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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Fábrica Alliança: operários em Laranjeiras e a constituição do bairro

           


              Relevante que eu destaque aqui a importância da Fábrica Alliança na cidade do Rio de Janeiro e, principalmente, para o bairro de Laranjeiras. Conta-nos Nireu Cavalcanti (1999), arquiteto e historiador, que Laranjeiras[1], onde estava assentada a fábrica, era um bairro aristocrático onde conviviam palacetes, e a partir da segunda metade do século XIX, também o comércio e a indústria. Embora situado entre o centro da cidade e a zona sul, mas por causa das montanhas que cercam a sua área, o bairro de Laranjeiras era protegido do tráfego de passagem que se fazia entre as duas partes. Essa peculiaridade, que lhe garantia ter apenas o pequeno tráfego interno, começou a ser alterada com a abertura do primeiro túnel da cidade, em 1887, no alto da rua Alice e com o aumento do fluxo após a realização do corte do Morro Novo Mundo, ligando a rua Pinheiro Machado à rua Farani.
            Em 1872, na área da atual rua General Glicério e adjacências, os Srs. Francisco de Sá Nogueira, José Duarte da Fonseca Silva e Miguel Couto dos Santos, instalaram uma lavanderia de grande porte: a "Companhia Econômica de Lavanderia a Vapor". Oito anos depois, a firma foi vendida, mudando de ramo, e de donos. Passa a ser uma indústria de fiação, tecidos e tinturaria chamada "Alliança". Seus proprietários eram os portugueses José Augusto Laranja, Joaquim Carvalho de Oliveira e Silva e o inglês Henrique Whittaker, que, a seguir, retirou-se da empresa. Assim começou a "Fábrica Alliança", que veio a ser uma das mais importantes do ramo têxtil, no Rio de Janeiro.
          Essa fábrica mudou a composição da população do bairro e, segundo Nireu Cavalcanti (1999), também sua arquitetura e seu urbanismo, embora não fosse a única fábrica do bairro, já que havia, na rua Pereira da Silva, uma oficina de produção de cerveja, cujo proprietário era Luís Bayer[2] e, depois de seu falecimento, sua viúva. Informa ainda este historiador que, a partir da instalação da "Fábrica Alliança" apareceram no bairro casas, pequenas, de porta-e-janela, e as vilas que se espalharam, além de construções da própria fábrica. Por conta de um maior número de habitantes, os operários portugueses[3], italianos e brasileiros, o comércio ali cresceu e se diversificou. Mas foi a "Fábrica Alliança" quem atraiu para o bairro muitos operários para nela trabalharem. As fábricas "Alliança", em Laranjeiras, as "Companhias Carioca" e "Corcovado"[4], no Jardim Botânico, a fábrica "São Félix", na Gávea[5], e pequenas fábricas de produção diversificada, principalmente em Botafogo, atuaram como imãs de povoamento desses bairros onde estavam instaladas, ampliando-os além da elite que ali residia.
          As indústrias levaram à formação, nas suas proximidades, de núcleos de população operária, que habitavam vilas construídas pelas próprias empresas, ou cortiços, geralmente improvisados como segunda fonte de renda pelos imigrantes, no mais das vezes portugueses, donos de armazéns. Vieram também outros trabalhadores, em busca de habitações modestas, cujo aluguel era baixo, e o encontravam nas vilas e cortiços ali existentes. Foram esses pobres que enriqueceram estes bairros com novas expressões culturais, populares, trazendo uma vida social mais coletiva.
          A fábrica, como diferencial relevante, oferecia aos empregados atividades culturais e de lazer através do clube, do cinema e do teatro.  Em Laranjeiras, por conta dos empregados da "Alliança", surgiram os ranchos "Arrepiados" e "União da Aliança"[6], ambos ligados à Fabrica. Além do futebol do Fluminense, foram muitos os times populares do bairro, como o Estudantina, que tinha até sede na rua das Laranjeiras[7] e depois mudou-se para o centro e virou gafieira. Surgiram ali, também, blocos carnavalescos como "Rasga", "Periquitos" e "Canarinhos de Laranjeiras". O aristocrático bairro de Laranjeiras, no início do século XX, passou a ser também operário, o que grupava, em um mesmo espaço geográfico, culturas distintas, o que não ocorreu só no bairro de Laranjeiras. Ao longo dos séculos, muitas outras famílias importantes, como a dos Lisboa, Velasco, Roxo, Torre, Frontin, Pereira Passos, Teixeira de Freitas, Moura Brasil, comerciantes, profissionais liberais, militares graduados da época (General Andréa[8], Beaurepaire Rohan, Almirante Delamarre, etc.) e políticos, deram ao bairro a fama de ser este um bairro aristocrático da cidade do Rio de Janeiro. Ficaram famosos os saraus e os bailes nas mansões da Condessa de Haritoff[9] ,ou os concertos, no Clube Laranjeiras, em que vinham tocar músicos famosos como Alberto Nepomuceno.


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[1] Realizada a ocupação da Carioca pelos primeiros sesmeiros, os seus sucessores, ao longo do século XVII, transformaram suas chácaras em produtoras de hortaliças, legumes, frutas, cereais (principalmente arroz) e farinha de mandioca. Uns preferiram explorar a indústria cerâmica, outros a extração de pedras Além da exploração agrícola e industrial, os proprietários da Carioca abasteciam a cidade com lenha e carvão produzidos pela derrubada de suas matas. Também vendiam a água do rio Carioca aos moradores do centro da cidade. Os ricos proprietários da Carioca, que em sua maioria dedicavam-se ao comércio ou eram militares graduados, aformosearam suas chácaras com belas casas senhoriais  muradas e vistosos portões no espaço hoje ocupado pelos bairros da Glória, Catete, Cosme Velho e Laranjeiras.. No século XVIII a Carioca já começa a ser identificada em três zonas distintas: a da Glória, a do Catete (que ia até o Morro da Viúva) e o interior do Vale nomeado Laranjeiras (abrangendo desde o Largo do Machado, inclusive, até a caixa d'água do rio Carioca, na rua Almirante Alexandrino). O nome "Laranjeiras" aparece nos documentos, a partir de 1780. (Cavalcanti, 1999)

[2] A referência inicial deste cervejeiro consta no Almanak Laemmert de 1849, p.401

[3] “Os processos de expulsão [daqueles imigrantes considerados anarquistas] refletem, com exatidão, as tendências globais da imigração para a cidade  no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, onde os portugueses, seguidos de italianos e espanhóis provenientes das áreas rurais constituíam a maioria dos que se destinavam ao Rio de Janeiro.”(MENEZES, 1997, p.7)

[4] Esta fábrica, pertencente à Companhia de Fiação e Tecelagem Corcovado, foi fundada por José da Cruz, em 1889, em terras da antiga chácara de João Calhau. O estabelecimento ficava na atual Rua Jardim Botânico. Em 1884, a Companhia de Tecidos Carioca já havia se instalado junto ao Rio do Algodão, nas proximidades da atual Rua Pacheco Leão. A fábrica da Cia. Corcovado encerrou suas atividades na década de 1940 e teve seu terreno desmembrado em lotes para a construção de moradias(CURIOSIDADES CARIOCAS, 2008 Disponível em http://rio-curioso.blogspot.com.br/2008/10/fbrica-corcovado.html acesso 12/06/2013)

[5] A vocação fabril do bairro remonta ao final do século XIX, quando o Rio de Janeiro experimentou um surto industrial que fez da Freguesia da Gávea uma das áreas mais industrializadas da cidade. As primeiras fábricas foram a Fiação e Tecidos Corcovado, a Companhia de Fiação e Tecidos Carioca, a Fábrica de Chapéus do Braga e a Fábrica de Malhas São Félix, essa última localizada na Rua Marques de São Vicente, fábrica que posteriormente passou a chamar-se Cotonifício Gávea. (Azevedo, 2011)

[6]“Através dos relatos escritos dos cronistas, foram registradas muitas das manifestações populares, como as festas religiosas e os carnavais das ruas e dos salões. Tais manifestações do "povo", produzidas, via de regra, em um circuito cultural narrado pela oralidade, eram compartilhadas por muitos desses letrados. Nesse circuito, alguns cronistas carnavalescos, como Vagalume, Eneida e Jotaefegê, se tornaram verdadeiros entusiastas do que viria a constituir certas características peculiares à ideia de "cultura popular urbana do Rio de Janeiro"( GONÇALVES,2003,p.91)  

[7] A Gafieira Estudantina foi fundada em 1931, na Rua Paissandu, no bairro do Flamengo. Os fundadores foram Manoel Gomes Matário, em sociedade com um estudante de Direito chamado Pedro, daí o nome Estudantina. Anos mais tarde, foi transferida para a Praça José de Alencar, no bairro do Catete, onde permaneceu até a década de 1940. Em 1942, foi transferida para a Praça Tiradentes, número 75, sendo, os donos à época, Lino de Souza e Manoel Jesuíno (Disponível em http://www.estudantinamusical.com.br/nossa-historia Acesso 8/8/2012)

[8] Francisco Joze de Souza Soares d'Andrea, Barão de Caçapava. Chegou ao Brasil com a Corte, em 1808

[9] Ana Clara Breves de Moraes Costa, chamada por Nicota, sobrinha do Comendador José de Souza Breves, era casada com Maurice Haritoff, em 1867. Recebeu de dote de casamento a fazenda Bela Aliança (em Vargem Grande). Consta que tanto em Bela Aliança, como em Laranjeiras, os Haritoff recebiam com igual elegância e fidalguia. Em 1883 ocasal inaugurou os salões de Laranjeiras, e começou a série deliciosa dos "mardis de Mme. Haritoff". O "Messager du Brésil", publicou larga notícia: "... une brésilienne doublée d'une vraie parisiense, dont la grâce, l esprit et la haute distinction ont reçu une consécration solenelle dans les salons les plus aristocratiques de la société européene, vient d inaugurer ses mardis dans le magnifique hôtel qu elle habite à Laranjeiras". (ÁRVORE GENEALÓGICA. Disponível em http://www.geni.com/people/Anna-Clara-Breves-de-Moraes-Costa/6000000017611668115  Acesso em 02/01/2013)

domingo, 7 de dezembro de 2014

O Rio e seus pedacinhos de paraíso

           



              Tenho uma amiga que mora em um lugar lindo no Rio. Meio escondido da vista de que passa apressado pelas ruas de Laranjeiras, fica o Parque Guinle, no sopé do Morro de Santa Teresa. A princípio, o que se vê é um parque lindo, mas poucos sabem que este parque foi traçado, em 1916, pelo paisagista francês Gerárd Cochet para Eduardo Guinle, na perspectiva de um jardim particular. Nessa época o paisagismo unia o desenvolvimento do capitalismo à imagem naturalista, numa proposta pedagógica para construção de novos valores coerentes com a urbanização a partir das edificações e paisagismo. A Alemanha é precursora nessa proposta que, a seguir, foi abraçada pela França, da qual Cochet é um expoente, e Estados Unidos, cujo Central Park é uma mostra do período. O jardim dos  Guinle foi criado nessa lógica urbana, mas somente após a morte do patriarca a família Guinle decide dividir o Parque com moradores, que não o próprio clã.





           
       Em 1946 decide a família preservar o parque e, em seu entorno manda construir luxuosos edifícios. A tarefa arquitetônica foi entregue a Lúcio Costa, que projetou e construiu os três primeiros prédios designados Nova Cintra, Bristol e Caledônia.  A construção ocorreu de 1948 a 1954. Nesse período houve a intervenção de Roberto Burle Marx no jardim do palacete Guinle. Os prédios previstos, mais três, pelo projeto original, foram obra do escritório MMM Roberto.





         Atualmente o conjunto residencial do Parque Guinle está dentro da Área de Proteção Ambiental São José. Seus três edifícios se encontram na Rua Gago Coutinho e rua Paulo César de Andrade. As fachadas, todas, exprimem o pensamento arquitetônico que alia textura e leveza, marca da arquitetura brasileira do período.


            À entrada do Parque, mantém-se o portão original da residência da família lembra os aspectos históricos de um Rio de palacetes e chácaras, já desaparecido. Já passei uma manhã toda lá, desfrutando da aragem sempre fresca propiciada por inúmeras árvores. É um lugar lindo para quem quer descansar do caos urbano, dentro da cidade. É um pequeno paraíso desses que só o Rio oferece.