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sábado, 2 de março de 2013

CONJUNTO ARQUIVÍSTICO DO CENTRO DE MEMÓRIA INSTITUCIONAL: FONTES E OBJETOS PARA O ESTUDO DA CULTURA ESCOLAR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES (1880-1980)



Inauguração do CEMI no Torreão do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro,
 em 9 de dezembro de 2005, com a presença do Diretor do Colégio de Aplicação, Prof. Gandra
e alunos e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.



Artigo apresentado no IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (Rituais, Espaços e Patrimônios Escolares) COLUBHE, realizado de 12 a 15 de julho de 212 pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Nº de ID: 468. p.5819 das Atas do Congresso 


 Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]
UERJ
helohmei@gmail.com

Resumo Expandido

Este artigo pretende apresentar possibilidades de investigação da cultura escolar da formação de professores públicos na cidade do Rio de Janeiro, no acervo arquivístico do Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). O acervo é constituído de um século de documentos ali depositados, desde a criação da Escola Normal da Corte, em 1880. Vários são os historiadores da educação a utilizarem fontes oriundas dos arquivos escolares que, por entre papéis, artefatos e outros suportes diversificados apresentam o cotidiano das escolas, o fazer diário de atores, com uma identidade própria carregada de historicidade (MOGARRO, 2005, p.73), que se apropria e se relaciona num microcosmo da sociedade, numa alternância de disciplinas escolares, a criar cultura (CHERVEL,1988). Concebido como espaço de pesquisa e memória onde novas e diferentes fontes tornam-se visíveis, possibilitando a compreensão de muitos aspectos do cotidiano que, por vezes passam despercebidos, este trabalho busca dar visibilidade a documentos do CEMI que revelam de algum modo a cultura escolar. A investigação parte da premissa que artefatos de qualquer suporte, são passíveis de contar uma história e revisitar a memória, revelando processos e atores que as constituem e formalizam (POLLAK, 1989). O acervo encontrava-se disperso em diferentes e variadas salas do prédio do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. A partir de 2005 foi recolhido ao Centro de Memória Institucional (CEMI) que passou a reunir, catalogar e difundir o arquivo para pesquisadores. Esses documentos permitem a pesquisa de aspetos cada vez mais valorizados pela historiografia da educação. O acervo documental da formação de professores existia, dentre os locais onde se sabia, numa sala da Secretaria Geral da instituição, para alguns poucos pesquisadores que faziam esta solicitação burocraticamente. Eram inúmeros documentos textuais distribuídos em armários de aço, caixas de diferentes tipos e tamanhos, oriundas do fornecimento de merenda e papel, até dezembro de 2005. Os pesquisadores que se aventuraram à pesquisa, antes deste período de criação do CEMI, conviveram com insetos, ratos, poeira e muita desorganização, o que os obrigou a desbravar a montanha de documentos textuais empoeirados para, heroicamente, escrever sobre a formação de professores. Os itens iconográficos se encontravam intocáveis, em grandes armários de vidrarias; em mapotecas com pranchas murais, mapas e projetos de reforma; e  em uma sala fechada, e inacessível por cerca de trinta anos, do Laboratório de Química, pelo que era sabido. O Museu de História Natural, outra parte deste item, ocupava uma sala inteira cercada de armários de jacarandá espelhados por vidro bisotado. Mostrava, além de gavetas e armários agora vazios com pouquíssimos minerais, coleções em caixas de madeira com espécimes reconhecidos através de etiquetas meticulosamente manuscritas a nanquim. No local, ainda, esculturas em gesso e animais de grande, médio e pequeno porte taxidermizados em algum momento da história institucional, visíveis em grandes armários-mostruário. Ao lado deles, espécimes de borboletas, esqueletos articulados e muitos outros artefatos além de vidros com formol contendo sapos, lagartos e demais espécimes da fauna brasileira. A criação do Centro de Memória Institucional obedeceu a uma iniciativa individual de desejar preservar a história do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, que foi apoiada integralmente pela Direção da instituição naquele momento que, não só instalou o CEMI, como o transformou em um setor institucional. Na verdade, ao ser criado, o Centro de Memória Institucional recebeu não só os arquivos de vários setores. Recebeu, também, papéis e objetos recolhidos das caçambas de lixo do ISERJ, ao longo dos anos, por funcionários e professores da escola que os levaram para suas casas, no intuito de proteger algo por eles considerado de importância. Também para o CEMI foram encaminhados, por parte de servidores, ex- alunos e ex-professores, material  por eles utilizado no dia a dia escolar: cadernos, provas, trabalhos e fotos de alunos, uniformes com seus itens de adorno (abotoaduras e placas)... O acervo foi organizado, acessibilizado e difundido pela internet, em site e blog, originando várias monografias, dissertações e teses em universidades do Brasil e exterior durante os seis anos de sua existência. O conjunto arquivístico do CEMI para o estudo da formação de professores se caracteriza não só pela metodologia que emprega, ao dividir o acervo pelas diferentes fases por que passou a instituição, o que demonstra as diferentes políticas públicas, como pela proximidade e interação de fontes de diferentes suportes. O Museu de Equipamentos e Instrumentos Escolares e o Museu de História Natural, que compõem o Centro de Memória Institucional, facilitam e ampliam a integração entre suportes, em um profícuo diálogo que interessa ao investigador. A biblioteca de livros raros, há alguns poucos anos incorporada ao acervo, amplia este conjunto, viabilizando o resultado impresso da experiência educativa: os livros produzidos por professores da escola ao longo da história institucional. Assim, estão lado a lado, por exemplo, a ata de criação da Escola Normal da Corte referendada por Benjamin Constant Botelho de Magalhães e pranchas murais cartonadas do século XIX, produzidas pela Deyrolle para as crianças pequenas; os esqueletos articulados produzidos pela mesma empresa, muito tempo depois, já então designada Les Fils d’Èmile Deyrolle e o livro de 1954, de Balthazar da Silveira, que apresenta uma discussão entre professores sobre alterações no programa de História Natural; as notas fiscais, no Livro das 3ª Vias de Notas, indicando que tipo de carteira se mandava fazer na empresa Móveis e Colchoaria de Bernardino José da Silva, à Rua d’Alfândega, 88, em fevereiro de 1888, ou na Marcenaria e Carpintaria Ernest Dumesnil, à Rua da Ajuda 15, em 1890, para que os futuros professores assistissem aulas na Escola Normal; o Regulamento da Escola Normal que especificava os deveres dos discentes, inclusive e principalmente, no aspeto disciplinar. As vidrarias dos gabinetes de Física e Química permitem se analisadas com o inventário de criação destes, em 1890, cotejar o material comprado na Europa para a instalação dos Gabinetes na Escola Normal. Os ofícios de 1890 possibilitam verificar os meios governamentais colocados à disposição da Escola Normal por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ex- diretor por cinco anos e professor mais antigo dessa instituição, para viabilizar a modernidade republicana através da criação dos gabinetes destas Cadeiras. Os livros de designação (1881-1889 e 1900 - 1910) retratam os docentes e funcionários da Escola Normal, indicando não só seus nomes como as turmas que regeram a cada ano, suas licenças e férias e até seu salário. Mostram também as épocas de grandes indicações políticas que, pela quantidade de professores listados no mesmo período, instigam hipóteses de que eles sequer tenham ali lecionado, pondo em xeque uma memória enquadrada (POLLAK, 1898, p.9). Periódicos de alunos, por exemplo, desvendam as esperanças e anseios das normalistas dos anos de 1930 ou 1960 não só quanto ao seu futuro como às aspirações com a “cívica tarefa” de civilizar e educar o pequenino. Os livros dos professores os apresentam referendados pela posição que ocupavam institucionalmente e a forma de ensinar, o que se acreditava devesse ser apreendido em diferentes temporalidades, para ser posteriormente ensinado, pelas futuras professoras. As pequenas mesas redondas de quatro cadeiras, usadas na Escola de Professores na década de 1930, complementadas pela gravura do livro  Instituto de Educação do Distrito Federal, de Francisco Venâncio Filho (1945) são fontes importantes para contextualização das práticas escolares e  disciplinas ali desenvolvidas. A esse mobiliário, juntam-se as cadeiras universitárias da Universidade do Distrito Federal (UDF), com assento individual e espaço para o tinteiro, mas extremamente pesadas o que, certamente, inviabilizava seu deslocamento. Há muito a fazer em termos de acessibilidade, no que tange ao arquivo escolar do ISERJ sob a guarda do CEMI, o que recente parceria extensionista das universidades locais deve minimizar. Por outro lado tentativas vêm sendo feitas no sentido de restaurar o arquivo textual danificado. No entanto o acervo tem sido utilizado, há seis anos, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros de várias instituições e desta forma, cumprido seu papel de reconstituir, em diferentes temporalidades, os fazeres e a cultura da formação de professores, sem financiamento público ou privado. Manter os acervos arquivísticos dentro dos espaços que o geraram, financiando-os para preservá-los, não é, ainda, objeto de discussão dos historiadores, embora a historiografia da educação privilegie suas fontes e objetos. Mas é uma questão relevante a ser discutida.

Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Formação de professores. Cultura escolar.

O CEMI

            O Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ) surgiu de uma iniciativa minha de conhecer a História institucional e a ela não poder ter acessibilidade.
            Propus ao Diretor Geral, em 2005, depois de várias tentativas de acesso aos documentos institucionais, compartilhadas por servidores da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), para abrir um Centro de Memória Institucional, onde guardar todos os documentos institucionais de quaisquer suportes, de modo a organizá-los e acessibilizá-los a quem desejasse conhecer a História do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
            Aceito o projeto, a Direção Geral do ISERJ providenciou uma sala, no Torreão do prédio central, e um funcionário, professor de História[2]. Nossa tarefa era a de buscar os documentos institucionais de diferentes suportes, em cada setor da unidade escolar.
            Não foi uma fácil empreitada. A instituição ocupa um espaço geográfico de 38 mil metros quadrados e, à época, seus elevadores não funcionavam[3]. Ao mesmo tempo criamos um blog e um site[4] na internet que davam notícias a pesquisadores de diferentes lugares (Brasil, Portugal, Estados Unidos, França, Haiti, México, etc.)[5] sobre os documentos, que estávamos localizando e guardando para acessibilidade, no arquivo.
 Essa visualização permitiu que muitos outros documentos chegassem ao CEMI, oriundos das famílias de ex- professores e ex-alunos, falecidos, que não desejavam desfazer-se do material considerado valioso por quem antes os guardava. Assim o CEMI recebeu cadernos escolares da década de 1930, trabalhos de alunos, livros produzidos por professores, provas escolares, fotos, etc. Foram doados ao CEMI, de 2006 a 2010, os seguintes acervos de professores da instituição: Francisco Mozart do Rego Monteiro, Orminda Isabel Marques e várias ex-alunas. Os arquivos compreendiam: documentos pessoais profissionais manuscritos (a partir de 1916) que incluem as atividades profissionais desenvolvidas no âmbito do magistério e as campanhas em prol do analfabetismo, os elogios funcionais recebidos de Adolfo Bergamini e Anísio Teixeira;  fotos, obra (publicada e “em boneca”, esta última com indicações manuscritas do Prof. Lourenço Filho), trabalhos de alunos; cadernos escolares (1932 a 1935), fotos de formatura, provas escolares (1939 a 1946), livros de memória, etc.
Tinha-se, então, um problema a ser solucionado para que o CEMI pudesse dar certo: a rivalidade dos servidores da instituição. Os funcionários e professores da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEE), servidores a que estava vinculada a instituição até 1997, continuaram trabalhando no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro quando este foi transferido à vinculação da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (SECT), passando a compor a rede de escolas e institutos superiores da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC). Os professores e funcionários da SEE, acreditando que o Instituto fora “tomado” por outra secretaria de estado, inviabilizaram qualquer tentativa de professores e funcionários da FAETEC conhecerem a história e a memória institucional, escondendo documentos e dificultando seu acesso durante longos e penosos anos, o que tem prejudicado, no meu entendimento, a instituição.
            À medida que o CEMI ganhava confiança dos funcionários da Secretaria de Educação como um lugar onde se (res) guardava documentos escolares, foram entregues ao setor apontamentos, em algum momento, descartados por administrações nomeadas pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro,[6] que haviam sido resgatados das caçambas de lixo, por estes funcionários, que os levaram para suas casas de modo a preservá-los por acreditarem ser valiosos.
Também foi feita parceria do CEMI com um site nos Estados Unidos[7], onde as fotos de ex-alunos ali disponibilizadas, também passaram a fazer parte do acervo do CEMI. Desta forma, o CEMI recebeu um grande número de documentos imagéticos, originalmente acervos pessoais, já digitalizados, para o acervo.
            O CEMI nunca teve nenhum financiamento para que pudesse funcionar. Eu não tinha a escolaridade necessária (doutorado), e ainda não a possuo, para habilitar-me a fazer projetos institucionais junto às agências de fomento. Houve uma tentativa, em 2007, de uma professora doutora da UERJ que fez um projeto para restauração de documentos do CEMI que não foi aceito pela direção do ISERJ. Houve, também, uma exposição, em 2009, financiada por agência de fomento, como parte de um Congresso Internacional de História da Educação, no entanto, exceto a exposição de seu acervo, o CEMI não recebeu nada em termos de benesse, nem mesmo restauro de material ou, ainda material para limpeza do acervo.
            Todos os materiais até hoje utilizados no CEMI são aqueles usualmente comprados para a unidade escolar, apesar das especificidades do setor, e/ou foram adquiridos por quem trabalhava no setor. Após minha saída do CEMI, o que ocorreu em janeiro de 2012, a coordenação do Centro de Memória coube a uma bibliotecária contratada; não há mais dias designados e horários de abertura do setor ao público e todos os acessos ao conjunto arquivístico por pesquisadores externos devem ser solicitados burocraticamente, sem data prevista para atendimento.
Ainda que o conjunto arquivístico, de diferentes suportes possibilite novas fontes historiográficas, o que atualmente tem sido objeto da atenção de vários historiadores (SOUZA e VALDEMARIM, 2005; MOGARRO, 2006; MOGARRO e MARTINS, 2010; NUNES, 1992; NUNES e CARVALHO, 1993), desde os Analles, na década de 1990, porque estimulam o olhar diferenciado do pesquisador sobre o indivíduo e suas ações no contexto escolar que o cerca, o rico conjunto arquivístico sobre a formação de professores de uma escola centenária corre o risco de perder-se.

História institucional nos diferentes suportes

A constituição de bibliotecas e de arquivos forneceu, assim, os materiais da história (LE GOFF, 1990, p.10)

A história institucional começa a ser contada no  CEMI em um documento manuscrito de capa vermelha, denominado Acta de Inauguração. A abertura deste livro encadernado é assinada por Benjamin Constant, que também apõe sua assinatura nas demais páginas, no alto à direita, legitimando a escrita. O documento relata que foi destinado a inauguração da Escola Normal da Corte. Nesta ata, datada de 5 de abril de 1880, após um espaço significativo, começam as assinaturas. Assinam a ata Álvaro Joaquim de Oliveira, Antonio Pompeu de A. Cavalcante, José Rodrigues de Azevedo (ilegível), Dr. Arnon Ferreira das Neves Armando, Henrique Valentim (ilegível), Arthur Otto Higgins, Bacharel João José Dias (ilegível), Maria do Carmo de Paula Menezes, Ida Angélica Dunham, Alcina da Motta e Silva, Seraphina Augusta Gonzaga, Maria Carolina Alves de Azevedo, Rosa Paula de Viterbo Pereira, Honorina Gabriella Pereira, Sebastião (ilegível), José Antonio Gomes, Raul d`Ávila Pompéia, Aristides Leonardo Pereira dos Santos, Maria Christina Anderett Corrêa, Maria do Carmo (ilegível) B. de Castro, Antonio Borges de Castro, Thereza Barreto Montebello, Antonio (ilegível), Álvaro Soares d´Andrea, Francisco Ignácio Ferreira, Manoel (ilegível) de Araújo Silva. Curiosamente os demais presentes ao evento não assinam, o que provavelmente fariam no espaço em branco, antes das assinaturas ali apostas.  
Há escrituras que, intencionalmente, forjam a memória de alguém ou de algo, perpetuando, com este registro, aquilo que se acreditava devesse ser lembrado, ou melhor, que não pudesse ser esquecido. O ato de preservação da lembrança não é espontâneo ou inconsciente, mas deliberado para servir a alguém ou um grupo com um fim determinado (POLLACK, 1992). É assim, por exemplo, quando um determinado escrito, ou imagem, estabelece uma memória, o que parece ter acontecido com a Ata de Inauguração da Escola Normal da Corte.
Verificando o livro da Porta, documento manuscrito que identifica, por dia, as matrículas e as turmas a partir do ano de inauguração, encontrei, dentre os alunos, aqueles cuja assinatura constava do Livro de Inauguração. Por outro lado, confrontando este documento com Relatórios da Escola Normal, guardados no Arquivo Nacional brasileiro, pude observar que a ata pode ter sido uma escritura, feita por Benjamin Constant, de modo a deixar, entre os papéis da Escola Normal, um que representasse o evento fundador da instituição, com seu nome associado ao fato. A crítica de um fato histórico resulta da interpretação do historiador e o documento não pode ser encarado apenas como monumento de fatos acabados e findos, merecendo uma análise e confrontações (LE GOFF, 1990), o que fiz muitas vezes, para entender documentos e colocá-los em condições de acessibilidade ao pesquisador, e, com a Ata de Inauguração, em especial.
Esta ata, assim como ofícios, livros de designação de professores, as atas da Congregação e dos exames práticos e outros documentos textuais, permitem que seja possível ao pesquisador adentrar no mundo cotidiano da Escola Normal da Corte, tomar conhecimento de seus conflitos, das discussões e do posicionamento da Congregação de seus professores e invadir, através do Regulamento e do Programa de Ensino, textos impressos, o cotidiano da formação de professores na Escola Normal da Corte. Assim, sobre tal temática, já foram produzidos artigos (SANTOS, 2008, 2008ª; BRAGA, 2010, UEKANE, 2005, 2008) e dissertações (UEKANE, 2009 e SANTOS, 2011a) que tiveram por fonte tais documentos.
Se for desejo, e objeto, do pesquisador, o conhecimento da Escola Normal do Distrito Federal, ofícios, Regulamentos, Portarias, Correspondências do período republicano, desde o Governo Provisório, estão disponíveis para o manuseio e consulta. Eu mesma, em diversos artigos, pude utilizar os documentos textuais do CEMI para contar a história da Escola Normal (COELHO, 2007 e SANTOS, 2008a, 2011a, 2011c).
A criação, em 1932, do Instituto de Educação ensejou, também, um número razoável de pesquisas (LOPES, 2007 e BRAGA, 2009) usando como fontes os documentos manuscritos e impressos, que estabeleceram diferenciadas interpretações sobre a instituição e personagens que dela fizeram parte.
Também à disposição de historiadores um rico acervo documental sobre a Universidade do Distrito Federal (UDF)[8] , apresenta, dentre inúmeros documentos, a formação de professores de Matemática (DASSIE, 2008) na Escola de Ciências, com a atuação relevante do professor Euclides Roxo nesta tarefa e a constituição da Biblioteca universitária, com decisiva influência francesa, o que demonstram os inúmeros relatórios do bibliotecário Gastão Cruls e as doações de mais de 90% das obras ali depositadas obtidas nos catálogos franceses através de sua embaixada no Brasil, seja do Governo em França, seja de instituições e pessoas físicas. (SANTOS, 2012).

A cultura escolar nos arquivos

A preocupação com a problemática da cultura escolar despontou no âmbito de uma viragem dos trabalhos históricos educacionais e de uma aproximação cada vez mais fecunda com a disciplina de história,  seja pelo exercício de  levantamento, organização e ampliação da massa documental a ser utilizada nas análises,  seja pelo acolhimento de protocolos de legitimidade da  narrativa historiográfica. (VIDAL e FARIA FILHO, 2004, p. 139)
        
            As fontes do Centro de Memória Institucional do ISERJ, devido à preservação e acessibilidade do acervo documental até 2012, tem sido uma possibilidade concreta de encontro de fontes, ainda não utilizadas por pesquisadores, para narrativas e ressignificações da memória.
O acervo percorre a história da instituição que já foi Escola Normal da Corte (1880-1889), Escola Normal do Distrito Federal (1890-1932), Instituto de Educação (1932-1960), sede da Universidade do Distrito Federal (1935-1939), Instituto de Educação do Estado da Guanabara (1960-1975), Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1975-1997) e hoje é designado Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1997-...).
Estas fontes têm permitido o estudo acadêmico de pesquisadores e novas descobertas historiográficas. Assim, podemos citar, por exemplo, o uso do cotidiário[9] da Escola Primária de 1932, mostrando as dificuldades cotidianas no recém-instalado Instituto de Educação, dirigido por Lourenço Filho, para implementar o paradigma da Escola Nova (BRAGA, 2008).
            Por outro lado, não apenas os documentos textuais permitem ao pesquisador a imersão em um tempo diferente do seu para fazer uma narrativa plausível. Os documentos magnéticos, os imagéticos, os iconográficos, permitem, neste conjunto arquivístico, dados preciosos que podem, e por vezes até o fazem, suscitar novas ressignificações de modo a criar novos caminhos para a pesquisa historiográfica. Neste caso estão os documentos dos Museus de Equipamentos e Instrumentos Escolares e do de História Natural que já permitiram estabelecer que, no ISERJ, está parte do acervo do Pedagogium (SANTOS, 2012b), até então em lugar desconhecido pela historiografia. (BASTOS, 2002).
 Também os Gabinetes de Física e Química puderam ter a história de sua implantação e financiamento contada em um cruzamento de fontes textuais e iconográficas do CEMI que lançaram luz a ações, até então desconhecidas, do então Ministro de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant Botelho de Magalhães junto a Escola Normal (SANTOS, 2009a).
            Cadernos escolares, provas, carteiras escolares da Escola Primária do Instituto de Educação e da UDF, periódicos de alunos (GRANATO, 2009), tem possibilitado vislumbrar práticas metodológicas e disciplinares, sonhos e expectativas com a difusão do acervo dentre inúmeros pesquisadores de universidades (UERJ, PUC-RJ, UFRJ, Universidade do Texas, Universidade do Porto, UNICAMP, USP, etc.) assim como a incursão em novas fontes de pesquisa, trazendo luz para o cotidiano da escola que durante mais de cento e trinta anos forjou sua cultura escolar nos inúmeros documentos de diferentes suportes abrigados, hoje, no CEMI.

Conclusão
            O CEMI tem possibilitado, durante os quase sete anos de sua existência, que a historiografia que investiga a formação docente na cidade do Rio de Janeiro, possa conhecer, em detalhes ainda a serem investigados, a cultura escolar da Escola Normal da Corte, da Escola Normal da Capital Federal, da Escola Normal do Distrito Federal, do Instituto de Educação, da Universidade do Distrito Federal, do Instituto de Educação do Estado da Guanabara, do Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
            O rico conjunto arquivístico da formação de professores desta instituição, que já ocupou espaços geográficos distintos na cidade do Rio de Janeiro e já foi designada por vários nomes, vem acumulando, desde 1880, uma cultura escolar diferenciada e, até a abertura do CEMI inexpugnável, ou acessível a poucos, que nesta aventura investiam. Estes documentos têm contribuído para, em sendo o CEMI um lugar de memória, no sentido de Nora (1993), tornar acessível a “história que não é mais”(ibidem,p.9).
Assim, o acervo do CEMI, composto de artefatos de diferentes suportes e de documentos textuais, manuscritos e impressos, têm possibilitado novas incursões historiográficas o que, sem dúvida, enriquece e completa  algumas lacunas da história da educação, especialmente no que tange à formação de professores no Rio de Janeiro.
Existe a preocupação com a manutenção do acervo, assim como com sua acessibilidade aos pesquisadores, pois que não há interesse da atual direção da instituição para tal. É, no entanto, com esperança que, tornando público o  rico acervo existente, este possa ser preservado, ainda que pela instituição mantenedora da unidade escolar, que recentemente tem incentivado a abertura de centros de memória nas escolas e institutos superiores da rede da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC).

Referências

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[1] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPEd) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na linha de pesquisa Instituições, Práticas Escolares e História. Mestre em Educação pela UERJ. Criou  e dirigiu o Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, até janeiro de 2012.
[2] Professora Walkyria Lobão Rocha.
[3] Os elevadores da instituição, com todos os componentes importados, fabricados pela Otis Elevator Company, firma americana, foram dos primeiros instalados no Brasil, sendo o primeiro o do Palácio das Laranjeiras, em 1906. Os elevadores instalados na Escola Normal do Distrito Federal em 1927, são anteriores ao do Empire State Building, em Nova Iorque, Estados Unidos da América e da Torre Eifel, em Paris, França.
[5] O blog, desde 2006, tem, até 2012, mais de 50 mil acessos e 395 postagens. (Google Analytics)
[6] Durante as décadas de 1970 a 1980 a instituição ficou abandonada à própria sorte inclusive no que tange à manutenção do prédio histórico tombado que chegou a ser escorado para evitar desmoronamento. Neste período as administrações do Instituto de Educação tinham apenas vínculos políticos sem maiores compromissos com a história e memória institucionais.
[8] Catalogado sob a coordenação do Professor Doutor Bruno Dassie, com um grupo de professores do curso superior do ISERJ.
[9] Livro ou caderno de escrita informal, utilizado para registrar, cotidianamente, fatos ocorridos em um turno ou outro, ou em um setor ou outro, de modo a levar adiante uma dada informação.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Meu Rio.





1817 Rua do Piolho


Rio de muitos nomes, “cidade espelho”, Sebastianópolis, “cidade- mulher”, todas a retratar a sua vocação de receber bem os visitantes. Toda sua história mostra isso. Viajantes que conheceram o mundo aqui ficaram a pintar, a descrever hábitos, a compartilhar amores e admiração. Viessem de qualquer lugar do Brasil ou dos mais recônditos países de que o Atlântico nos separa, aqui ficavam, e a eles devemos, talvez, esse ar cosmopolita de abrigar aos de qualquer lugar do planeta. Dos nossos índios tupi que, divididos em tribos várias,  permitiram que nós herdássemos o bem receber. Quer gente mais simpática que o carioca?
            Mas carioca não é só quem aqui nasceu, como eu, lá pelas bandas das Laranjeiras e me criei no Grajaú. Não, a esse chamamos “carioca da gema”. Por quê? Não sei. Talvez porque nesse “da gema” tenha um nascimento. Será?
            Há algum tempo, com a ditadura, que no Rio se fez muito presente e, infelizmente, mais dura, perdemos nossa autoestima de cidade sede, cidade-estado, cidade-capital. Agora, quando o resto do mundo nos escolhe para sede eventos, outras cidades vão levando alguns, mas, mesmo assim, é do Rio que o estrangeiro fala, é o Rio que o estrangeiro quer conhecer, é  de nossa “princesinha do mar” que ouvem falar, de sua areia branca fofinha...
            Há coisas que o Rio tem que nenhum outro lugar tem. Que lugar tem o carnaval mais bonito do mundo? Que lugar tem o povo mais alegre? Onde se vê tanta alegria e descontração no último dia do ano? Onde a mulher passeia seu gingado milenar só andando? Onde o mar mais azul? Onde montanhas que abraçam a cidade como gente abraça gente? Onde um símbolo maior, o Cristo Redentor, toma conta da cidade e ainda aproveita para desejar boas vindas?
            Hoje, o Rio de Janeiro, faz aniversário. Inauguram um museu, o MAR, beirando as águas da Guanabara. É bonito. Um prédio pós moderno ao lado de outro, com vigas do primeiro decênio do século XX, a uni-los, as ondas que nosso carioca Niemeyer tão bem desenvolveu e perpetuou em sua obra. O Rio gosta de homenagens. É uma cidade vaidosa. Sabem-no bem os que, na rua da Carioca, que já foi rua do Egito e rua dos Piolhos, criada no século XVIII, homenageiam a cidade a cada aniversário.
            Hoje também o carioca, seja o aqui nascido ou o aqui ficado, acertaram com precisão milimétrica o coração de nosso santo padroeiro: fizeram greve dos transportes e ai, o cidadão que precisa trabalhar e já paga um transporte caro e mal conservado, às vezes até com baratas, sofre. Sofre como seu santo protetor. Quem imaginou essa greve hoje não gosta do Rio. Não me digam que foi toda uma categoria, não tenho mais idade para ser enganada por balela e, sou carioca, tenho no DNA o arquétipo de minha cidade que inclui, entre as muitas coisas de sua cultura a boa malandragem que herdei dos habitantes e que não me deixa enganar por coisa pouca. Quem marcou a greve hoje, não é do Rio, não se entregou ao Rio, não ama a cidade.
            Hoje, isso é comum. Cidades há no Brasil que têm inveja do Rio de Janeiro. Aí, tiram nosso dinheiro, que o petróleo de, fazem xixi na rua durante a passagem dos blocos de carnaval, fazem greve no aniversário... Não ligue, minha cidade do Rio de Janeiro! Nós te amamos!
            Feliz aniversário!