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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O Rio de Janeiro da Belle Èpoque na visão do pintor Gustavo Dall'Ara

                                                                          



                                                Gustavo Dall'Ara, Auto-retrato, 1913. MNBA

                                                             
                            Marinha, porto do Caju, Rio de Janeiro, 1905. Col. Fernando de Assis
                                
             
          As visões do Brasil, no século XIX, estavam intimamente relacionadas com o desenvolvimento técnico e científico ocorrido durante o século anterior no Velho Mundo. Tudo influenciou na imagem europeia do Brasil e da América: interesses econômicos e filosóficos, a busca pelo exótico, os estudos científicos, a insatisfação e a procura por algo diferente. Assim, define Sergio Buarque de Hollanda (1985), o Brasil do oitocentos:

ora como algo de vago e confuso, ora como a Terra da Promissão, ora como a sucursal do Inferno, como um Paraíso da natureza, como um excelente lugar para investimentos comerciais, como o centro das esperanças europeias ou como uma terra de vagabundos e bandidos – quando não como simples objeto de curiosidade – era que o Brasil tomava seu lugar entre as nações independentes. Um traço, porém, ligava todas estas imagens: a certeza de enormes possibilidades materiais do país, projetando-o como uma importante nação do futuro (p. 63).

                                                                                
                                  A  ronda da favela, Rio de Janeiro, s/ano Col. Sahione Fadel


                           Casario em Santa Tereza, Rio de Janeiro, s/ano Col. Agnaldo de Oliveira


Os viajantes que percorriam o vasto brasileiro, fossem eles naturalistas ou não, contribuíram, por meio de suas narrativas, fotos, pinturas e mapas para o conhecimento e estudos do Brasil do século XIX. Esse olhar sobre o país, levado à Europa, saciava o exótico que os europeus queriam conhecer. porque o material da  viagem era objeto tanto de exposição – pública ou privada –, como de pesquisa científica. No final do oitocentos e início do século XX, mostra-se nas pinturas e retratos, também uma modernidade tropical que retrata, ao mesmo tempo, o velho e o novo que tentam, de uma forma inusitada, mostrar a transição da colônia/império para o Brasil república.


                            Favela. Rio de Janeiro, 1917.  Col César Bertazzoni


            Como um repórter de seu tempo, Gustavo Dall’Ara empresta sua visão realista para tudo que lhe atraía na cidade. Lavadeiras em suas lidas, ruas e praças com seu ir e vir de pedestres, bondes, carroças e tudo mais que por elas passasse. Quando fazia esboços ao ar livre, seu trabalho adquiria uma linguagem bem impressionista, como mostra a imagem abaixo. Nesses momentos, de menor formalismo, e sem o rigor fotográfico que desejava em suas cenas, sensações atmosféricas como brumas e sombras brilhantes, ganham muito mais vigor em sua obra.



                          Largo de São Francisco de Paulo, depois da chuva. Rio de Janeiro,s/ano
                                                                     Col. Ronaldo do Valle


 Praia do Flamengo, Rio de Janeiro, 1917 - Col. José Carlos Bruzzi Castello


                               Rua 1º de março. Rio de Janeiro 1915  Col. Itaucultural

Ao mesmo tempo em que sua obra é quase um retrato do cotidiano do Rio, percebe-se em alguns momentos, uma cidade em transição, com os automóveis substituindo as charretes e os bondes, e as pessoas naturalmente entrosadas com tudo isso. Cenas que lembram muito a Paris de Cortês[1] e Galien Laloue[2], salvas as características arquitetônicas de cada uma. Fica a sensação de que, pelo menos nesses momentos, o olhar de um estrangeiro com olhar da modernidade parisiense tenha pesado em algumas de suas composições.

                  Rua Dom Manuel. Rio de Janeiro, s/ano.  Museu Histórico Nacional

                                 Rua com aguadeiros. Rio de Janeiro s/ano.  Col.  Jean Beghici


                                    Glória, 1907.Rio de Janeiro. Col. Itaucultural


Esse magnífico pintor pintor de cores vivas estudou na Academia de Belas Artes de Veneza com os pintores Villa e Franco Dall'Andrea, entre 1882 e 1883. Estreou na Exposição Nacional de Veneza de 1887. Por motivos de saúde, transferiu-se, em 1890, para o Rio de Janeiro, onde primeiramente trabalhou como chargista e ilustrador na revista ilustrada Vida Fluminense[3].   Na Exposição Geral de Belas Artes[4], conquistou medalha de prata de segunda classe, em 1901, e grande medalha de prata, em 1913. Sua obra figurou nas exposições  mais contemporâneas, organizadas pelo Museu Nacional de Belas Artes: Auto-Retratos (1944), Retrospectiva da Pintura no Brasil (1948) e 150 Anos de Pintura de Marinha na História da Arte Brasileira (1982). Em 1992, uma paisagem de sua autoria (óleo s/ tela, 1914) integrou a mostra “Natureza: Quatro Séculos de Arte no Brasil”, no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro. Sobre a vida do pintor no Rio de Janeiro escreveu Raul Pederneiras: "Gustavo Dall'Ara, veneziano aqui ficou revelado como pintor da cidade, que ele interpretou com maestria, apreciando e sentindo as águas, os montes e o casario de uma forma encantadora."


[1] Édouard Léon Cortès (1882-1969). A arte de Édouard era serena, parecendo estar viva diante dos olhos e  coloridamente significativa. Para ele, importava capturar as ruas, as cores, o espírito parisiense. Era a Paris de todos os dias, através dos olhos.
[2] Eugène Galien-Laloue, (1854-1941) foi um francês de descendência franco- italiana que nasceu em Paris.Era um popularizador de cenas de rua, normalmente pintados no outono ou inverno. Suas pinturas, dos anos 1900, representam a época em que ele viveu: a animada Paris da Belle Époque , com carros puxados por cavalos e bondes e seus primeiros autocarros.
[3] A revista ilustrada A Vida Fluminense foi lançada, na corte, no dia 4 de janeiro de 1868, em continuidade a O Arlequim, que, por sua vez, sucedera ao Bazar Volante (1863), criado pelo desenhista francês Joseph Mil. Editada por Augusto de Castro e Antônio de Almeida, este último padrasto do grande Ângelo Agostini, que também participaria da sociedade tão logo chegou de São Paulo
[4] As primeiras exposições de artes plásticas no Brasil ocorreram em 1829 e 1830, organizadas pelo pintor Jean Baptiste Debret, integrante da Missão Artística Francesa e professor da Academia Imperial de Belas Artes. Eram mostras restritas aos alunos e professores da instituição e se interromperam quando do retorno de Debret à Europa, em 1831. Somente em 1840, por inciativa de Félix Émile Taunay, novas mostras de artes plásticas foram instituídas, através da criação das Exposições Gerais, onde os artistas participantes não necessitavam mais estar vinculados (enquanto alunos ou professores) à Academia Imperial. Mesmo com a Proclamação da República, em 1889, as Exposições Gerais continuaram a ser realizadas, apesar de a Academia Imperial ter se udado seua designação para Escola Nacional de Belas Artes. 







quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Pesquisando a Casa de Paulo Robin dirigida por G. Klumb



Procissão do Corpo de Deus, Igreja do Carmo



Pesquisando fotografias que vi na Brasiliana, descobri uma casa comercial alí citada como Casa de Paulo Robin, e litografias lindas da cidade do Rio de Janeiro, tiradas por G. Klumb, que não conhecia. Curiosa, fui pesquisar (tudo na História do Rio me interessa!) e descobri, então, a Lithographia e Zincographia Artística e Commercial, citada no Almanak Laèmmert como  

Paulo Robin & C., premiados em diversas exposições, r. da assembleia, 44 e 46 Lithogrphia artística ecomercial, especialidade de  chromolithografia, mapas geográficos, ações de companhias, letras de câmbios, diplomas de sociedades, etc., etc.



            Fui verificar se havia bibliografia acadêmica específica sobre Klum, ou Paulo Robin. Quem eram? De onde vieram? Descobri que são citados em pesquisas sobre imagens, mas queria saber um pouco mais, além, apenas, das citações. Passo a pesquisa[1]. Adorei!. Deliciem-se!
            Estima-se que o francês Paul Théodore Robin (-1897) tenha chegado  ao Rio de Janeiro em 1853-1854, já com experiência litográfica, pois logo à chegada formou a sociedade Alfredo Martinet & Paulo Robin, com litografia na Rua da Ajuda, 113, que durou poucos meses. Em 1860, Robin já aparece no Laèmmert com ateliê de “fotografia e ambrotipia” na Rua dos Ourives, 117, primeiro andar, uma sociedade Maupoint & Robin, uma prática que iria beneficiá-lo futuramente, quando montasse sua própria oficina de fotogravador. A sociedade com Maupoint também pouco durou, cerca de um ano. Em 1862 já possuía seu próprio ateliê fotográfica, estabelecido à Rua São José, 94 e 96, a “Officina de Paulo Robin, dirigida por Henrique Klumb”. Em 1875, a firma se modifica passando a denominar-se Angelo & Robin, sendo o sócio principal Angelo Agostini, litógrafo italiano.

Passeio Público. Atente que a foto é anterior aos melhoramentos de Pereira Passos, no início do século eguinte.

Igreja de São Francisco da Penitência



Revert Henrique Klumb (Alemanha, 1830 - 1886) foi fotógrafo. Não se conhece o ano da chegada ao Brasil[2], mas sabe-se que se instala no Rio de Janeiro em 1852. Entre 1855 e 1862, realiza diversas vistas estereoscópicas da capital imperial e é, provavelmente, o introdutor desse processo no país. Em 1860, é condecorado com uma menção honrosa na 14ª Exposição Geral de Belas Artes da Academia Imperial de Belas Artes. No ano seguinte, documenta a inauguração da primeira estrada de rodagem brasileira, a União-Indústria, ligando Petrópolis, no Rio de Janeiro, à cidade mineira Juiz de Fora. Klumb obteve o título de Photographo da Casa Imperial no Rio de Janeiro, o que proporcionou ao estabelecimento de Robin grande reconhecimento aproveitado em suas propagandas. [3] Klum foi autor do livro de fotografias Doze Horas em Diligência: Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, o que possibilitou ser um dos pioneiros da edição de livros de fotografia no Brasil. A partir de 1866, ao mudar-se para Petrópolis, torna-se instrutor de fotografia de D. Isabel do Brasil (1846-1921), em Petrópolis. Além de retratar uma clientela nobre, Klumb é conhecido pelas paisagens e por registrar plantas, aves e naturezas-mortas, temas pouco comuns na fotografia oitocentista. Publica, em 1872, Doze Horas em Diligência. Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, um dos primeiros livros de fotografia editados no Brasil, com textos e fotos de sua autoria. Entre 1860 e 1870, mantém sociedade com Paul T. Robin no estabelecimento Photographia Brazileira. Por volta de 1885, muda-se para Paris com a família, mas, no ano seguinte, devido a problemas financeiros, solicita passagens de volta ao Brasil à Imperatriz dona Teresa Cristina (1822-1889) ainda que a passagem lhe tenha sido encaminhada, não se sabe se foi para Salvador, com pretendia, ou se permaneceu na Europa.
Klumb foi o primeiro fotógrafo a documentar a paisagem carioca de maneira ampla e sistemática. Possivelmente entre 1855 e 1862, realiza cerca de 200 imagens estereoscópicas mostrando a capital do império ainda com feições coloniais. Registrou o Passeio Público antes da reforma iniciada em 1862, a Floresta da Tijuca, o Jardim Botânico, edifícios públicos, monumentos históricos, vistas gerais da cidade e cenas urbanas com o movimento das ruas. As fotos que aqui publico são, todas, do período 1865-1867.
As imagens panorâmicas feitas por Klumb do alto dos morros, lembram o caráter descritivo da pintura holandesa do século XVII. No Passeio Público e no Jardim Botânico, a figura humana está quase sempre presente, apresentada de maneira diminuta em relação à exuberância da flora. Outros temas enfocados por Klumb o singularizam em relação à fotografia oitocentista brasileira: por volta de 1860, ele retrata lavadeiras na Floresta da Tijuca e registra uma procissão em frente à capela imperial, o que demonstra seu interesse pelo cotidiano da cidade. Fotografou também,aves e plantas nos jardins da residência da princesa Isabel (1846-1921), naturezas-mortas e, por encomenda do imperador dom Pedro II (1825-1891), os interiores do Palácio de São Cristóvão.


Interior do Hospital da Marinha, Ilha das Cobras

Fachada da Usina de Gaz
 
Canal do Aterrado, Morro Santos Rodrigues. Caixa D'Água

Embarcadouro da cia. Ferry, Cais Pharoux


Igreja de São Francisco da Penitência


 
Escola Militar, Largo de São Francisco






[1] Ler FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e Letra - Introdução à Bibliografia Brasileira: A Imagem Gravada. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 1994, pp. 398-399. As fotos de Klumb fazem parte do acervo Tereza Cristina da BN.
[2] Era muito comuns que os viajantes estrangeiros, que visitavam o Brasil  retratassem a exuberante flora e fauna, os costumes, etc..
[3] Além dele, Germano Wahnschaffe e Augusto Stahl também receberam esse título.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Uma casa de fotografias quase desconhecida, a Casa Leuzinger




 Tivemos, no Rio de Janeiro, a fotografia na época chamada de daguerreotipia, no ano seguinte à apresentação do invento na Exposição Universal de 1839. A maioria dos "fotógrafos", inclusive uma mulher, Henriqueta Arms, que atendia à Rua dos Latoeiros (atual rua Gonçalves Dias), número 83, estabeleceu-se na Corte, no centro da cidade, outros, viajaram pelo Brasil. Um desses "fotógrafos" estabelecidos na Corte, e também editor, foi George Leuzinger, de que aqui me ocupo.



George Leuzinger, 1863. Fonte: Acervo IMS



A Casa Leuzinger foi criada, em 1840, pelo fotógrafo sueco George Leuzinger (1813-1892) Funcionou como papelaria, a princípio e posteriormente como oficina de gravura, tipografia e litografia, e onde, a partir da metade da década de 1860, é instalado um ateliê fotográfico. A Casa foi referência em artes gráficas, impressão e divulgação de gravuras e fotografias pois, além de produzir suas próprias imagens, o estabelecimento comercializava obras de fotógrafos como Marc Ferrez (1843-1923) e Albert Frisch (c. 1840-c. 1905), dentre outros.
Em 1845, a Casa Leuzinger publicou o “Panorama circular da baía de Guanabara”, em 6 partes, com litografias do francês Alfred Martinet[1]. São as primeiras estampas editadas pela Casa. Leuzinger editou também vários jornais em alemão redigidos, segundo Ernesto Senna em “O velho commercio do Rio de Janeiro”, de 1908, “por alguns revolucionários e socialistas que a revolução de 1848 havia feito fugir da Europa”. Ainda, segundo este autor, a Casa  Leuzinger encarregou alguns desses forasteiros, que muitas vezes eram também artistas, de produzir imagens do Brasil e de seus costumes populares. Essas imagens eram vendidas na Casa Leuzinger a estrangeiros que passavam pelo Brasil.


Aqueduto da Carioca , 1865 Leuzinger. Fonte: Brasiliana

Aléa das palmeiras, Jardim Botânico, 1865 Leuzinger
Fonte: Brasiliana



A seção de fotografia da  Casa Leuzinger foi, provavelmente, dirigida por Franz Keller-Leuzinger (1835-1890), que era casado com uma das filhas de Leuzinger, Sabine Christine. Leuzinger foi considerado por Pedro Vasquez[2], “o primeiro marchand de fotografias do Brasil. Isso no sentido de distribuidor de fotografias e não no sentido moderno que damos ao termo, de galerista”.
Acredita-se que o jovem Marc Ferrez (1843-1923) recebeu seus primeiros ensinamentos de fotografia de Franz Keller, na Casa Leuzinger. Dois anos depois, em 1867,o trabalho do ateliê fotográfico de Leuzinger ganhou Menção Honrosa na Exposição Universal de Paris, com um panorama tomado da ilha das Cobras. É a primeira premiação internacional do Brasil em fotografia. Apresentou também fotos de indígenas tiradas pelo alemão Albert Frisch (1840-c. 1905),  que havia viajado com Keller para o Amazonas.






O “Catálogo da Exposição de História do Brasil”, especialmente editado por Leuzinger para o evento, realizado entre 1881 e 1882, pela Biblioteca Nacional, foi considerado pelo historiador José Honório Rodrigues (1913-1987) “o maior monumento bibliográfico da história do Brasil até hoje erguido”.


[1] Joseph Alfred Martinet (1821 – 1875) dedicou-se à paisagem e ao retrato. Gilberto Freyre indica ter o fotógrafo chegado ao Rio de Janeiro em 1841, vindo do Havre, França, indo trabalhar na oficina litográfica de Heaton & Rensburg e na editora dos irmãos Eduardo e Henrique Laemmert. Para Ferrez, Martinet foi o “melhor litógrafo que por aqui passou." (Apud RIBEIRO, Monike Garcia, O prazer do percurso, Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro).
[2] Pedro Vasquez nasceu no Rio de Janeiro em 1954. Fotógrafo, historiador, curador e professor. Viveu em Paris entre 1974 e 1979  na cidade, forma-se em cinema pela Sorbonne e publicou seu primeiro trabalho como fotógrafo-autor: "A la Recherche de l'El-dourado". Pedro Vasquez destaca-se pelas pesquisas no campo da fotografia realizada no Brasil no século XIX.