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Conjunto arquivístico do Centro de Memória Institucional: fontes e objetos para o estudo da cultura escolar da formação de professores (1880-1980)



Conjunto arquivístico do Centro de Memória Institucional:
fontes e objetos para o estudo da cultura escolar da formação de professores
(1880-1980)[1]

Heloisa Helena Meirelles dos Santos[2]
UERJ[3]
helohmei@gmail.com
Resumo Expandido


Este artigo pretende apresentar possibilidades de investigação da cultura escolar da formação de professores públicos na cidade do Rio de Janeiro, no acervo arquivístico do Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). O acervo é constituído de um século de documentos ali depositados, desde a criação da Escola Normal da Corte, em 1880. Vários são os historiadores da educação a utilizarem fontes oriundas dos arquivos escolares que, por entre papéis, artefatos e outros suportes diversificados apresentam o cotidiano das escolas, o fazer diário de atores, com uma identidade própria carregada de historicidade (MOGARRO, 2005, p.73), que se apropria e se relaciona num microcosmo da sociedade, numa alternância de disciplinas escolares, a criar cultura (CHERVEL,1988). Concebido como espaço de pesquisa e memória onde novas e diferentes fontes tornam-se visíveis, possibilitando a compreensão de muitos aspectos do cotidiano que, por vezes passam despercebidos, este trabalho busca dar visibilidade a documentos do CEMI que revelam de algum modo a cultura escolar. A investigação parte da premissa que artefatos de qualquer suporte, são passíveis de contar uma história e revisitar a memória, revelando processos e atores que as constituem e formalizam (POLLAK, 1989). O acervo encontrava-se disperso em diferentes e variadas salas do prédio do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. A partir de 2005 foi recolhido ao Centro de Memória Institucional (CEMI) que passou a reunir, catalogar e difundir o arquivo para pesquisadores. Esses documentos permitem a pesquisa de aspetos cada vez mais valorizados pela historiografia da educação. O acervo documental  da formação de professores existia, dentre os locais onde se sabia, numa sala da Secretaria Geral da instituição, para alguns poucos pesquisadores que faziam esta solicitação burocraticamente. Eram inúmeros documentos textuais distribuídos em armários de aço, caixas de diferentes tipos e tamanhos, oriundas do fornecimento de merenda e papel, até dezembro de 2005. Os pesquisadores que se aventuraram à pesquisa, antes deste período de criação do CEMI, conviveram com insetos, ratos, poeira e muita desorganização, o que os obrigou a desbravar a montanha de documentos textuais empoeirados para, heroicamente, escrever sobre a formação de professores. Os itens  iconográficos se encontravam intocáveis, em grandes armários de vidrarias; em mapotecas com pranchas murais, mapas  e projetos de reforma; e  em uma sala fechada, e inacessível por cerca de trinta anos, do Laboratório de Química, pelo que era sabido. O Museu de História Natural,  outra parte deste item, ocupava uma sala inteira cercada de armários de jacarandá espelhados por vidro bisotado. Mostrava, além de gavetas e armários agora vazios com pouquíssimos minerais, coleções em caixas de madeira  com espécimes reconhecidos através de etiquetas meticulosamente manuscritas a nanquim. No local, ainda, esculturas em gesso e animais de grande, médio e pequeno porte taxidermizados em algum momento da história institucional,  visíveis em grandes armários-mostruário. Ao lado deles, espécimes de borboletas, esqueletos articulados e muitos outros artefatos além de vidros com formol contendo sapos, lagartos e demais espécimes da fauna brasileira. A criação do Centro de Memória Institucional obedeceu a uma iniciativa individual de desejar preservar a história do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, que foi apoiada integralmente pela Direção da instituição naquele momento que, não só instalou o CEMI, como o transformou em um setor institucional. Na verdade, ao ser criado, o Centro de Memória Institucional recebeu não só os arquivos de vários setores. Recebeu, também, papéis e objetos recolhidos das caçambas de lixo do ISERJ, ao longo dos anos, por funcionários e professores da escola que os levaram para suas casas, no intuito de proteger algo por eles considerado de importância. Também para o CEMI foram encaminhados, por parte de servidores, ex- alunos e ex-professores, material  por eles utilizado no dia a dia escolar: cadernos, provas, trabalhos e fotos de alunos, uniformes com seus itens de adorno (abotoaduras e placas)... O acervo foi organizado, acessibilizado e difundido pela internet, em site e blog, originando várias monografias, dissertações e teses em universidades do Brasil e exterior durante os seis anos de sua existência. O conjunto arquivístico do CEMI para o estudo da formação de professores se caracteriza não só pela metodologia que emprega, ao dividir o acervo pelas diferentes fases por que passou a instituição, o que demonstra as diferentes políticas públicas, como pela proximidade e interação de fontes de diferentes suportes. O Museu de Equipamentos e Instrumentos Escolares e o Museu de História Natural, que compõem o Centro de Memória Institucional, facilitam e ampliam a integração entre suportes, em um profícuo diálogo que interessa ao investigador. A biblioteca de livros raros há alguns poucos anos incorporada ao acervo, amplia este conjunto, viabilizando o resultado impresso da experiência educativa: os livros produzidos por professores da escola ao longo da história institucional. Assim, estão lado a lado, por exemplo, a ata de criação da Escola Normal da Corte referendada por Benjamin Constant Botelho de Magalhães e pranchas murais cartonadas do século XIX, produzidas pela Deyrolle para as crianças pequenas; os esqueletos articulados produzidos pela mesma empresa, muito tempo depois, já então designada Les Fils d’Èmile Deyrolle e o livro de 1954, de Balthazar da Silveira, que apresenta uma discussão entre professores sobre alterações no programa de História Natural; as notas fiscais, no Livro das 3ª Vias de Notas, indicando que tipo de carteira se mandava fazer na empresa Móveis e Colchoaria de Bernardino José da Silva, à Rua d’Alfândega, 88, em fevereiro de 1888, ou na Marcenaria e Carpintaria Ernest Dumesnil, à Rua da Ajuda 15, em 1890, para que os futuros professores assistissem aulas na Escola Normal; o Regulamento da Escola Normal que especificava os deveres dos discentes, inclusive e principalmente, no aspeto disciplinar. As vidrarias dos gabinetes de Física e Química permitem se analisadas com o inventário de criação destes, em 1890, cotejar o material comprado na Europa para a instalação dos Gabinetes na Escola Normal. Os ofícios de 1890 possibilitam verificar os meios governamentais colocados à disposição da Escola Normal por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ex- diretor por cinco anos e professor mais antigo dessa instituição, para viabilizar a modernidade republicana através da criação dos gabinetes destas Cadeiras. Os livros de designação (1881-1889 e 1900 - 1910) retratam os docentes e funcionários da Escola Normal, indicando não só seus nomes como as turmas que regeram a cada ano, suas licenças e férias e até seu salário. Mostram também as épocas de grandes indicações políticas que, pela quantidade de professores listados no mesmo período, instigam hipóteses de que eles sequer tenham ali lecionado, pondo em xeque uma memória enquadrada (POLLAK, 1898, p.9). Periódicos de alunos, por exemplo, desvendam as esperanças e anseios das normalistas dos anos de 1930 ou 1960 não só quanto ao seu futuro como às aspirações com a “cívica tarefa” de civilizar e educar o pequenino. Os livros dos professores os apresentam referendados pela posição que ocupavam institucionalmente e a forma de ensinar, o que se acreditava devesse ser apreendido em diferentes temporalidades, para ser posteriormente ensinado, pelas futuras professoras. As pequenas mesas redondas de quatro cadeiras, usadas na Escola de Professores na década de 1930, complementadas pela gravura do livro  Instituto de Educação do Distrito Federal, de Francisco Venâncio Filho (1945) são fontes importantes para contextualização das práticas escolares e  disciplinas ali desenvolvidas. A esse mobiliário, juntam-se as cadeiras universitárias da Universidade do Distrito Federal (UDF), com assento individual e espaço para o tinteiro, mas extremamente pesadas o que, certamente, inviabilizava seu deslocamento. Há muito a fazer em termos de acessibilidade, no que tange ao arquivo escolar do ISERJ sob a guarda do CEMI, o que recente parceria extensionista das universidades locais deve minimizar. Por outro lado tentativas vêm sendo feitas no sentido de restaurar o arquivo textual danificado. No entanto o acervo tem sido utilizado, há seis anos, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros de várias instituições e desta forma, cumprido seu papel de reconstituir, em diferentes temporalidades, os fazeres e a cultura da formação de professores, sem financiamento público ou privado. Manter os acervos arquivísticos dentro dos espaços que o geraram, financiando-os para preservá-los, não é, ainda, objeto de discussão dos historiadores, embora a historiografia da educação privilegie suas fontes e objetos. Mas é uma questão relevante a ser discutida.

Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Formação de professores. Cultura escolar.

Referências
CHERVEL, André. L’histoire des disciplines scolaires : Réflexions sur un domaine de recherche Paris: Histoire de L’educacion, n. 38, 1988, p. 59-119.
                                                          
MOGARRO, Maria João. (2006). Arquivo e Educação. A construção da memória educativa. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 1, pp. 7184 Disponível em http://sisifo.fpce.ul.pt Acesso em 09/09/2011

POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro vol. 2. nº 3, 1989, p. 3-15
                                                


[1]Resumo expandido de artigo apresentado no IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Lisboa, Portugal: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, julho/2012
[2] Criou o Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Recebeu moção de relevantes serviços prestados à memória do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
[3] Doutoranda em Educação na linha de pesquisa Instituição, Práticas Educativas e História, orientanda da Profª Drª Ana Chrystina Venâncio Mignot no Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPED) da UERJ. 

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