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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Ruas do Rio

João do Rio


            João do Rio, nosso maior cronista da alma da cidade do Rio de Janeiro, em 1908 já proclamava que “a rua nasce como o homem, do silêncio, do espasmo[1]”, porque:

A rua faz as celebridades e as revoltas, a rua criou um tipo universal, tipo que vive em cada aspecto urbano, em cada detalhe, em cada praça, tipo diabólico que tem dos gnomos e dos silfos das florestas, tipo proteiforme, feito de risos e de lágrimas, de patifarias e de crimes irresponsáveis, de abandono e de inédita filosofia, tipo esquisito e ambíguo com saltos de felino e risos de navalha, o prodígio de uma criança mais sabida e cética que os velhos de setenta invernos, mas cuja ingenuidade é perpétua, voz que dá o apelido fatal aos potentados e nunca teve preocupações, criatura que pede como se fosse natural pedir, aclama sem interesse, e pode rir, francamente, depois de ter conhecido  todos os males da cidade, poeira d’ouro que se faz lama e torna a ser poeira — a rua criou o garoto!
Essas qualidades nós as conhecemos vagamente. Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes — a arte de flanar.

            E flanando pelas ruas, através de ótimas publicações que li[2], nos meus estudos sobre o Rio de Janeiro, descobri algumas curiosidades sobre o nome de ruas de nossa cidade, do excelente trabalho de pesquisa de Paulo Berger, que compartilho com vocês.

Engenheiro André Rebouças

Avenida Beira-Mar

            Conta-nos Berger que foi o Engenheiro André Pinto Rebouças[3] que teve a ideia de construir uma avenida entre o Passeio Público a Praia da Saudade (hoje ocupada pelo Iate Clube do Rio de Janeiro), à beira mar, por volta de 1870. Porém, somente na administração do Prefeito do Distrito Federal Henrique Valadares[4], por iniciativa do Dr. Luís Rafael Vieira Souto[5], Diretor Geral das Obras Municipais, começou a ser construída a Avenida Beira-Mar, interrompida em 1894 quando ambos deixaram a Prefeitura do Distrito Federal. O reinício das obras ocorre somente em 1904, na administração do Prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos. Foi inaugurada em 12 de novembro de 1906 com o seguinte traçado: ia do começo da Avenida Rio Branco, do Obelisco[6], até o final da Praia do Mourisco, com 5.200 metros de extensão. Atualmente possui diferentes denominações de acordo com sua localização.

Rua Pedro Américo, com pedreira ao fundo, em 1906. Foto de Augusto Malta

Rua Bento Lisboa

            Teve as seguintes denominações: Rua do Quintanilha, Rua da Pedreira da Candelária e Rua Conselheiro Bento Lisboa[7]. Logo que foi aberta ao trânsito público foi denominada Quintanilha por atravessar as terras de Salvador Alves Correia Quintanilha, posteriormente vendidas a Bernardo de Sousa Castro e Francisco Marques Lisboa. Passou a denominar-se Pedreira da Candelária por ali[8] localizar-se a pedreira que forneceu o material para a construção da Igreja da Candelária[9].

Rua do Catete
            Provavelmente pensa você que a denominação deve-se ao palácio. Não. A rua assim é chamada por ter-se ali localizado a ponte sobre o rio Catete, mandada construir por Antônio Salema[10].

Princesa Carlota Joaquina


Rua Correia Dutra
            Aberta a via em 1808, recebe a denominação de Rua da Princesa em homenagem à Carlota Joaquina[11], esposa de D. João, recém-chegada ao solo carioca. Algum tempo depois, passa a chamar-se Rua Bela Princesa ou Rua Princesa do Catete, provavelmente para diferenciar de rua com o mesmo nome, em Cajueiros[12]. Trecho deste logradouro que ia da praia à rua do Catete teve o nome alterado para rua, ou caminho, do Valdetaro, pois que fora aberta em terras de Manuel José Valdetaro.. Abrindo-se posteriormente o trecho que ligava a rua do Catete a rua Bento Lisboa, o trecho recebe o nome rua nova do João Cunha porque atravessa propriedade de João da Cunha Barbosa. A seguir recebe a via a designação de rua Nunes Machado, em homenagem da Intendência ao desembargador Joaquim Nunes Machado[13]. Cerca de sessenta anos depois recebe o nome de Rua Doutor Correia Dutra, simplificada pelo Decreto Municipal 1165 de 31/10/1917 para Correia Dutra[14].



            Nossa cidade teve, e tem, muitas ruas, e ao passarmos por elas, cotidianamente, não sabemos que cada uma delas conta uma história, a História da cidade, na lembrança das homenagens que a cidade quis deixar registrada nos nomes de suas ruas; a perspicácia, sempre, de sua população para um estabelecimento comercial, para um aspecto geográfico ou arquitetônico e até para os donos das terras que a Prefeitura, ou o governo imperial, tornava públicas. Você sabe quem é o homenageado da rua em que mora?




[2] BERGER, Paulo. Dicionário Histórico das Ruas de Botafogo IV Região Administrativa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987 e BERGER, Paulo. Dicionário Histórico das Ruas do Rio de Janeiro da Glória ao Cosme Velho. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1989

[3] Nasceu em Cachoeira, Bahia em  13 de janeiro de 1838, filho de Carolina Pinto Rebouças e do jurista e político Antônio Pereira Rebouças. Matriculado na Escola Militar, depois Escola Politécnica, em 1857, tornou-se 2º tenente do corpo de engenheiros e recebeu o grau de bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, em 1859. Em 1860, recebeu o grau de engenheiro militar. Em 1880, fez parte da campanha abolicionista, tendo participado da Confederação Abolicionista e da criação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e redigido os estatutos da Associação Central Emancipadora. Lecionou na Escola Politécnica. Monarquista, embarca para a Europa com a família imperial. Em Lisboa foi correspondente do The Times, foi  viver inicialmente em Angola e depois na Ilha da Madeira(Funchal), onde se matou em 9 de maio de 1898. Foi responsável por introduzir no Brasil novas técnicas de engenharia, inclusive o uso do concreto armado, que empregou em uma ponte em Piracicaba, em 1875, da qual foi o responsável. (CARVALHO, Maria Alic;e Rezende de. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: Revan/Iuperj, 1998

[4] Henrique Valadares (1852-1903) nasceu no Piauí. Era engenheiro militar. Foi nomeado prefeito do Distrito Federal 1893, pelo Presidente Floriano Peixoto (1891-1894). Deixa o cargo em dezembro de 1894.(Ver OLIVEIRA REIS, José de. O Rio de Janeiro e seus prefeitos, evolução urbanística da cidade. vol.3. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, s/d)

[5] Luiz Raphael Vieira Souto, engenheiro militar, viveu no Rio de Janeiro entre 1849 e 1922. Filho de Luiz Honório Vieira Souto e de Francisca de Paula Cunha, casado com D. Carlota Souto de Andrada Vandelli. Foi professor da Escola Politécnica. Foi Diretor de Obras da Prefeitura, participando entre outras, das obras do desmonte do Morro do Castelo. Preocupado com as habitações populares, considerava-as como local de focos epidêmicos. (Ver MOREIRA, Heloi José Fernandes e SANTOS, Nadja Paraense dos.  Luiz Raphael Vieira Souto: Um centralista enciclopédico. Disponível em http://www.hcte.ufrj.br/downloads/sh/sh3/trabalhos/heloi2.pdf

[6] O obelisco é uma construção comemorativa constituído de um pilar de pedra, em forma quadrangular alongada, que se afunilado em direção a sua parte mais alta. O obelisco comemorativo da abertura da Avenida Central foi construído pela firma A. Jannuzzi, Irmão & Cia. medindo 18 metros e 15 centímetros de altura. É feito de granito extraído do Morro da Viúva e tem 27 toneladas de peso. Tem quatro peças nas faces com s inscrições: “Sendo Presidente da República s. ex., o Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves e Ministro da Viação o Sr. Dr. Lauro Severiano Müller, foi decretada, construída e inaugurada a Avenida Central, executando os trabalhos uma comissão de que era chefe o Dr. Paulo de Frontin – 14-11-1906”, “8 de março de 1904, data do inicio das obras”, “15 de novembro de 1906”.(Ver s/autor. Monumentos da Cidade. Reportagens publicadas pelo Diário de Notícias. Rio de Janeiro: S.A. Diário de Notícias, 1946, p. 229-230)

[7] Bento Luís de Oliveira Lisboa, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, foi promotor público, magistrado(juiz da Corte de Apelação e Ministro do Supremo Tribunal de Justiça) e político(deputado estadual, presidente de província).
[8] No Morro da Sintra (antes do morro do Barro Vermelho). Pertencia à Irmandade do Sacramento. (Ver ALMEIDA, Soraya e PORTO JÚNIOR, Rubem. Cantarias e pedreiras históricas do Rio de Janeiro. TERRÆ DIDATICA 8(1):3-23, 2012 pp. 3-23)

[9] A igreja da Candelária, diferente arquitetonicamente, da que hoje conhecemos, teve sua construção iniciada ainda no século XVI, diz-se que fruto da promessa feita Antonio Martins da Palma e sua esposa Leonor Gonçalves, ainda no século 17. Em meio a uma viagem de navio para o Rio de Janeiro, o casal se viu diante de uma forte tempestade que quase devastou a embarcação. Devotos de Nossa Senhora da Candelária, prometeram que erguiriam uma igreja em seu louvor, caso chegassem sãos e salvos a seu destino. Tendo o casal sobrevivido à tempestade, construíram uma pequena capela na Praça Pio XI, inaugurada em 18 de agosto de 1634, e que seria a origem da atual Candelária. Em 1775, devido à má conservação da igrejinha, decidiu-se pela construção de um novo templo. O sargento-mor Francisco João Roscio, engenheiro militar português, desenhou a nova igreja. As obras começaram em 1775, utilizando-se de pedra extraída da Pedreira da Candelária, no Morro da Nova Sintra, no bairro do Catete. A inauguração, com a igreja ainda inacabada, ocorreu em 1811, em presença do príncipe-regente dom João. A igreja tinha, nesse momento, uma só nave. Os altares do interior da igreja foram esculpidos por Mestre Valentim. (Ver SOUZA, José Vitorino. A Igreja da Candelária desde a sua fundação. Rio de Janeiro: Editora Debret, 1998)

[10] Inicialmente nomeado Administrador das Terras do Brasil, em 1569, por D. Sebastião, em 1572, foi nomeado para as terras do sul, em nova configuração administrativa para a colônia portuguesa. Seu governo foi de enfrentamento aos tamoios e ao contrabando francês. Preocupou-se em estabelecer melhor comunicação entre as lavouras para fortalecer o comércio, criando pontes, inclusive a sobre o rio Carioca, onde está hoje a praça José de Alencar, e sobre o Rio Catete.

[11] Filha primogênita do rei Dom Carlos IV de Espanha e de sua esposa, D. Maria Luísa de Parma, rainha da Espanha, casou-se com o infante português D. João Maria de Bragança (futuro Dom João VI), em 8 de maio de 1785. (Ver AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Carlota Joaquina na Corte do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003)

[12] Bairro formado originalmente por várias chácaras, começa a transformar-se após a vinda da família real portuguesa que ali manda erguer um quartel. A instalação militar foi a origem do atual Palácio Duque de Caxias, ex-sede do Ministério da Guerra. Com a transformação do local abriram-se duas vias pela desapropriação das terras: Príncipe dos Cajueiros e Princesa dos Cajueiros, atuais ruas Senador Pompeu e Barão de São Félix, respectivamente.

Ao longo do século XIX, as antigas propriedades foram sendo loteadas, e novas vias abertas ao tráfego. Destacam-se duas ruas principais, cujos nomes de batismo foram Príncipe dos Cajueiros e Princesa dos Cajueiros, atuais Senador Pompeu e Barão de São Félix.

[13] Foi um dos chefes da Revolução Praieira de 1848, em Pernambuco (Ao longo da década de 1840, setores radicais do partido liberal recifense manifestaram-se através do jornal Diário Novo, localizado na rua da Praia, ficando conhecidos como “praieiros”. Defendiam liberdade de imprensa, a extinção do poder moderador, o fim do monopólio comercial dos portugueses, mudanças sócio-econômicas e a instituição do voto universal)

[14] Vereador da Câmara Municipal em várias legislaturas.Foi Chefe de Polícia em 1893e deputado federal no ano seguinte.