ofícios da gestão do professor Manuel Begström Lourenço Filho. É o caso da herma do Padre José de Anchieta, doada pela Associação de Ex-Alunos, em 1934, por ser o homenageado patrono do magistério. Somente o pedestal foi ali construído pela Prefeitura, conforme o pedido do Diretor, em ofício. [8] Também a herma de Benjamin Constant, primeiro diretor da Escola Normal da Corte, foi instalada em comemoração ao centenário de nascimento daquela direção, conforme o Livro de Ofícios de 1936.
Outra fonte rica de informações pouco utilizadas pela historiografia, até pelo seu habitual descarte, são os cadernos escolares, que recebemos da família da ex-aluna Darcy Motta. São  cadernos de diferentes disciplinas com trabalhos[9] feitos pela aluna entre 1934 e 1939, que possibilitaram descobrir que a disciplina Trabalhos de Agulha, da grade curricular desde a Escola Normal da Corte, ainda era ministrada em 1935, mesmo não constando do currículo escolanovista e fosse encarada, a partir da década de 1930 quando o movimento feminista eclode, um trabalho afeito à cultura de submissão da mulher, com o que concordavam os próceres deste movimento no Brasil. (SANTOS, 2011 a)

Exposição Permanente
Fonte: Acervo pessoal. CEMI. Móveis escolares. 
(Década 1930, as cadeiras foram compradas para a UDF)


As provas escolares, outra fonte raramente encontrada nos acervos escolares, escritas a lápis e corrigidas com lápis de colorir vermelho, do acervo Maria José de Brito,  doadas pela família da ex-aluna do Instituto de Educação, em 1940, permitem ver a 2ª guerra mundial de forma idílica, porque a redação deste tema expressa sentimentos de quem houve falar dela, mas não a conhece. Completamente diferente dos tempos de hoje onde cada investida bélica cada morte, cada lar destruído, entra, pela TV em nossas casas, em tempo real. No entanto, o retrato da 2ª Grande Guerra Mundial, expressiva daquela época, e pouco acessível às normalistas, ficou nas provas de Português de Maria José.
Pelos livros, quando os colocamos junto a outros textos, estabelecendo um profícuo diálogo, podemos imaginar, aula a aula, do programa do Professor-mestre da Cadeira de Música, Miguel Cardoso, da Escola Normal da Corte, em 1880; não só pela obra, mas também pelo planejamento[10] deste professor. Cada solfejo, cada clave, cada nota, traz, nas páginas amarelecidas do volume, as aulas dele na Escola Normal, situada, então na Escola Politécnica, no Largo de São Francisco.
 Assim, como quando associamos ao livro de Francisco Venâncio Filho (1945) às “cabecinhas” que tanto encantam quem visita o CEMI. As “cabecinhas”, provavelmente as mesmas compradas pela Direção da Instrução Pública para as escolas de 2º Grau como modelos em gesso de León Chedeville, foram usadas também, como mostra a figura no livro de Venâncio Filho, na sala de Sociologia da Escola de Professores em 1934.(ibid, 2011e)

Fonte: CEMI Cabeças de gesso com modelos de diversas etnias (acervo pessoal)


Pelas plantas de hidráulica, de eletricidade, arquitetônicas, pelos projetos de construção da escola, desde 1927, quando o terreno foi comprado,[11] estão registradas cada pequena reforma por que passou o prédio da Rua Mariz e Barros, 273. Estas plantas, em 2004, iam encher uma caçamba de lixo. Fui eu mesma quem as escondeu. Elas permitem ver os espaços que a escola ocupava, assim como a metodologia usada: havia gabinetes para as disciplinas. No pátio há previsão de uma quadra de tênis, assim como a planta da casa do zelador, com três quartos e 100 m 2 de construção.
Pelas imagens de inúmeros retratos podemos observar as atividades feitas pelas crianças usando metodologia  Froebel, durante o período escolanovista. (década 1940). Tais imagens estiveram escondidas, para sua preservação e impossibilidade de descarte, no forro do telhado da Pré-Escola, agora Educação Infantil, e foram encaminhadas à guarda do CEMI em 2006, pelas professoras deste segmento do ensino.
As terceiras vias das Notas Fiscais, da Escola Normal da Corte permitem não só conhecer os estabelecimentos com que a Escola se relacionava comercialmente, como os objetos que comprava para atividades rotineiras. Indicam, também, os livros que a instituição mandara importar; o tipo de material comprado (como os armários da empresa O Encharcado que vendeu os armários mostruários que ainda hoje temos) e o que existia à época de material didático. Também os reparos e consertos, geralmente efetuados pelo dono da empresa, tornam-se conhecidos pelas notas fiscais. Um piano, por exemplo, foi consertado em 31 de dezembro, o que hoje, certamente, não  seria um dia  apropriado para este conserto. Sabe-se, por estas notas fiscais, que a maioria dos livros usados na Escola Normal da Corte era importada da França através de lojas especializadas no Rio de Janeiro e em Paris. (ibid, 2008b)
As pranchas parietais da Maison Deyrolle não só comprovam que a Escola Normal do Distrito Federal recebeu o espólio do Pedagogium (SANTOS, 2011b) como identificam o método intuitivo usado como metodologia deste ensino: o aprender através dos sentidos. Várias pranchas mostram, para ver, apalpar e até cheirar, itens de estudo da História Natural. Outras pranchas, com a procedência da Maison, trazem por subtítulo  Musées Scolaire Èmile Deyrolle, ou Les Fils Èmile Deyrolle ou, ainda, Etablissements Deyrolle. Estas pranchas estavam cobrindo um armário sem vidro no Laboratório de Ciências e foram encaminhadas, como descarte, ao CEMI.
Outra nova fonte, instigadora de muitas questões, foi uma placa de madeira, coberta por um retângulo de prata cortado diagonalmente por uma pena de escrever dourada, ainda com alguns vestígios da pena, já desgastada e sem cor, no final do instrumento de escrita. A inscrição disposta no retângulo de placa foi endereçada ao Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, em 15 de janeiro de 1891, parabenizando-o pela criação do Pedagogium. Assinava Menezes Vieira, diretor do Pedagogium. Por que uma placa para Benjamin Constant estaria na Escola Normal em 1891? (ibid, 2011e). Esta placa foi encontrada em espaço institucional pela Direção Geral. Pude  fotografá-la em 2008, o que me possibilitou responder algumas questões sobre o espólio do Pedagogium, não consta do acervo do CEMI.
Cada fonte instiga o pesquisador, como eu mesma fiz, a pesquisar outras. De suportes diferentes, ou do mesmo suporte, que permita descortinar um pouco mais da cultura escolar do, hoje, Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Estas fontes podem estar no CEMI e/ou completar-se, com outras, de outros lugares de memória. Foi assim quando investiguei os ofícios minuciosos de Luiz Carlos da Silva Nazareth, Diretor Vitalício da Escola Normal do Distrito Federal, em 1897. Recorri a Relatórios da Instrução Pública, disponíveis on line pela Universidade de Chicago (os originais constam do acervo do Arquivo Nacional brasileiro) e ao NUDOM (Núcleo de Documentação) do Colégio Pedro II, para complementar a escrita de si que Nazareth fizera nos ofícios que expediu. (ibid, 2008b)
Do mesmo modo, nos diferentes periódicos dos alunos do Instituto de Educação (Tangará, Estrela Azul, Instituto, etc.) pode-se acompanhar o pensamento da juventude que ocupava os bancos escolares do Instituto de Educação. As futuras professoras do Distrito Federal e do Estado da Guanabara contavam seus sonhos e anteviam seu dourado futuro (SILVA, 2009). São esperanças, aspirações, decepções, interesses, que definem não só uma temporalidade mas também a idade de quem ali escreveu para muitos lerem, em um tempo bem anterior ao que MacLuhan chamou de “fama dos quinze minutos”[12] . Também periódicos institucionais foram visitados, respondendo a instigações de pesquisas diversas, ou apenas como depositários da memória escolar, através das análises realizadas, para conhecer as atividades que a escola desenvolveu e o posicionamento de professores sobre assuntos variados (LOPES, 2008).
            A UDF foi pesquisada através dos inúmeros documentos encontrados no CEMI possibilitando saber seus reitores e a ordem em que dirigiram a instituição, assim como a troca de correspondência entre professores europeus e a reitoria para a realização de cursos no Brasil. (LOPES, 2007)[13]
            As fichas funcionais, encaminhadas ao CEMI pelo Departamento de Pessoal do Instituto Superior de  Educação do Rio de Janeiro, permitiram conhecer, funcional e biograficamente, professores que estavam sendo pesquisados. Fizeram parte de pesquisas, como fontes, as fichas dentre outros de: Euclides Roxo (DASSIE, 2008), Delgado de Carvalho (COELHO, 2007), Anísio Teixeira, Ignácio Azevedo do Amaral, Afrânio Peixoto, Vicente Tapajós, Edgard Sussekind de Mendonça, Raul Moreira Lellis, Janetta Budin, Eneias Martins de Barros, Mário da Veiga Cabral, Padre Álvaro Negromonte, Lourenço Filho, Heloisa Marinho, Orminda Isabel Marques (BRAGA, 2008) e Alfredo Balthazar da Silveira.[14]

Conclusão
Acudiendo a la memoria percibimos la historicidad de nuestra existencia y de la vida colectiva y ponemos en valor la escuela como elemento constitutivo de esta memoria que es cultura, y como tal, patrimonio comunitario a preservar y difundir. La educación patrimonial es una nueva dimensión de la formación para la ciudadanía en toda democracia avanzada, un nuevo vector de ilustración y modernidad. (BENITO, 2011, p.29)

             Um acervo escolar precisa ser acessível  e disponibilizado a todos que por ele se  interessem, porque, como explica Benito (2011), a escola faz parte da cultura que forja nossa identidade­. Cada escritura, imagem, ou artefato, conta uma história ou ainda, complementa a história, de uma cultura vivenciada por um grupo de indivíduos, coletiva ou individualmente, dentro da escola. Burocratizar o acesso, sonegar as informações é, de certo modo encobrir a história da educação brasileira. É impossibilitar o acesso à cultura, é privar o indivíduo de um aspecto identitário que a escola formou.
            O acervo do CEMI tem possibilitado, desde 2005, consulta a fontes pouco visitadas e certamente, enriquecedoras das investigações, assim, inúmeras instituições acadêmicas ou não, tem se beneficiado deste acesso: UERJ, ISERJ, UFRJ, PUC, USP, University of Texas (Austin, Texas, EUA), Universidade do Porto (Porto, Portugal), UNICAMP, UFF, IMPA,  UESC, Fundação Joaquim Nabuco, TV Globo, entre outras.
             Quando o CEMI foi aberto vi, com prazer, muitas fontes textuais e iconográficas voltarem á escola: muitos objetos, fotos, papéis, livros, que tinham sido “escondidos” durante muito tempo por funcionários cuidadosos. Era o material constante das caçambas de lixo que ressurgia, trazidos por funcionários e professores. Recebi, assim, vitrola, discos, retratos (caixas e caixas), slides de vidro (inúmeros), livros, cartas, vidrarias, trabalhos de aluno, pranchas parietais...
Enfim a memória retornava trazida pelas mãos de quem acreditava que cada item daquele era precioso. Mas há, ainda, quem acredite, na comunidade escolar de hoje, que artefatos são apenas objetos e desta forma os descartam, ou os retém, impedindo a consulta às fontes. Acreditamos, no entanto, que esse pensamento, com o tempo tem sido desfeito, possibilitando ao CEMI novos artefatos e ao Instituto Superior de Educação dó Rio de Janeiro a preservação de sua cultura escolar e de sua identidade.
            O CEMI recebeu, também, de famílias de ex-normalistas, a memória mantida durante anos revelando relações de afetividade entre a escola e um de seus segmentos partícipes. Assim, da família da professora Orminda Isabel Marques, veio uma coleção, que leva o nome desta ex-normalista, composta de retratos, livro “boneca” com correções de Lourenço Filho, livro de autoria de Orminda, trabalhos, vários, de suas alunas na década de 1930. Como também chegaram ao CEMI inúmeras fotos de ex-normalistas, de diferentes épocas, através de uma parceria com o blog de uma ex-normalista do Instituto de Educação, o Amigas para Sempre.
            Mas o descarte intencional ainda ocorre, há também artefatos que “desaparecem”, talvez retirados por quem sabe o valor do que tem em mãos. Outros que, face à condição precária de seu suporte, degradam-se, viram pó. Ainda não existe, infelizmente no Brasil, uma política de descarte que preserve os acervos das escolas.
            Ter um acervo público tão precioso quanto o que está no CEMI é uma responsabilidade institucional, porque implica em restaurar, preservar, dar espaço, acessibilizar. É preciso que outros lugares de memória sejam abertos nas escolas para que a historiografia possa partilhar fontes ainda desconhecidas.        
Há muito a fazer para disponibilizar essas novas fontes para pesquisas historiográficas. Há pouco tempo e praticamente nenhum dinheiro para “salvar” as novas fontes que cada acervo escolar pode apresentar. Que as pessoas que se importam, de cada instituição escolar, preservem, do melhor modo possível, o acervo de sua instituição e o exponha, acessível, a todos que se interessem, e sobre ele escrevam, para academicamente, dar ciência dos seus achados. É o que no CEMI estamos tentando fazer desde 2005.

Referências
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 Este artigo foi apresentado à Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC) como parte escrita de palestra organizada pelo CEMEF (Centro de Memória da Faetec), no Rio de Janeiro, 2011.






[1] Pedagoga aposentada da  Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC). Criou e coordenou até janeiro de 2012, o Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). Doutoranda em Educação (linha Instituições, Práticas Educativas e História) na UERJ. Mestre em Educação (linha Instituições, Práticas Educativas e História)  pela UERJ. Graduada em História e Pedagogia pela UERJ.
[2] O Livro da Porta era o livro de matrículas. Ele marca a data de matrícula e a série, seguidos do nome do aluno.
[3] A Escola Normal da Corte passa a existir pelo Decreto 7.684, de 6 de março de  1880 que, de conformidade com o Art. 9 do Decreto 7.247, de  19 de abril de 1879, cria uma Escola Normal de instrução primária para professores e professoras, vinculada ao Ministério dos Negócios do Império. A Escola é inaugurada, formalmente, em 5 de abril de 1880, em uma sala do externato do Imperial Colégio de Pedro II, com a presença de Sua Majestade o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, D. Pedro II, Sua Majestade a Imperatriz, o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro Barão Homem de Mello, o Bacharel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, diretor interino da Escola Normal e outros convidados. (Ata de Inauguração de Benjamin Constant)
[4] Criado  no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), em 9 de dezembro de 2005, para reunir, catalogar e difundir a memória institucional.
[5] Empregamos a expressão lugares de memória no sentido de Pierre Nora (1993). Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais (...). Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arrancados do movimento de história, mas que lhe são devolvidos (...) (p. 13)
[6] A Universidade do Distrito Federal, UDF, (1935-1939)  foi criada  numa época em que o Rio de Janeiro era o Distrito Federal, capital do Brasil. Anísio Teixeira, então Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, foi seu idealizador. A UDF caracterizou-se por sua proposta inovadora de formação de professores em nível superior e pelo fato de não possuir as faculdades tradicionais - Direito, Engenharia e Medicina -, e sim um curso de Educação, denominado Escola de Professores, que pela primeira vez dotou o magistério de formação específica em nível superior. Entretanto, essa proposta universitária colidiu com os propósitos do governo federal, e em 1939,  a UDF foi fechada e incorporada à Universidade do Brasil. A sede da UDF esteve instalada no prédio do Instituto de Educação, à Rua Mariz e Barros 273, onde funcionaram alguns cursos, razão pela qual grande parte do acervo desta instituição encontra-se no ISERJ (CEMI) e outra parte, dos cursos que não funcionavam no Instituto, na UFRJ (PROEDES).
[7] Livro ou caderno que cotidianamente é empregado para lembretes, avisos e comunicações extra-oficiais, que usam a informalidade como outro tipo de escritura funcional.
[8] Pesquisa realizada pela Professora Marlúcia Neri e pela bibliotecária Mônica Ladeira, ambas trabalhando no CEMI.
[9] Os trabalhos da aula, presos em um caderno, eram uma camisinha de pagão em tecido de algodão, uma bolsa - parece que de macramê-  e um molde, também, de casinha de pagão de bebê.
[10] Livro de Programas das Cadeiras da Escola Normal da Corte.
[11] Conforme escritura do Registro de compra da freguesia do Engenho Velho.
[12] MACLUHAN, 1969.
[13] O início de uma catalogação do acervo da UDF foi realizada, em 2007, com vários professores do Curso Normal Superior do ISERJ, coordenados pelo prof.Dr. Bruno Alves Dassie. Hoje o acervo encontra-se disperso dentre os demais documentos textuais.
[14] Conforme Livro de Visitas do CEMI

sábado, 17 de março de 2012

O Centro Comercial do Rio de Janeiro no século XVIII, na visão de Aureliano Restier Gonçalves

Litoral da Rua da Alfândega, 1877 (AGCRJ)





Pesquisando sobre a cidade do Rio de Janeiro, descobri, no Arquivo Geral da Cidade, uma edição comemorativa dos 110 anos da instituição, em 2004. Esta edição apresenta o exaustivo e laborioso trabalho de um ex-funcionário, Aureliano Restier Gonçalves, que, ao longo de grande período de tempo, dedicou-se a pesquisar a história do “chão” desta cidade usando como fontes privilegiadas os aforamentos.
Ao ler o trabalho deste pesquisador reconhecido merecidamente pelo AGCRJ, em 2004, resolvi, por uma questão de dar publicidade a inúmeros leitores, postar uma parte deste meticuloso trabalho de investigação, que engloba principalmente o século XVIII, sobre o centro comercial da cidade do Rio de Janeiro.
Ao lado de fatos ou de localização geográfica dos aforamentos, a História da cidade vai sendo introduzida em pequenas frases e expressões que instigam ao leitor, e assim foi feito comigo ao ler o texto, a desejar saber mais sobre o assunto. São muitas informações a requererem melhor pesquisa em outras fontes que não as usadas por Restier Gonçalves, um apreciador da linda História de nossa cidade. Escolha a sua.


“O povoador do Rio de Janeiro, descendo do morro do Castelo para a várzea, aí abriu canais para enxugar os aguaçais e brejos; formou uma passagem bem à beira-mar, desde o dito morro até o de São Bento, e dessa passagem na direção do interior da terra que procurava desbravar, foi abrindo caminhos, estreitos e retos alguns, até encontrar o fosso – rua Uruguaiana – que corria do norte para o sul e onde parou o desbravamento. Levantou-se a casaria, desenvolveram-se as atividades e criou-se um centro urbano de vida comercial, onde se alicerçaram a grandeza e a prosperidade da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
O bairro comercial de que vamos tratar compreende a parte da antiga Sebastianópolis entre aquela precitada faixa marítima e a rua Uruguaiana, por onde corria o fosso. Essa faixa marítima, em menos de um século, sofreu tal transformação que tornou impossível reconstituir-se com exatidão os primitivos aspectos desse litoral arenoso, cheio de sambaquis e, periodicamente, mostrando à flor do mar agudas vigias que desapareceram ou por força da mão do homem ou da natureza.
Na faixa desde Santa Luzia até São Bento, que constituiu a chamada marinha da cidade, acresceram terrenos de extensa largura, que são os acrescidos dessa antiga marinha e os acrescidos de acrescidos, e aí abriram-se novas vias públicas e levantou-se a casaria, como esclareceremos depois. Esses terrenos motivaram demandas entre a municipalidade e os posseiros ou arrendatários dos terrenos. A advocacia administrativa e a chicana alimentavam essas questões, notadamente quando se tratava de algum beneficiado das famosas cartas de mercê do príncipe regente, depois rei dom João VI.
É certo que mais tarde, quando outras eram as leis, os portadores desses títulos viram-se em apuros na defesa das suas posses, porque faltavam às ditas cartas de mercê formalidades jurídicas e assim foram consideradas precárias. Para a prova temos a questão com os herdeiros do monsenhor Antonio Pires de Miranda, grande proprietário no Rio de Janeiro e notável figura do clero. O herdeiro direto foi um sobrinho do referido sacerdote, de nome André Pires de Miranda, o qual, num terreno de acrescidos com frente para a praia do Peixe, levantou um grande trapiche, no ano de 1826.
 Nos fundos do trapiche veio a formar-se, naturalmente, um terreno acrescido de acrescidos, e dele julgaram-se donos herdeiros do monsenhor Miranda e de Andrea Pires de Miranda, a ponto de o venderem a José Antonio Alves de Carvalho. Avenida desse terreno foi patifaria grossa patrocinada pelos advogados João e Francisco Barroso – ditos irmãos ladinos. A Ilustríssima Câmara recorreu aos tribunais, mas, nessa questão, a Justiça, talvez, por ser cega, não visse o justo e pôs na mão do velhaco a palma da vitória. Um outro beneficiado com carta de mercê foi João Antonio Vigier, criado de quarto da rainha dona Maria I e muito dedicado à desditosa soberana – louca havia anos.
Essa dedicação valeu-lhe a estima de dom João e uma carta de mercê de um terreno à praia do Peixe, em 1814, concedida para um melhor arranjo do beneficiado e em troca do ofício de tabelião de Alagoas, do qual declinara o fiel servo, por ser de muita honraria. A entrega da carta de mercê foi solene, na Sala das Tochas do Palácio Real e presidida pelo desembargador intendente geral de polícia, cargo de alta importância administrativa e política, exercido na ocasião pelo íntegro magistrado Paulo Fernandes Viana, que prestou relevantes serviços ao Rio de Janeiro, material e moralmente.Vigier viu-se também em apuros depois, para conservar a sua propriedade, conseguindo afinal, em maio de 1840, a revalidação da sua carta de mercê, por ato do governo imperial.
Dos logradouros que se formaram pelos acrescidos à antiga marinha da cidade, na faixa que
interessa a este capítulo, damos a conhecer como principais o rossio do Carmo, a ribeira do Mar, a rua Direita e algo diremos deles, como também por curiosidade, do arco do Teles e do beco dos Adelos.

Rossio do Carmo

Data do século XVII, o primeiro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para o uso e o recreio dos moradores dela. O historiador Pizarro e Araújo, quem descreveu esse rossio minuciosamente, o considera o mais belo entre os demais que se formaram depois e lhe dá o cumprimento de 74 braças e a largura de 40 ditas, com prédios de feição nobre.
Em 1680, uma provisão régia proibiu edificações pela ribeira do Mar e pela várzea do Carmo e determinou a construção conveniente de um rossio, com seguro desembarque às pessoas que demandavam, constantemente, o porto da cidade. São dessa época as primeiras tabernas e outras casas para o comércio de bebidas e comestíveis, todas bem afreguesadas. No prudente e operoso governo do vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza, o antigo rossio do Carmo veio a ser radicalmente modificado para melhor. Teve maior largura, sólido calçamento e cais de pedra lavrada com assentos e peitoris de cantaria. Esse cais demoliu-se sessenta anos depois, para fazer-se outro sobre o mar, inaugurado, em 1842, festivamente.
No período de 1849 a 1852, com as aventuras às minas da Califórnia, o então largo do Paço foi um aglomerado cosmopolita, onde o ouro era o soberano absoluto, que comprava e escravizava tudo... Nessa Babel formigava gente de toda a parte do mundo. Os prazeres nos mais feios vícios e os sofrimentos nos maiores males morais e físicos fizeram-se pela cidade, trazidos pelos aventureiros que aportavam no Rio de Janeiro. O antigo largo do Paço, atual praça Quinze de Novembro, pela sua
situação à beira-mar, olhando o oriente, oferece descortino interessante e pitoresco e é ainda aprazível logradouro.

Ribeira do Mar

Em menos de um século, artificial e naturalmente, pela antiga praia ou marinha da cidade, acresceram terrenos, formando-se uma nova praia, desde a Misericórdia até São Bento. A um trecho
desse novo logradouro o povo chamou ribeira do Mar e era aí o lugar da feira, onde se ajuntavam os
mercadores e acudia toda a gente da cidade e do Recôncavo para comprar e vender. Na ribeira do Mar concorriam os homens de negócios da capitania e os cidadãos ricos para assentar os seus tratos. Na ribeira ficavam as bancas do pescado e as das hortaliças, as barracas dos estrangeiros, dos moleiros, dos oleiros: as tanoarias e as tendas de víveres e de licores.
Enfim, a ribeira do Mar ou praia do Peixe, como se chamou depois, era o mercado da cidade onde também existiam os chatins, assim chamados os negociantes gananciosos e sem escrúpulos que se entregavam a conluios com os atravessadores, procurando obter lucros excessivos na mercancia dos gêneros de consumo, principalmente o açúcar, o azeite e o peixe. Era o câmbio negro da época. Quando apanhados em flagrante, os chatins sofriam a pena do chicote na polé.
Na ribeira do Mar não faltavam charlatães, apregoando em alta voz drogas de toda espécie para curas maravilhosas e uma infinidade de quinquilharias. O azeite era o artigo de maior procura, depois do açúcar. O mais forte mercador de azeite foi Gonçalo Gonçalves.37 O seu grande estanque ficava à mão direita, indo para São Bento, a poucos passos da pancada do mar. Por muitos anos, chamou-se passagem de Gonçalo Gonçalves o logradouro onde estava localizado o estanque. Essa pequena via pública entrou na formação da rua do Sabão, depois General Câmara, trecho desde a Candelária até a rua Primeiro de Março.
Os chãos devolutos, acrescidos à antiga marinha da cidade, na velha praia da ribeira, começarama ser aforados pela Câmara depois de 1682. Esses aforamentos foram fechando a dita praia pelo lado do mar e deram origem a novos acrescidos e a um outro logradouro público, ao qual o povo chamou – praia das Marinhas Novas ou rua Fresca. Assim no decorrer dos anos a antiga ribeira foi perdendo o seu primitivo aspecto. Com a construção do Mercado Municipal, iniciada em 1834, e terminada em 1841, a antiga rua da praia do Peixe passou a chamar-se rua do Mercado, nome este que se confirmou oficialmente por ato da Ilustríssima Câmara, de 1º de janeiro de 1849, e ainda se conserva. A inauguração de um novo mercado à praia Dom Manoel, a 1º de fevereiro de 1909, fez desaparecer a tradicional praça da praia do Peixe, teatro de antigos e curiosos costumes da velha Sebastianópolis.

Rua Dire i t a

Embora fazendo curva, chamou-se rua Direita até 1870, quando recebeu o nome de Primeiro de Março, que recorda a terminação da guerra com o Paraguai, a 1º de março de 1870, após cinco anos de sangrenta luta e durante os quais a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se mostrou mais uma vez heróica e leal, pelo denodo e patriotismo do seu povo.
Segundo a jurisprudência da Prefeitura do Distrito Federal, os terrenos que entraram na formação do lado esquerdo da rua precitada estão na área da decantada sesmaria de Sobejos, nunca demarcada e sempre litigiosa. Mas, essa interpretação, que se nos afigura presumida, tem contra ela e com bastante força, o estado histórico da mesma sesmaria, cuja concessão, em 1667, já encontrou todo o lado esquerdo da então rua Direita edificado e portanto sem sobejos ou encravados.
O dito lado esquerdo era o seguimento da praia da cidade, ao tempo da fundação desta, praia que, sinuosa se estendia da Piaçaba – hoje Santa Luzia – ao braço do salgado mar, por onde em nossos dias corre a rua Visconde de Inhaúma. O povoador, ocupando a várzea da cidade, foi levantando a casaria, de preferência à beira-mar e voltada para o nascente, sendo que essa ocupação se fez, sem ônus ou obrigações de qualquer espécie.
O lado direito, formou-se de terrenos artificiais oriundos de aterros, acrescidos à antiga marinha da cidade e indiscutivelmente é foreiro à municipalidade, com exceção apenas da área concedida às irmandades de São Pedro Gonçalves e da Cruz dos Militares, em 12 de fevereiro de 1716, pelo governador do Rio de Janeiro – Francisco de Távora. Essa concessão, que se confirmou pelo alvará régio de 3 de outubro de 1722, garantiu, de futuro, o domínio da área concedida e também dirimiu dúvidas e questões com os posseiros vizinhos.
Nessa área, compreendida hoje pelas ruas Primeiro de Março, antiga Direita, Ouvidor e Mercado, antiga praia do Peixe, construíram-se a igreja da Cruz dos Militares e casas de aluguel. Uma dessas casas, a pegada à igreja, estava assente sobre a muralha e os arcos do antigo forte Vera Cruz38 levantado sobre o mar no governo de Salvador Correa de Sá, (1568/1572), e onde a praia fazia uma ponta. Em 1623, já estava soterrado esse forte. As casas foram demolidas no começo do atual século e no local construído o edifício da Amortização.
Homens do mar, na maioria espanhóis, construíram uma capela para o culto a São Pedro Gonçalves, nos fins do século XVI, depois do domínio espanhol, em 1580. Em dias do ano de 1628, militares da guarnição do Rio de Janeiro organizaram a irmandade da Cruz dos Militares, com sede na dita capela. O atual templo da Cruz dos Militares teve a construção iniciada em 1780 e terminada em 1811. É certo que nenhuma outra isenção de foro consta da documentação que cuidadosamente
examinamos. Entretanto, grande tem sido o sonegamento dessa obrigação, principalmente depois do
incêndio de 20 de julho de 1790, que destruiu parte do velho Arquivo Municipal.
A queima de alguns livros de registros de aforamento de terrenos, concedidos pela Câmara no período de 1569 a 1609, serviu de expediente aos sonegadores para contestar em juízo os direitos senhoriais do Senado da Câmara. É assim que, embora o apelo que lhes havia feito a respeitável corporação, eles, os sonegadores, assumiram uma atitude cavilosa quando, por decisão da Casa de Suplicação e da autorização do rei, o mesmo Senado da Câmara deu início à reconstituição dos livros queimados.
Também, rezam notícias da época, houve muita gente honesta que logo acorreu ao chamamento pacífico do Senado, apresentando as cartas de aforamentos e outros títulos dos terrenos de que eram posseiros, para os fins de ratificação e de novo registro. E essa gente manifestou ao Senado da Câmara o pesar pelo incêndio, que feriu bastante a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com o desaparecimento de fatos da sua gloriosa vida no passado.
Entre as pessoas que assim procederam, segundo os registros do Senado da Câmara, figuram as respeitáveis senhoras Brígida e Teresa Câmara, as quais compareceram ao Senado logo na primeira reunião dessa Assembléia, após o incêndio. As irmãs Câmara tinham carta de aforamento do terreno à rua Direita, canto do Terreiro do Paço, terreno que era ocupado por dois prédios de sobrado, propriedade das mesmas senhoras, em virtude de herança do seu irmão, o capitão Luiz Gago Câmara. No arrolamento de foreiros remissos à rua Direita, no período de 1745 a 1775, aparece a Venerável Ordem Terceira do Monte do Carmo não pagando os foros devidos pelos terrenos de que estava de posse na dita rua. Para a prova, temos a questão do aforamento do terreno de umas velhas casas compradas a Feliciano Gomes Neves, em 27 de maio de 1747.
No testamento com que faleceu o capitão Domingos Duarte Costa, irmão da dita Ordem, foi disposto que a metade dos remanescentes dos bens do testador fosse despendida pelos irmãos pobres da mesma Ordem do Carmo. Assim, estabelecidos os remanescentes e assegurada a distribuição dos réditos, a Ordem pôs em execução a verba testamentária, compreendendo imóveis, entre os quais as ditas velhas casas, tendo havido para essa compra a licença da Câmara, na qualidade de senhorio direto do terreno, terreno esse formado de acrescidos à antiga marinha da cidade. As casas, radicalmente modificadas, transformaram-se de casas velhas em três bons prédios de sobrados, com espaçosas lojas para armazéns.
Um dos prédios, com frente à rua Direita, entre as casas do padre Lourenço de Valadares Vieira e as pertencentes à Misericórdia, tinha a loja ocupada, ainda em 1775, pelo estanque de fumo. O outro prédio dava frente para o beco da Lapa dos Mercadores, e mais um outro que ficava na praia do Peixe – atual rua do Mercado. Por muitos anos, a Ordem deixou de pagar os foros. Afinal, em 1772, o Senado da Câmara ofereceu libelo contra ela. Em recurso que apresentou, a Ordem propôs-se a pagar um laudêmio, de quarenta em quarenta anos, sobre o valor dos imóveis ao tempo do vencimento, ficando conservada na posse administrativa dos prédios e concedendo-se-lhe o título ou carta de aforamento do chão dos três prédios.
Em 17 de fevereiro de 1775, o Senado da Câmara julgou o caso e decidiu de acordo com o parecer do seu síndico, o qual se fundamentou na doutrina de Fontenell, então predominante. A Ordem ficou mantida na posse dos prédios e obrigada a pagar, de trinta em trinta anos, um laudêmio rateado à proporção de cada um deles, ressarcindo os prejuízos causados ao cofre do município. Fez-se o acordo, e, a 25 de agosto de 1775, foi pago o primeiro laudêmio, e mais três foram pagos num período de cem anos – 1805/1905. Depois, não nos foi possível conhecer da realidade, à vista dos empecilhos que nos foram criados.
Também, os Assecas – viscondes - foram posseiros de terrenos foreiros à municipalidade, à rua Direita, canto da dos Governadores – atual Alfândega, à mão direita, indo para São Bento. Esses terrenos foram ocupados de remotos tempos por três prédios de sobrado, vinculados ao morgado dos Assecas, instituído em 1666. Um dos Assecas, o visconde Antonio Maria Corrêa de Sá e Benavides, residente no Rio de Janeiro, nas Laranjeiras, numa chácara de propriedade de Venâncio José Lisboa, pretendeu alienar, em 1818, os ditos e outros prédios urbanos pertencentes ao mesmo titular, a fim de comprar a chácara em que residia, “por ser nesta mais condigno o assento da sua morada” O visconde pediu ao Senado da Câmara a licença para essa alienação, obtendo-a. Porém, a decisão do Senado dependia de aprovação do rei, circunstância que determinou a desistência do visconde.
Era de esperar que assim acontecesse, sabido, pois, que os Benavides guardavam justo ressentimento do governo e do rei de Portugal pelo desapreço em que foi tido naquele país, o notável Salvador Corrêa de Sá e Benavides, chefe da ilustre família Benavides, enraizada no Brasil.
À rua Direita, canto com a de São Pedro, num acaçapado e pequeno prédio de sobrado, dos
primitivos da cidade, instalou-se o primeiro Banco do Brasil, em 1809, e nesse prédio permaneceu até 1816, quando foi transferido para a Casa dos Contos. Esse casarão, situado também à rua Direita, lado do mar, pertenceu ao provedor Pedro de Souza Pereira e foi arrematado, em 1669, pela Fazenda Real, por seis mil cruzados. Ficava entre as ruas da Alfândega e do Sabão – depois, General Câmara. Na Casa dos Contos, esteve o Banco até o ano de 1854, e nesse ano passou a ocupar sede própria, à rua da Alfândega, canto da Candelária. Por falência, desapareceu o primeiro Banco do Brasil e o segundo foi criado pelo decreto de 12 de julho de 1851, e fundiu-se com o Banco Comercial. Dessa fusão, resultou o terceiro Banco do Brasil, que é o existente e nosso principal estabelecimento de crédito, com atuação de relevo na história financeira do país. Atualmente, o Banco do Brasil ocupa suntuoso palácio de sua propriedade, à rua Primeiro de Março.  
É curioso recordar o derrame de bilhetes falsos do Banco do Brasil, em 1823. Causou pânico na praça essa falsificação, pois que esses bilhetes ou notas corriam como moeda e tinham bastante giro. Dos falsificadores a polícia só conseguiu apanhar o de nome Armando José de Moura e Silva, enforcado a 31 de maio de 1824, no largo da Prainha. Era irmão da Venerável Ordem Terceira do Monte do Carmo, a qual, num gesto de piedade cristã, atendeu à súplica do infeliz, sepultando o seu corpo na igreja da Ordem.
À rua Direita, nº 54, funcionou a Casa Bancária Alves Souto, de J. A. Souto & Cia. de alto crédito no Brasil e no estrangeiro. Na manhã de 10 de setembro de 1864, rápido correu a notícia pela cidade sobre ter a Casa Souto fechado as suas portas e paralisado as suas transações. Grande e tumultuário foi o ajuntamento em frente ao estabelecimento, determinando a presença de força policial. Era sócio da referida casa bancária o riquíssimo banqueiro José Antonio Alves Souto. Na verdade, essa falência acarretou graves danos financeiros, em época justamente de franca prosperidade para o Brasil.
Na rua Direita, teve o Rio de Janeiro o primeiro bar ao ar livre, no passeio a asfalto e arborizado da Confeitaria Carceler, conceituada casa da firma Viúva Carceler & Guimarães. Aí reunia-se, à tarde, o mundanismo elegante da Corte. Viam-se os príncipes da Casa Imperial do Brasil, a alta nobreza, os grandes políticos, banqueiros e a boêmia intelectual. Uma boa orquestra de instrumentos de cordas deleitava essas reuniões elegantes, com o seu escolhido repertório.
A rua Direita também teve a primazia na melhoria do aspecto arquitetural das casas, que eram verdadeiros caixões, à guisa de fortalezas medievais. Segundo o plano organizado na municipalidade, e já em execução em 1870, na rua Direita, as fachadas dos prédios nessa via pública tiveram realce com as ornamentações introduzidas, predominando o pitoresco e a fantasia individual.

Arco do Te l e s

A passagem ou arco do Teles, primitivamente chamado lugar ou estância dos Mercadores,
formou-se em conseqüência das edificações que foram sendo levantadas no período de 1730 a 1740,
entre a rua Direita e a praia do Peixe, obedecendo em tudo ao risco mandado organizar pela Câmara para os lugares notáveis da cidade.
Determinavam as posturas que, então, se criaram, tivessem os prédios frentes para a praia das Marinhas Novas ou do Peixe – atual rua do Mercado – fossem confortáveis, com solidez, sobrado e feição nobre. Na verdade, em observância desse plano de obras de embelezamento, melhorou bastante a feição arquitetural da Sebastianópolis. Desapareceu a taipa de pilão e passaram a ser empregados o cal e a pedra nas edificações urbanas. Vieram as telhas portuguesas para as coberturas e os ladrilhos para substituir os tijolos de barro cru, chamados adobes. Os telhados de telhão e levadio modificaram-se e aformosearam-se, com as beiras mais salientes cerca de cinco palmos e sendo que muitas bem decoradas.
Nessa época, reconstruíram-se as velhas casas do juiz de órfãos Antonio Teles de Menezes,
situadas entre a antiga estância dos Mercadores e as casas dos Câmaras, que eram de sobrado, em nº de duas e pegadas, dando uma frente para a rua Direita e fronteira à igreja do Carmo. Homem de muita popularidade, o juiz Teles de Menezes deu o nome à antiga passagem para a Lapa dos Mercadores, cuja boca ou entrada, pelo lado da praça, com as transformações havidas, ficou sendo por baixo de um prédio e tendo a forma de um arco. Dai a denominação de arco do Teles. Por deliberação da Ilustríssima Câmara, de 1º de setembro de 1863, o arco do Teles passou a chamar-se travessa do Comércio.
Desestimam o passado do Rio de Janeiro aqueles que dizem ter havido apenas o crescimento da cidade, continuando a feição descuidada. O que acabamos de narrar é completo desmentido a essa gente. No velho Arquivo Municipal, no Arquivo Nacional e, mesmo em arquivos particulares, existem provas de que no passado do Rio de Janeiro apresentam-se fases de acentuado interesse e de especiais cuidados pela arte, bom gosto e conforto das habitações.
Além do arco do Teles e dos arcos da Carioca, dois outros tiveram sua importância na velha
cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: o arco da Misericórdia e o arco de Catumbi. O primeiro, no largo da Misericórdia, dava acesso para os fundos do hospital. O de Catumbi, com dupla serventia,porque se prestava ao trânsito de pedestres para o alto da montanha e desta trazia, pelos canos que sobre eles corriam, a água potável para abastecer aos moradores de Catumbi. Ainda em 1868, e bem sólida, existia uma grande parte desse arco, servindo de quartel-general da malandragem perigosa do bairro.
Os arcos da Carioca, maravilha da engenharia, obra monumental de espantosa solidez, com existência de perto de dois séculos, vem servindo de viaduto há anos. Por ele correm os bondes elétricos da Companhia Ferro Carril Carioca,* que fazem o transporte de passageiros e cargas para o morro de Santa Teresa, bairro aprazível e aristocrático da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Beco ou Travessa dos A d e l o s

Como deixamos dito de começo, na larga faixa de terra, que acresceu à antiga marinha da cidade,
vias públicas foram sendo formadas com a casaria que ia sendo levantada. Fez-se, então, uma passagem pública da ribeira do Mar para a rua da praia, correndo ao lado da Casa de Balança de Ver o Peso, fundada por Salvador Corrêa de Sá e Benavides, em 1640. Era nessa passagem onde estacionavam os adelos, homens e mulheres vendedores de roupa usada, traste, ferro velho e também emprestadores de dinheiro por penhores. Tronco da numerosa família judaica que se constituiu no Rio de Janeiro, esses adelos colaboraram bastante na formação do nosso comércio. Eis o motivo do nome dado ao antigo logradouro, que é hoje a travessa Tinoco.

Rua do Ouvidor

Um arenoso e estreito caminho do mar ao fosso, aberto pelos primeiros povoadores do Rio de Janeiro, dando vida à incipiente cidade. Essa via pública é a rua do Ouvidor, assim chamada desde 1745, quando na mesma passou a residir o ouvidor da comarca – dr. Manoel de Amaro Pena de Mesquita Pinto – em uma casa de sobrado, pouco acima do passo de Sucussarará, atual rua da Quitanda, à mão direita,caminhando do mar.
O sucessor de Manoel Amaro, o ouvidor Francisco Antonio Berquó da Silveira Pereira (1748/1750) também residiu no dito prédio, incorporado aos bens da Fazenda Real, por força da Ordem Régia, de 2 de novembro de 1745. Tinha o nº 64 quando foi demolido, entre 1902/1907. Primitivamente, a rua do Ouvidor teve o nome de Aleixo Manoel, homem bom da cidade que fez parte da expedição portuguesa de 1567, tendo ficado no Rio de Janeiro. Auxiliou com denodo os portugueses na luta contra os tamoios e as suas façanhas nas armas deram-lhe fama e importância social. Era hábil cirurgião e foi vereador.
Depois de 1605, com a montagem do forte Vera Cruz, à beira-mar, onde está a igreja da Cruz dos Militares, o caminho, passagem ou rua de Aleixo Manoel passou a ser chamada de rua da Cruz e por mais de século.
O passado fala com entusiasmo da rua do Ouvidor, chamando-a de salão de visitas do Rio de Janeiro. Os primeiros trabalhos sobre alinhamento, nivelamento e melhoria das casas datam de 1624 e deles há segura notícia, como verificamos. Fizeram-se em observância às posturas criadas pela Câmara, em vereança de 16 de abril daquele dito ano de 1624.
Em 1641, uma comissão de técnicos organizou um plano de novo calçamento, aperfeiçoado e uniforme, para a então rua da Cruz, submetido à Câmara e por ela aprovado, em 09 de dezembro do mesmo ano de 1641. No ano seguinte, executou-se a obra. Dois sensíveis rebaixamentos foram levados a efeito na rua do Ouvidor, sendo um, em 1815, e, o outro, em 1834. No primeiro, contra a opinião do arquiteto da cidade, Joaquim José de Santa Ana, e os protestos dos proprietários, desceu cerca de quatro palmos o leito da rua, com o objetivo de fazer-se, como realmente se fez, um novo lageamento e pronto escoamento das águas. No de 1834, desceu o leito mais 0,5 braça, para ser a rua calçada, como o foi, com cubos de pedra de pé e meio de aresta. Esse calçamento importou em quinze contos e trezentos mil réis – ao tempo muito dinheiro.
São do ano de 1834 os planos de aformoseamento das fachadas dos prédios da rua do Ouvidor e de outras principais da cidade. Começou, nessa ocasião, a reedificação da casaria da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Apareceram os prédios de sobrados bem altos. Vieram as largas portas de cantaria, as soleiras corridas, os lagedos de mármore e as portas envidraçadas no sobrado.
Na rua do Ouvidor reedificaram-se os prédios 151, 157, 161 e 156. O prédio 151 era propriedade de José Tinot, o 157 estava arrendado ao competente alfarrabista e livreiro Albino Jordão, com a sua livraria na loja do prédio; no 161 estava o atelier de Madame Pompou e o 156 era propriedade de Felix des Essard. São dessa época Madame Murat, célebre modista e coleteira, no 102; Madame Rosália Dubois, também modista e coleteira afamada e que aliava, à sua perícia profissional, um fino trato. O ateliêr Dubois era no 124, onde afluíam as elegantes da época; César & Gadia, alfaiates de renome, no 69; a conceituada Madame Valois, com a famosa vitrine de Arrangement de la Mode Française, no 70; a freqüentada taverna Mitraud, ponto da elite masculina, no 50; a aristocrática confeitaria Lacele, no 99; Ana Pisles, com as curiosas quinquilharias, no 87; Brid & Payler, com calçados finos ingleses, no 98; o famoso cabeleireiro Roux, no 115; e o livreiro de grande renome, Emílio Seignot Plancher, no 95, funcionando, no primeiro andar, a Tipografia Imperial, do mesmo Plancher. Em 1862, segundo a Revista Popular, de 15 de novembro do dito ano, já se calculava em sessenta mil o nº de pessoas de todas as classes, sexos e idades que transitavam pela rua do Ouvidor, durante as dezesseis horas de um dia.
A partir de 1867, ficou proibida a passagem de veículos pela rua do Ouvidor, desde 9h da manhã até as 10 da noite, por ser grande o trânsito de pessoas. Ao findar do século XIX, num memorial apresentado à municipalidade, a propósito de costumes e melhoramentos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a rua do Ouvidor aparece como instituição quase universal, representando a concentração da nossa cultura, elegância e luxo. Nesse memorial, estão as assinaturas de Pardal Malet, Dermeval da Fonseca e Viriato Chaves espíritos brilhantes no mundo das letras e inteligências operosas.
Escragnole Dória, numa interessante crônica, publicada na Revista da Semana, de 15 de julho de 1927, nº 26, diz que a “rua do Ouvidor ainda é a rua do Ouvidor, feriu-a a avenida, mas não pode matá-la”. Área considerada foreira pelo Senado da Câmara, inclui a rua do Ouvidor, entre a Uruguaiana e o largo de São Francisco de Paula. Essa área era parte da que fora destinada para o rossio da cidade, em 1705. Não se levando a efeito a obra do rossio, a Câmara decidiu lotear toda a área, em 1720, aforando os lotes para edificações imediatas.

Rua Nova do Ouvidor

Também, outro antiquíssimo logradouro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com existência já no começo do século XVII, dando passagem, estreita e alagadiça, da rua da Cruz – Ouvidor – para o caminho que ia para a cerca dos frades do Carmo, agora rua Sete de Setembro.
            Durante o seu governo, Gomes Freire de Andrade beneficiou essa via pública, dando-lhe regular cordeamento, aterro alto e conveniente, calçamento de alvenaria e iluminação. Como medida de higiene e de moralidade, fez retirar as cabanas de quitandas das pretas forras africanas e também demoliu todas as casas velhas, providenciando sobre a imediata construção de outras, que seriam, como o foram, de sobrado.
Nas ditas cabanas, completamente nus e em promiscuidade, viviam negros de ambos os sexos, fabricando samburás durante o dia e passavam a noite em batuques e danças, até alta madrugada. Nessas cabanas homiziavam-se ladrões do mar, desordeiros e escravos fugidos.
Na rua Nova do Ouvidor, em 1842, fundou-se a Casa Clark, afamado estabelecimento de calçado inglês, e o Apostolado Positivista do Brasil teve a sua primeira sede. A Sociedade Francesa de Beneficência, fundada a 26 de maio de 1836, e o Clube de Engenharia também funcionaram na rua Nova do Ouvidor – chamada primitivamente rua das Flores.
O decreto municipal 892, de 22 de setembro de 1902, deu a essa rua o nome de Sachet, o mecânico francês do balão Pax, de invenção do brasileiro Augusto Severo de Albuquerque Maranhão. Morreram ambos, o inventor e o mecânico, no desastre desse dirigível, a 12 de maio de 1902, em Paris. Severo tem o seu nome numa das ruas da capital da França. Modernamente, a rua Sachet voltou à nominação anterior.
Embora incluída na sesmaria dos Sobejos, conforme quer a municipalidade, apenas três são os terrenos reconhecidos foreiros, porque, na verdade são dos encravados compreendidos na dita sesmaria. Entretanto, pelas dificuldades surgidas no decorrer das nossas pesquisas, só encontramos elementos para identificação de dois desses três terrenos.
Um terreno estava ocupado por um prédio de sobrado, quando esse prédio foi vendido, em 1811, pelo seu proprietário Simão Barbosa dos Santos, por 750$000, ao brigadeiro Domingos de Souza Coelho Caldas. Nessa venda, ficou confirmada a natureza foreira do chão terreno – com o reconhecimento pelo comprador. Em 1834, foi esse prédio, então com o nº 45, registrado no Livro das Décimas, em nome de Bonifácio José Sérgio do Amaral.
O outro terreno identificado tinha 22 palmos de frente por 123 de fundo e do mesmo era posseiro, em 1809, Maria Joaquina de Oliveira Cerqueira. Era, também, ocupado por um prédio de sobrado nº 6, propriedade da mesma senhora. Ainda em 1865, conservava a mesma numeração. Não conseguimos encontrar documento pelo qual fosse possível esclarecer a origem da nominação de Flores dado à rua Nova do Ouvidor.

Rua da Quitanda

Um dos primitivos carreiros da várzea, onde foi assente a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, deu origem à rua da Quitanda, de bastante importância no bairro comercial. A princípio muito tortuosa, essa via pública, em 1610 já cordeada, segundo as posturas da Câmara, as quais determinavam fossem as ruas abertas de modo a tornar cômodas e rápidas as comunicações.
A da Quitanda comunicou o bairro da Misericórdia com o da Prainha, partindo da rua do Porto – depois São José –, no canto de Inácio Castanheira e terminando na cerca da horta dos frades São Bento, defronte à porta, por onde, mais tarde, os ditos frades abriram uma rua a que se deu o nome de São Bento, ainda conservado.
Do fim da rua da Quitanda chegava-se à Prainha por um atalho e da Prainha alcançava-se o lugar – rua Uruguaiana – do curtume da vala grande, que ficava depois das charnecas e lagoas que aí então existiam e que foram sendo aterradas, formando-se um rossio, do qual o largo de Santa Rita é vestígio. Parte do antigo rossio foi ocupada por um cemitério destinado a escravos e indigentes.  Depois de 1690, aberta a quitanda grande, espécie de feira, teve toda essa rua o nome de Quitanda.
O trecho entre as ruas de São José e Ouvidor, chamou-se rua Sucussarará, porque ai residiu um famoso cirurgião inglês que era especialista no tratamento das hemorróidas. Essa nominação Sucussurará aparece em documentos do século XIX.(A versão dada ao nome “Sucussarará” não se sustenta historicamente. Seus propagadores não informam o nome desse médico. Acredito que a origem do nome seja outra: no final dessa rua ficava a zona alagadiça da lagoa da Pavuna e era povoada por aves aquáticas como o socó de cores variadas e por algumas espécies com tons vermelhos ou laranjas, chamadas pelos índios de “sararás”. Unindo o substantivo (socó) ao adjetivo (sarará) chega-se a socó-sarará, que no sotaque português poderia ter dado “sucussarará”.)
João Francisco Duclerc, o chefe da expedição francesa que invadiu o Rio de Janeiro em 1710, feito prisioneiro das forças portuguesas, foi recolhido preso em uma casa de sobrado à rua da Quitanda, canto com a dos Escrivães – depois General Câmara. Nessa casa, propriedade do tenente Tomás Gomes da Silva, Duclerc foi assassinado às 8h da noite, de 18 de março de 1711. O seu corpo teve sepultura na capela de São Pedro da igreja da Candelária. Diz o historiador Melo Morais, pai, que na precitada casa, em setembro de 1711, foram contados os seiscentos e dezesseis mil cruzados, exigidos pelos franceses da segunda expedição, para o resgate da cidade, tomada por essa expedição capitaneada por Duguay Trouin.

Rua de São Bento

Em 14 de setembro de 1743, o Senado da Câmara dirigiu um ofício ao abade do mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, fazendo sentir a utilidade da abertura de uma rua que cortaria a horta do mosteiro. Os monges aquiesceram e a rua foi aberta com 33 palmos de largura e recebeu o nome de São Bento. Nos terrenos marginais de que ficaram de posse, os beneditinos levantaram espaçosos e sólidos prédios de sobrado, os quais se alugaram rapidamente. No decorrer do século XIX, esses prédios foram sendo ocupados nas lojas por armazéns de café e pelos escritórios dos respectivos comissários nos sobrados.
A rua de São Bento foi o empório do café no Rio de Janeiro e no vale do Paraíba, na antiga província fluminense, os fazendeiros nadavam em ouro e as terras cobriram-se com a preciosa rubiácea, enquanto existiu o braço escravo. O comendador Joaquim José de Souza Breves, o rei do café, tinha nas suas fazendas, situada naquela província, cerca de dez mil escravos empregados nessa lavoura, que nos nossos dias vive em crise.
Os religiosos beneditinos chegaram ao Rio de Janeiro em 1589, e no ano seguinte já ocupavam o outeiro de Manoel de Brito e a várzea ao redor, em virtude de doação que lhes fizera o respectivo proprietário Diogo de Brito, filho de Manoel de Brito. A doação fez-se por escritura pública de 25 de março de 1590, sendo o ato da lavratura na própria Casa Conventual.
No alto do dito outeiro construíram o mosteiro e a igreja, sendo esta toda em obra de talha – verdadeira maravilha em arte. Na várzea levantaram cerca e plantaram horta. Desde então, muitos os serviços prestados pelos frades de São Bento à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, bastando realçar o da educação e instrução.
Até 1842, houve um passadiço que comunicava o mosteiro com a parte da horta que restou quando da abertura da rua de São Bento, parte que desapareceu no dito ano de 1842, para a abertura das ruas Beneditinos e Municipal. A rua Municipal tem, atualmente, o nome de Mayrink Veiga.

Ruas Visconde de Inhaúma e Teófilo Otoni

Alagadiça era a região entre os morros de São Bento e da Conceição. As enxurradas formavam enormes charcos que a preamar alimentava. Em batendo de encontro às escarpas dos dois morros, o mar inundava o vale pelo qual corria um canal natural, em cujas margens viviam pescadores em toscas cabanas. Em crescendo a cidade, tudo isso se transformou e, em menos de meio século, abriram-se ruas e vielas e levantou-se a casaria.
Da praia Velha formou-se a rua dos Pescadores e dessa, alargada e melhorada, fez-se a visconde de Inhaúma, e pela ilha Seca, lugar arenoso e enxuto entre alagadiços, correu-se uma rua muito estreita, a qual se chamou de ilha Seca, depois das Violas e, por fim, Teófilo Otoni.
Em 1640, essa via pública prolongou-se até a da Conceição do Cônego. Nesse mesmo ano de 1640, levaram-se a efeito outros arruamentos nessa zona da cidade, formando-se dois pequenos logradouros, que ficaram conhecidos por beco e largo de João Batista, porque, no canto do beco com a rua dos Ourives, residiu um famoso cirurgião de nome João Batista Darrigue. O prédio de residência do Dr. Darrigue, e no qual prédio faleceu, era da propriedade desse cirurgião, e tinha dois sobrados.

Rua dos Ourives

A severidade das leis das Minas e o rigor com que se aplicavam as penas aos contraventores não impediram o contrabando do ouro, praticado em larga escala. Em 1730, grande a maroteira descoberta, apurando-se, em Minas Gerais, a falsificação que fazia Antonio Pereira de Souza das barras de ouro da Casa da Moeda, com a cumplicidade de gente graúda, como deixou clara a devassa procedida. Entre os culpados estavam mestres e oficiais de ourives fundidores, os quais foram expulsos dos lugares onde assistiam e com seus haveres confiscados. As falsificações continuaram, porém.
No período de 1742 a 1752, tomaram grande vulto, determinando uma nova série de penalidades para serem aplicadas aos ourives faltosos ou delinqüentes. Assim é que o bando de 10 de abril de 1753 obrigou o comparecimento dos ourives na Intendência Geral da Polícia, de seis em seis meses, e marcou-lhes local de residência obrigada e funcionamento das lojas.
No Rio de Janeiro, foi designada a travessa que ia da igreja do Parto à Santa Rita, para a residência dos ourives e funcionamento das suas lojas de ouro e prata. A partir dessa época, ficou a dita travessa com a denominação de rua dos Ourives. A avenida Rio Branco tirou um trecho à dita rua.
A pequena parte entre a rua de São José e a rua Sete de Setembro tem, agora, o nome de Rodrigo Silva, e o trecho desde a referida avenida ao final do logradouro, no largo de Santa Rita, recebeu recentemente o nome de Miguel Couto, que foi notável médico brasileiro, com consultório nessa parte da rua dos Ourives. Por essa via pública muito fizeram os ourives, beneficiando-a, por várias vezes, com melhoramentos. Em 1811, promoveram a reforma interna e externa das casas, dando-lhes mais conforto e embelezando as fachadas com os lineamentos feitos.
São dessa ocasião as altas soleiras de cantaria lavrada ao cinzel e os degraus de mármore, sendo alguns jaspeados e em verde. Artísticas grades de ferro fechavam as janelas e as portas. A primeira casa que assim se transformou foi a de nº 41, propriedade de Antonio José de Carvalho, com licença concedida pelo Senado da Câmara, em 23 de outubro de 1811. Ainda dos ourives a idéia do alargamento da rua, que se fez em 1816, com recuo de 4 palmos, de um e de outro lado do logradouro. Nessa época, eram afamados ourives os franceses Charles Gerardot e Pierre Bernard Cousin, este estabelecido no prédio 133 e aquele no 123.
Artística e comercialmente, a ourivesaria no Rio de Janeiro foi uma atividade bem perfeita e muito rendosa, desde que se descobriram as minas. Classe numerosa, os ourives da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, rivalizando-se com os de Lisboa, apresentavam nos seus mostruários originalidades preciosas em lavores de cuidada e fina arte. No fim do século XVIII, já a ourivesaria e a relojoaria constituíam um só ramo de comércio e ourives e relojoeiros, uma só corporação.

Rua do Cano

À medida que se localizavam pela planície, os primeiros povoadores da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro iam fazendo o enxugo do alagamento, abrindo valas que derivavam do fosso em direção ao mar.
Uma dessas valas, correndo em terrenos devolutos, de oeste a leste e quase toda em reta, veio a servir de traço a uma via pública que se cordeou em 1640, quando se canalizaram as águas da vala. Desde então, ficou oficialmente aberta e reconhecida com a denominação de rua do Cano, nome substituído pelo de Sete de Setembro, em virtude de deliberação da Ilustríssima Câmara, de 29 de janeiro de 1856, que aprovou a proposta dos vereadores Haddock Lobo e Jerônimo de Mesquita para essa mudança.
O notável governador do Rio de Janeiro – Gomes Freire de Andrade –, no seu fecundo governo (1733/1763), planeou o prolongamento da rua do Cano até a praça do Carmo, atual Quinze de Novembro. Esse plano cogitou de um novo alinhamento, de calçamento aperfeiçoado e de uma galeria para a vazão das águas.
No governo de dom. João VI, também foi pensado o prolongamento da rua até o mar e o seu alargamento para uma melhor perspectiva. Em 1832, a Ilustríssima Câmara submeteu ao governo do Império o plano que mandara organizar para o alargamento da rua, o seu prolongamento até o mar e a reconstrução radical da sua casaria. As novas edificações obedeceriam a um tipo uniforme, todas de sobrado e não excedente de três – a bem da estética da cidade. Houve larga discussão entre o Governo Imperial e a Administração Municipal. Por fim, negando a sua colaboração ao referido plano, o Governo do Império determinou fosse suspensa a sua execução, a 23 de março de 1835, por ser muito dispendiosa.
Afinal, melhorada bastante, notadamente quanto à feição arquitetural dos prédios, a rua Sete de Setembro abriu-se até o largo do Paço, em ato solene, no dia 7 de Setembro de 1856, num domingo. Na administração do prefeito Passos (1902/1906) a velha via pública foi melhorada bastante, tendo sido feito o seu alargamento.
Damos por terminado este capítulo XII, que diz respeito ao bairro comercial da velha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, empório do comércio sul-americano desde 1808, com a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. De 1808 a 1822, foi notável o crescimento do nosso comércio, por grosso e a retalho e, no Rio de Janeiro, o bairro Comercial afirmava uma grande atividade com a abertura de armazéns, escritórios de comissões e consignações, depósitos de mercadorias importadas e a exportar,etc... E esse desenvolvimento do comércio carioca fomentou a corrente imigratória, atraindo maiores capitais e maior impulso deu à nossa civilização, sempre a crescer, até as brilhantes demonstrações de nossos dias.”

Fonte: GONÇALVES, Aureliano Restier. Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: Terras e fatos. Edição Comemorativa dos 110 anos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria das Culturas/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro/Divisão de Pesquisa, 2004. Trecho utilizado: Capítulo XII.p.163-181