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sábado, 28 de março de 2015

Antigos jardins cariocas



1854


            Caiu-me às mãos, e aos olhos, o livro de Hugo Segawa, publicado em 1996, “Ao Amor do público: jardins do Brasil – (1779-1911)”[1]. Na obra, o autor não só especifica estes espaços públicos cariocas na periodicidade histórica, como faz interessante relato de alguns jardins no Rio de Janeiro de outrora. Começa ele com texto, interessantíssimo, de Machado de Assis, de 1895, que reproduzo:

Que achei eu do nosso século carioca? Achei que será contado como o século dos jardins. À primeira vista parece banalidade. O jardim nasceu com o homem. A primeira residência do primeiro casal foi um jardim, que ele só perdeu por se atrasar nos aluguéis da obediência, onde lhe veio o mandado de despejo. Verdade é que, sendo meirinho não menos que o arcanjo Miguel, e o texto do mandado a poesia de Milton, segundo crêem os poetas, valeu a pena perder a casa e ficar ao relento. Vede, porém, o que é o homem. O arcanjo, depois de revelar uma porção de cousas sublimes e futuras, disse-lhe que tudo que viesse a saber não o faria mais eminente; mas que, se aprendesse tais e tais virtudes (fé, paciência, amor), não teria já saudades daquele jardim perdido, pois levaria consigo outro melhor e mais deleitoso. Não obstante, o homem meteu-se a comprar muitos jardins, alguns dos quais ficaram na memória dos tempos, não contando os particulares, que são infinitos (p.11)[2].



            Também encontrei publicada on line, em pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa, extensa bibliografia, sites e artigos que, ao término do texto informo, para quem se disponha a estudar um pouco mais este assunto fascinante.


Lago idealizado por Glaziou

            Sobre o Passeio Público, conta-nos o autor:

Nada mais singular, do ponto de vista urbanístico do Brasil do século XVIII, que a realização do Passeio Público do Rio de Janeiro.[...] Diferentemente dos espaços abertos do urbanismo colonial, o Passeio Público não era um símbolo em si ou evidente da autoridade portuguesa — como seria o campo onde se fincava o pelourinho, ou se erguia o paço, a câmara e cadeia ou o quartel — tampouco o vazio defronte ou em volta do edifício religioso — o largo da matriz, o adro franciscano ou beneditino, o terreiro jesuíta. O Passeio Público não se prestava para emoldurar nenhum monumento — ao contrário, como um insubordinado da hierarquia colonial, era um monumento à vegetação, à natureza, monumento a si mesmo.[... Os estudos contemplando o Passeio Público informam que sua execução
decorreu entre 1779 e 1783, por ordem do vice-rei D. Luís de Vasconcelos, que encarregou o artista Valentim da Fonseca e Silva (ca.1745-1813), o Mestre Valentim — importante escultor, arquiteto e, no caso, urbanista do Rio de Janeiro colonial — de traçar o inédito recinto ajardinado [Marianno Filho, 1943; Carvalho, 1988]. Sua localização certamente decorreu de uma estratégia de tratamento e aproveitamento de áreas alagadas e charnecas, buscando conquistar terreno firme, num sítio carente de horizontes de expansão, tão marcado por elevações e baixadas pantanosas como o do Rio de Janeiro. Alinhar o desenvolvimento da cidade em direção sul deve ter priorizado o esforço de aterrar a lagoa do Boqueirão da Ajuda, estabelecendo a comunicação para os lados dos futuros bairros de Flamengo e Botafogo, bem como de implantar signos de urbanização, mediante o alinhamento de novas ruas (a das Belas Noites — hoje das Marrecas, a do Passeio) e a criação do próprio Passeio Público.[...] O Passeio Público do Rio de Janeiro foi uma iniciativa posterior à sua congênere lisboeta, mas sua pronta execução — mesmo considerando as dificuldades apontadas pelo vice-rei em sua gestão — permitiu que inúmeros viajantes
apreciassem o recinto.(p.80-87)


            Informa o historiador que, embora apreciado por habitantes e visitado pelos estrangeiros, o Passeio Público decai após a saída de D. Luís de Vasconcellos, porque os vice-reis que o sucederam não cuidaram de sua manutenção, por isso, em 1808, com a chegada da família real, tal espaço público não mais existia.
            Informa ainda a pesquisa que

D. João manda organizar o Real Jardim Botânico em 1808 — ainda muito distante como local de visitação cotidiana (embora a viajante inglesa Maria Graham tenha apreciado bastante os passeios naquela direção) e, por um curto período, houve um jardim público no Campo de Santana, destruído em 1821. Em 1824, o frei carmelita Leandro do Sacramento (1779-1829) foi nomeado inspetor do Jardim Botânico e do Passeio Público e por alguns anos o espaço mereceu atenção. [...]Data dessa época (1828-29) o testemunho do reverendo norte-americano Robert Walsh, que também se encantou com o Passeio — como que revigorado ao estilo da descrição de Joaquim Manuel de Macedo nos tempos coloniais:

Todas as noites esse jardim fica repleto de famílias que sobem ao topo do outeiro para apreciar a brisa marinha que não passa mais pelo jardim [Walsh, 1985, p. 202].

A morte de frei Leandro deve ter feito o jardim cair novamente no marasmo. A algum de seus sucessores foi ordenado, em 1831, que “os bois, porcos, carneiros, cabras e cabritos que porventura entrassem no Passeio” fossem apreendidos para “o sustento dos presos pobres ou venda em leilão.” Nesse mesmo ano, a administração municipal reconhecia “o estado de total abandono em que se acha o Jardim, não tendo para o serviço mais que três pretos, por terem fugido os outros.” [Belchior, 1969, v. 1, p. 564]. (p.96-101)


            O livro também explora as obras paisagísticas de Glaziou:

Em dezembro de 1860, o governo assinava com o tabelião Francisco José Fialho (?-1885) um contrato de um ano para promover a reforma do Passeio Público, bem como conservá-lo por dez anos. Fialho era apenas um intermediário. O projeto de remodelação ficou a cargo do paisagista bretão Auguste François Marie Glaziou (1833-1906), que mais tarde se notabilizou também com as remodelações do Campo de Santana [ver próximo capítulo] e os jardins da Quinta da Boa Vista. Glaziou introduziu no Brasil um estilo jardinístico a que seus contemporâneos — Joaquim Manuel de Macedo e Moreira Azevedo — chamavam “jardim paisagista”. Macedo, que concluiu seu livro durante as obras do Passeio Público e antes de sua reabertura, descrevia:

A planta apresentada ao governo[...] representa um jardim no gênero inglês, hoje admitido em todo o mundo como o mais natural, o mais livre, e que produz mais agradáveis e completas ilusões.





               O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é apresentado em capítulo extenso que assim é iniciado:
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro nasceu sob a graça do príncipe regente D. João.[...] A origem desse recanto relaciona-se com o estabelecimento da fábrica de pólvora, criada em decreto de 13 de maio de 1808. Um mês após, no dia 13 de junho, novo decreto mandava preparar em suas proximidades “terreno necessário ao estabelecimento de um jardim de aclimação, destinado a introduzir no Brasil a cultura de especiarias das Índias Orientais”, passando a se denominar, em outubro, Real Horto [Rodrigues, 1894, p. III]. A chegada de vinte caixotes de plantas aclimatadas na Ilha de França* e daí subtraídas por oficiais portugueses, aportados no Rio de Janeiro em 1809 consiste na introdução das primeiras espécimes no jardim. Luís Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca — cronista oficial do período —, registrou também os nomes de Real Quinta e jardim da Lagoa de Freitas [Santos, 1981, v. 1, p. 239].(p.139)

              Ainda sobre este espaço, conta-nos Segawa (1996) sobre sua triste decadência:






A sua abertura para visitantes se deu no reinado de D. Pedro I, com a permissão do seu diretor e acompanhados por praças do Corpo de Veteranos. As excursões descritas pela britânica Maria Graham datam desse primeiro momento. Na ausência de uma atividade científica consistente após a morte de frei Leandro do Sacramento, o recinto passou a ser mais uma área de recreação. Regulamento policial de 6 de setembro de 1838 facilitava “aos simples curiosos a vista do jardim e aos que aí apareciam para fins mais sérios, como o estudo e investigação dos vegetais aí existentes”, registrou Barbosa Rodrigues, lamentando que o jardim, em fins dos anos 1860, [...] foi aberto francamente ao público e houve mesmo a condescendência de colocarem-se aí muitas mesas de madeira, como nas estalagens de aldeia. [...]. Foram então facilitados os pic-nics ao ar livre e tornou-se um simples jardim de recreio...[e que] ...com a força de vegetação no clima do Rio de Janeiro o passeio tornou-se em pouco tempo um grande parque encantador, excitando a admiração dos visitantes. Infelizmente, como triste reverso da medalha, certas alamedas sombreadas, certos grupos lembravam, ao menos pela elegância e beleza grega, os bosques sagrados de Paphos e Amathonte, enquanto, nas moitas próximas do lago, ruidosos cânticos de culto do Baccho moderno recordavam os furores harmoniosos das Menades [Rodrigues, 1894, p. XVII]. (p.143)

            Pelas passagens, pouquíssimas que selecionei, tenham certeza que tive dois dias interessantes, tentando visualizar os detalhes paisagísticos dos jardins no Rio de Janeiro antigo, assim como também imaginei o que, a luz de nossa cidade, de dia ou à noite, influía nas sombras e penumbras das alamedas que cercavam estes espaços públicos.



Sugestões de leitura para um estudo do assunto[3]:

Projetos realizados por Glaziou

Exposition Universelle (1889) de Paris, comentário sobre a exposição francesa em site produzido pela FAU/UFRJ sobre exposições internacionais e, em especial, sobre a Exposição Internacional de 1922.
Fundação Parques e Jardins, site da organização municipal responsável para conservação do patrimônio natural urbano do Rio de Janeiro, com seção dedicada à Glaziou.
Passeio Público, site dedicado à historia do primeiro parque ajardinado do Brasil.
Paris Exposition of 1889, site da Prints and Photographs Division da Library of Congress sobre a exposição.

Artigos[4]

A reconstrução virtual do antigo Passeio Público de Mestre Valetim: metodologia de pesquisa, de Naylor Barbosa Vilas Boas.
Missão Cruls. "Carta de Auguste Glaziou a Luís Cruls, 1894"
A questão ambiental no Distrito Federal, SEBRAE/DF, 2007, p. 123-125.
Missão Cruls. Notícia sobre botânica aplicada pelo Dr. A. Glaziou, 1896 (texto em pdf) The realities and potentialities of Brasilia's landscapes: from the forgotten myths to the invention of the world heritage (pdf, 2.56 MB)
Glaziou e o Lago Paranoá, Sérgio Kempers de Moraes Abreu.
"O Parque da Praça da República", Noronha Santos. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8, 1944, p. 102-163. (pdf, 1,99 MB)
"Os jardins da Chácara do Challet - uma análise da atuação de Glaziou em Nova Friburgo", Camila Dias Amaduro.
"O parque do barão de São Clemente e o jardim de Glaziou", de Cláudio Piragibe, p. 72-81. In: Anais II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas, 2008 (pdf, 700 KB)
"Passeio Público", Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano de 1862. Rio de Janeiro, Eduardo & Henrique Laemmert, 1862, p. 313 e 314.
"Traços Biográficos", Noronha Santos, Noronha Santos. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 8, 1944, p. 164-172. (pdf, 261 KB)

Urbanização de Paris

Georges Eugène Haussmann, prefeito de Paris responsável por sua remodelação.
Jean-Charles Alphand, verbete do Wikipédia sobre engenheiro responsável pelas reformas de Paris no século XIX.
Eugène Belgrand, verbete do Wikipédia sobre engenheiro auxiliar pelas reformas de Paris no século XIX.
Jean-Pierre Barillet-Deschamps, Jardinier en chef du Service des Promenades et Plantations de la Ville de Paris por ocasião da reforma Haussmann.

Estudos botânicos

Auguste de Saint-Hilaire, verbete do Wikipédia sobre o botânico, naturalista e viajante francês, que percorreu o Brasil de 1816 a 1822, quando recolheu informações sobre o uso das plantas na medicina, na alimentação e na indústria.
Le Muséum National d'Histoire Naturelle, museu francês, criado em 1793, voltado para o estudo, a preservação de coleções, a formação de pesquisadores e a difusão da cultura científica, nas áreas da história natural, do mundo vegetal e mineral. Tem, dentre suas atribuições, a manutenção do jardim botânico Jardim das Plantas (Jardin de Plantes).


O Museu Casa de Rui Barbosa oferece on line uma visita virtual a seus jardins no portal da Fundação Casa de Rui Barbosa, vale a pena, gostei muito..




[1] Segawa, Hugo, 1956- ... Ao amor do público: jardins no Brasil São Paulo: Studio Nobel: FAPESP, 1996
[2] Obedecida grafia da época.
[3] Todas retiradas do site da Fundação Casa de Rui Barbosa.
[4] Descritos exatamente como no site da Fundação Casa de Rui Barbosa. Não obedece norma de citação ABNT.

domingo, 8 de março de 2015

Mulheres, Tempos e História






          Mulher é mulher porque se faz assim, não porque tem um útero, já dizia, na metade do século passado, Simone de Beauvoir. Não é apenas um aspecto diferenciado de nosso corpo, o que nos torna um gênero diferenciado, um ser humano diferente e de características próprias. Durante muito tempo a mulher, no Brasil, ficou escondida nos aposentos da casa transitando livremente do quarto para a cozinha. Ainda nos vemos a percorrer esse caminho quando ouvimos que “o lugar da mulher é pilotando um fogão”.         Temos entranhados em nós diferentes preconceitos que visavam, e ainda  visam, infelizmente, tornar a mulher subalterna, incapaz e dependente. Comenta Gilberto Freyre, em sua obra de juventude[1],ao expor o preconceito do homem brasileiro, que esse se fez tecido à cultura, tese que se tem mostrado, sem prevalência de um sobre o outro, verdadeira. A mulher foi, desde sempre, objeto desse preconceito de alteridade que, ainda se alia ao preconceito racial. Não nos esqueçamos que a mulher negra carrega os dois, em mundo que privilegia o branco, e tem que provar-se mulher, e negra, a cada dia.
            As mulheres, todas, têm a cada dia provar que “valem” (e o termo é proposital, porque torna objeto) tanto, ou mais, que os homens. Tanto é verdade, que a caminho do término da segunda década do século XXI, a imprensa mundial estampou sensacionalisticamente, o protesto de uma atriz ganhadora do Oscar sobre, ainda, a discriminação feminina contida nos salários diferenciados de homens e mulheres na mesma função.
            Não cabe discutir aqui a força física. Todas sabemos que habilidades se desenvolvem em qualquer um, homens e mulheres, que se esforçam para tal e, me parece, dela não precisamos para caçar ao redor feras, capturá-las e comê-las, pois que já não nos encontramos em tempos de que disso precisava o ser humano.
            Tenho pesquisado bastante sobre a emancipação da mulher em busca de seus direitos de igualdade. Caminhamos muito, é verdade, mas ainda não estamos onde queríamos no início dessa luta. Cresci ouvindo dizer que “feministas” eram mulheres mal amadas, mas vendo, e depois passando pela mesma situação, que a mulher separada ou desquitada (o divórcio é uma conquista recente) não tinha satisfeito o marido e estava “à caça” de homens. A “culpa” do fim do casamento,  se havia, era das mulheres! E não se espantem, há os que consideram o estupro – até parlamentares de nosso Congresso – culpa das mulheres, que os teriam provocado! Assim, desde sempre, as roupas femininas foram reguladas por homens – e a Igreja católica não tem mulheres em seus cargos – que, a partir delas, regulavam condutas.
            Não nos enganemos comemorando hoje o Dia Internacional da Mulher. Não é tempo, ainda de celebrar. Parece-me que hoje deveria ser, sim, um tempo de reflexão da luta feminina, ainda inconclusa. A imprensa, arauto de homens, não fala pela mulher. Só ela fala por si. Por isso, quem é mulher, saiba que cada uma de nós ainda tem o seu quinhão nessa luta onde nossa arma somos nós mesmas, com nossa inteligência, nossa força, nossa dignidade, nosso corpo e, principalmente nossa alteridade.



[1] Refiro-me às obras do autor  Sobrados e Mocambos e a Casa Grande e Senzala.

terça-feira, 3 de março de 2015

Cafés do Rio: primeiras casas de café na cidade do Rio de Janeiro



                                                                                                        Foto da revista  Fon Fon.                                                                       Em um café, do lado de fora, na mesa,  Medeiros de Albuquerque, Coelho Neto e Thomaz Lopes.


           Ainda pouco se sabe sobre os antigos cafés do Rio, mas comprei um livro ótimo, que provavelmente só é encontrado nos “sebos”[1], Antigos Cafés do Rio de Janeiro, do jornalista mineiro Danilo Gomes[2] (1989). Neste pequeno artigo, passo algumas informações que o pesquisador levantou nesse estudo e que achei interessante. A pesquisa foi feita utilizando por fonte diferentes publicações, de diversos autores, que retratam a cidade do Rio de Janeiro em épocas distintas. Assim, alguns cafés, aparecem em alguns livros que desaparecendo após a publicação, deixaram rastros que levaram Gomes à existência desses estabelecimentos.
            Conta o pesquisador que quase nada se sabe sobre estabelecimento deste tipo no período colonial, mas que, segundo o Almanak Histórico para o ano de 1792, de Antônio Duarte Nunes, existiam à época 32 casas de café[3] e 216 tabernas[4]. Em 1899, Von Leithold e Von Rango[5] citam que o primeiro flagrante de um café na cidade, foi descrito por dois alemães que visitaram a cidade em 1819. A descrição do estabelecimento é medonha:

[...] nos cafés uma porção de qualidade inferior custa 4vinténs.Consiste de cafeteira de amanho regular, servida com açúcar não refinado, leite que parece água e pão francês com manteiga rançosa, de procedência inglesa. Nesses cafés também se vendem limonada, não dos limões verdadeiros, mas da outra espécie. É uma bebida azeda como a laranjada, que logo azeda com o calor[...}devido às nuvens de moscas que se encontram nos cafés, nenhum estrangeiro pode nele demorar-se. Mais familiarizados com esses insetos os brasileiros suportam-lhe melhor o incômodo [..] (p.21)


            Eu imagino, leitor,  o estabelecimento, e o gosto do produto oferecido, mas, era um café, no início do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro! Não nos informam, porém, nem os visitantes nem o autor, o nome deste café, sujo, parco e famoso.
            Vieira Fazenda (1874-1917)[6] noticia que havia uma casa de café em frente à Igreja de Nossa Senhora do Parto, na rua São José, e por ali se passava em direção ao cais Pharoux. Oliveira (1984) cita também os cafés Braguinha e do Estevam. O primeiro, tinha por slogan “a fama do café com leite” e estava instalado no Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes). Como o largo, neste período era fronteira da cidade e sertão, não creio ter sido muito melhor do que o café retratado pelos visitantes prussianos! O segundo, que indica no nome seu dono, é citado pelo historiador como “centro de reunião da sociedade distinta”. Bom lembrar que, nessa altura, mulheres não saiam às ruas, exceto para ir à missa, e negros eram, ainda escravos, logo os pertencentes à “sociedade distinta” eram tão somente homens brancos. Talvez a reunião que o café proporcionava, devesse à sua boa localização: ficava de portas abertas na esquinas de Ouvidor e Ourives (atual Miguel Couto), centro do comércio local.
            Havia também, um café, ainda no século XIX, denominado Armada (comenta o autor que era luxuoso (só imagino!), em obra de Ernesto Senna (1858-1913)[7], que destaca, no período, mais de 362 estabelecimentos “onde se vendia café, bebidas e se explorava o jogo de bilhar, estabelecidos em várias ruas da  Pontado Caju ao Jardim Botânico”(P.140).
            Machado de Assis, também citado pelo autor, em crônica de 2 de março de 1873, sob o pseudônimo de Dr. Semana[8], refere-se ao “botequim francês”, o Caffé de Alsacie e Loraine. Fica esta casa de comércio na rua Uruguaiana, (antes Rua da Vala[9])
            Antes de começar a publicar, em outras postagens, detalhes desses, e outros, estabelecimentos que vendiam café, deixe-me fazer aqui distinção entre café e botequim (como depois se chamaram as velhas tavernas). O primeiro estabelecimento, mesmo servindo bebida alcoólica, vendia café ou café com leite e pão, o outro não.



[1] Os “sebos” são lojas de venda de livros usados. Diz-se que o vernáculo teria surgido por conta de serem os livros e o local de seu armazenamento e venda ensebados, isto é, sujos. Pelo que li parece que essas lojas teriam chegado ao Brasil por volta do século XIX, o que não se pode, efetivamente, precisar.
[2] A publicação é da Livraria Kosmos, do Rio de Janeiro.
[3] Chamavam-se casas de café e licores.
[4] OLIVEIRA, José Teixeira de Oliveira. História do Café no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Ed. Kosmos, 1984
[5] Em “O Rio de Janeiro visto por dois prussianos”, edição de 1966, em português. Citado por Oliveira (1984, cap.XXI, s/p.)
[6] José Vieira Fazenda, historiador, médico e político, escreveu “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro” (1904), Os provedores da Santa Casa da Misericórdia da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro (1912) e  “Notas históricas sobre a Praça do Commércio” (1915).
[7] Escreveu O Velho Comércio do Rio de Janeiro, publicado pela Garnier, s/d.
[8] Esse pseudônimo foi usado pelo escritor ao assinar artigos do periódico Semana Ilustrada ( Rio, 1860-1876).
[9] "Rua da Vala", por ter uma vala, construída no século XVII pelos monges franciscanos para escoar o transbordamento da Lagoa de Santo Antônio (que se localizava no atual Largo da Carioca) até o mar, na abertura entre os morros da Conceição e de São Bento. O nome da rua mudou para "Rua Uruguaiana" em 1865, em comemoração à retomada da cidade homônima na Guerra do Paraguai O nome foi mudado em 1865, para homenagear a batalha de retomada da cidade homônima na Guerrra do Paraguai.

domingo, 1 de março de 2015

Tributo ao Rio

1905. Postais.


            Hoje é seu aniversário. Não é um aniversário qualquer para quem, como você, já passou por tanta coisa. Fico aqui a lembrar, e me desculpe por voltar ao passado, é meu ofício e historio até sem querer, que antes da fundação, em 1565, você já tinha a beleza que hoje que tem. As montanhas, cobertas de verde de vários tons, emolduravam as belas praias de areia fininha que, para mim, só existem por aqui. Se causou perplexidade ao europeu que aqui pisou pela primeira vez, saiba que é, ainda, a mesma, em tamanho e intensidade, ao que causa a quem pela primeira vez vislumbra seu território, sua gente, seu céu, seu calor.

            Passaram-se 450 anos e, é claro, a marca deles foi deixada. São pequenas rugas, como as temos todos os experientes, que marcam nossos olhos sem arrefecer o olhar malandro, nossa característica maior de ser carioca. A marca da escolha dos piratas e desbravadores europeus que aqui vinham em busca dos saques e expropriações foi deixada nos prédios, bombardeados no calor da batalha.. Mas Portugal nunca foi bobo, sabia o tinha em mãos e mandou homens de visão, vice-reis, que construíram chafarizes, pontes, e até um aqueduto, para facilitar e integrar a vida de quem escolhera esse pedacinho de chão para viver, deixando, eles também, suas marcas na arquitetura, no jeito de ser, na alegria solidária que nos impregna desde então.

1740. Postal.


            Você sempre foi uma cidade invejada, mas isso acontece quando se é “bonito por natureza”. Não ligue se não é o maior estado brasileiro, se não tem, hoje, a maior população, se tem a fama de não querer trabalhar. Para que tantos títulos ufanosos se você tem um Cristo eternamente de braços abertos a receber, e abençoar, qualquer um, de qualquer lugar?

            Você tem a marca da presença e escolha da Corte portuguesa, que saiu de uma linda cidade como Salvador, para aqui ficar, até que Napoleão desaparecesse de terras portuguesas.. A marca deste tempo ficou nos prédios construídos, na montagem de uma estrutura urbanística inicial, na abertura de novos caminhos e prazeres.Você tem, no povo, a marca do índio que aqui morou como seu amor ao mar, a necessidade de ser você com pouca roupa a cobrí-lo. A marca dos muitos negros que chegaram acorrentados ao seu porto mas tinham brilho nos olhos, alegria, necessidade de liberdade. E logo o carioca se fez presente, com tantas marcas, a reverberar sua alegria e despojamento, que ironiza e ri de si de mesmo, fazendo moda, contando piada, rindo e fazendo rir.

            Rio de Janeiro, minha cidade, meu chão, minha identidade. Sou, como qualquer um de seus habitantes, nascido aqui ou não, apaixonada por você. Os pessimistas de plantão, sempre, rugirão seus discursos dizendo que aqui falta segurança, que a cidade está sempre em obras, que tem carros demais, que a violência .... Ora, meu Rio, eu sei, mas nada disso tira seu fascínio, seu esplendor estonteante, seu povo alegre, despojado e louco de amor... Isso é que angustia a quem inveja você. Não ligue. Podem dizer os incrédulos, que não vai dar certo, que dá. Programem-se eventos mil. Tudo aqui dá certo. Protege-nos, a você e a nós, aquele imenso Cristo, art déco, desde a década de 1930, a tomar conta de você e seus habitantes.

Ponta do Leme, 1910 AGCRJ

            Rio de Janeiro dos meus amores, dos meus humores, da minha incontida alegria de te viver, feliz aniversário! Felizes os seus 450 anos de alegria, beleza e bem estar! Problemas todas as cidades do mundo as têm, viver junto é difícil, e só agora estamos aprendendo a viver juntos, morro e asfalto...

            Curta seu dia especial de aniversário. Não chore hoje. Deixa seu céu limpo. Deixa seu céu daquele azul mar que só você tem. Aproveita os aplausos de quem vai ver o sol se pôr, no Arpoador como parte dessa emoção que todos os dias temos ao acordar no Rio. Passe a tarde, ainda ensolarada, na única floresta urbana do mundo, e delicie-se com os frescor das árvores que embalarão seus sonhos. Corra e veja seus rios, não tão limpos como foram, que abasteciam de água a cada lugarzinho desta cidade linda. Imagine como ficarão, como foram antes, e pense, que estamos quase chegando lá. Delicie-se com o batuque do samba maxixado que você criou e exportou. Tudo aqui é mais lindo! Tudo aqui é de nós para você, especialmente hoje, seu aniversário.

1919 Copacabana



            Sem me alongar “porque eu só queria dizer que te amo”, minha linda cidade,  de São Sebastião do Rio de Janeiro, um  feliz aniversário, dessa carioca da gema há 63anos,.

Heloisa