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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Passos com História no Rio de Janeiro


            
           Com a história da cidade literalmente surgindo aos nossos olhos devido às muitas obras no Rio de Janeiro, imagino que poderia, como pode o colega José Manoel, “flanar” pela cidade , como fazia o cronista João do Rio no início do século passado e, ao mesmo tempo, historiá-la. Esse movimento, de quem ama o Rio de Janeiro, como eu, é possível a qualquer um.


            Para acompanhar esse trajeto e os passos de José Manoel pela cidade, a dica é estar no dia 3 de dezembro, às 17h, no Museu da Justiça (Rua Dom Manoel, 29 - Centro), o professor lançará o livro Passos com História no Rio de Janeiro (Editora Autografia). Neste momento, em passos largos, revisitaremos partes de nossa História citadina, desde a chegada da Família Real até a instauração da República. Ao “flanar” junto a José Manoel teremos a grata oportunidade de conhecê-la bem melhor.

domingo, 29 de novembro de 2015

Salvou-se um patrimônio cultural do Rio de Janeiro!



                                                     Sobrados geminados que compunham o Cinematógrafo Ideal.                                                                     A foto  apenas mostra a construção, não sendo da época que descrevo no texto


O Cinematographo[1] Ideal estava localizado na Rua da Carioca nos números 60 e 62, no período em que funcionava apenas como cinema. O Ideal era vizinho do Soberano[2], bem próximo à Praça Tiradentes. O prédio, de dois andares, tinha uma sacada que separava os dois pisos. A parede, em relevo, do segundo andar, possuía quatro janelas em arco, duas a duas. A inovação do local se refletia no teto móvel que se abria nas noites de verão, melhorando o arejamento do local. O Soberano, seu concorrente, à época, apenas abria o salão, afastando as paredes. O teto móvel foi obra do engenheiro Eiffel, o mesmo que projetou a famosa e imponente torre de Paris[3]. Completavam a construção duas escadas laterais e uma nos fundos, em ferro batido, que conduziam ao balcão, onde azulejos portugueses, em relevo, decoravam as paredes.



Foto do teto restaurado da, hoje, Maison Leffié.


Os quatro sobrados que compunham originalmente o Ideal foram construídos, em 1905, pelo construtor Miguel Bruno, a mando de seu proprietário, o Visconde de Morais[4]


José Júlio Pereira de Morais, Visconde de Morais, primeiro proprietário do terreno


           O Cinematógrapho Ideal foi inaugurado em 1909, pela Empresa Pereira, Pinto e Cia., do ramo cinematográfico, adquiriu os quatro imóveis, passando, posteriormente, ao empresário Manoel Pinto, que o transformou mais tarde em teatro. Em 1913, o local passou por uma grande reforma que ampliou sua sala de projeção e colocou-o entre os maiores cinemas da cidade, ao lado do Cinema Avenida Central e do Íris, situado também na Rua da Carioca.

O Ideal era o cinema fixo[5] mais antigo da Rua da Carioca. Sua inauguração ocorreu com um grande programa de filmes. Neste momento o filme, não era, ainda, falado, mas narrado[6].

            Explica Gatto (2012) que:

[...] este é um cinema de mostração, já que ali, mais importante que dizer sobre si, é mostrar uma ação; [que] extravasa o contexto fílmico e cria a denominação cinema de atrações relacionando-o com um contexto específico: o fim do século XIX e o início do século XX (p. 2)


Anos depois, para a inauguração do cinematógrafo como cine-teatro, ampliando seu envolvimento cultural, em 12 de maio de 1926, o Ideal apresentou a peça “Cala a boca, Etelvina”, de Armando Gonzaga[7], que depois virou filme, estrelado por Dercy Gonçalves no papel título[8].. O elenco, conta-nos o site  encabeçado por Alda Garrido, contava com a participação de Olga Louro, Georgina Guimarães, Rosita Rocha, Manoel Durães, Augusto Annibal, Américo Garrido, Gervásio Guimarães e Pedro Celestino, além de mais duas figuras contratadas especialmente. O ensaiador foi o Sr. Augusto Santos. A música de autoria de Freire.



Peça Cala a Boca Etelvina, de Armando Gonzaga





Correio da Manhã, em sua edição de 29 de abril de 1926, assim referiu-se ao local recém reinaugurado :

o Ideal tem condições para ser um Teatrinho capaz de atrair o público mais elegante. Ele é bem o que os franceses chamam de bonbonnière. A sua sala de espetáculos é verdadeiramente encantadora. Tudo no Ideal é gracioso. O espectador lá fica confortavelmente instalado e tem os olhos bem impressionados pelo ambiente. (p.2)


              Mais notícias apareceram sobre o Ideal ao longo do tempo nos jornais, face à sua importância cultural: 

  • em 1926, o Cinema Ideal passou a integrar a rede de cinemas de Luiz Severiano Ribeiro; 
  • em 1994, os dois sobrados que originalmente comportavam a sala de projeção, sofreram um grande incêndio; 
  • em 1996;  a construção foi vendida aos comerciantes Maurício Francisco Tauil e João Alves Ferreira; em O Globo de 10/06/2004, Joaquim Ferreira dos Santos, informava que “o Ideal, (...), um antigo poeira transformado em boate, foi vendido para o Real ABN Amro. Planeja-se abrir ali uma agência bancária ou um centro cultural.”; 
  • ainda no mesmo periódico, em 13/10/2008, o mesmo colunista revelava mais uma notícia sobre o teatro: “O Cine Ideal, na Rua da Carioca, está à venda por R$2 milhões. O prédio, que  é tombado, tem sido alugado para festas moderninhas”; 
  • agora, em nova notícia, Quitino Gomes Freire informa, no Diário do Rio, de 26/11/2015 que “Onde era o Cine Ideal agora tem uma casa de eventos, a Maison Leffié”.


            Ufa! Salvou-se mais um patrimônio da cultura do Rio! Viva!




Referências

FREIRE, Quintino Gomes. Onde era o Cine Ideal agora tem uma casa de eventos, a Maison Leffié. Diário do Rio. 26 de novembro de 2015. Disponível em http://diariodorio.com/onde-era-o-cine-ideal-agora-tem-uma-casa-de-eventos-a-maison-leffie/ Acesso 28/11/2015

GATTO, Veridiana Chiari.  O cinematógrafo e João do Rio  Anais. XV Encontro Regional de História ANPUH – RIO.  Rio de Janeiro: Associação Nacional de História, 2012

LIGHT. Cinematógrafo. Disponível em http://www.light.com.br/Repositorio/CCL/Cinemat%C3%B3grafo.pdf  Acesso 28/11/2015

SANDBERG, M.B Efígie e narrativa: examinando o museu de folclore do século XIX. In: CHARNEY, L.; SCHWARTZ, V. (Orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

Teatros do Centro Histórico. ,Disponível em http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=97&cdP=17 Acesso em 25/11/2015




[1] Em 1907 foram inauguradas 33 salas de cinema na cidade do Rio de Janeiro. Entre 1907 e 1911, foram abertas 145 salas de projeção, com uma média de 29 salas por ano. Entre 1907 e 1920, foram inaugurados 230 cinematógrafos no Rio, com uma média de 16 salas por ano.  (LIGHT, Cinematógrafo. s/ano)

[2]A sala foi inaugurada em 31 de outubro de 1909, com 200 lugares, por João Cruz Júnior, com o nome de Cinematographo Soberano, homenagem do fundador a um de seus cavalos. No seu apogeu, chegou a ser frequentado por personalidades, como Ruy Barbosa, que tinha cadeira cativa na sala com suas iniciais gravadas. O estabelecimento sempre permaneceu sob controle da mesma família e hoje é administrado pelo bisneto do fundador, Raul Pimenta Neto. Posteriormente foi chamado de Iris.

[3] A Torre Eiffel foi construída por Gustave Eiffel para a Exibição Universal de 1889, em Paris, como comemoração do centenário da Revolução Francesa.

[4] José Júlio Pereira de Morais, 1º Visconde de Morais, nasceu em Sabrosa, junta da freguesia de Gouvinhas, Portugal, em 15.11.1848 e faleceu no Rio de Janeiro em  28.08.1931. Foi Presidentes do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.

[5] Os primeiros filmes aparecem entre 1895 a 1908, eram chamados de early films e tinham como principal marca a produção do espanto em seus espectadores. Eram apresentados em feiras, teatros de variedades ou exibidores ambulantes, geralmente tinham apenas um plano que era apresentado em sequencia com outros planos sem continuidade temática. Estes breves filmes tinham como único intuito estimular, chocar seus espectadores, eram cenas burlescas como um elefante que é eletrocutado, cai e morre; um casal de namorados que é surpreendido por dois homens – um deles com uma pá – e são empurrados pra dentro de uma mata; meninas num internato que repentinamente promovem uma briga de travesseiros espalhando penas pelo quarto. São quadros cômicos, sem quaisquer preocupações morais. Além disso, não têm nenhuma presunção de velar o elemento ficcional, nestes filmes, o observador é convocado a participar da cena, a responder aos acenos e piscadelas dos atores (Gatto, 2012, p.2).

[6] A narrativa ajudou a tornar a modernidade atraente (Sandberg, 2001p. 397).

[7] A peça foi apresentada, antes (1925)  no Teatro Trianon (também foi Cine até 1921e posteriormente, a partir de 1938) com o seguinte elenco: Procopio Ferreira, Restier Junior, Manoel Pera, Henrique Fernandes, Abel Pera, Itala Ferreira, Hortensia Santos, Mathilde Costa, Georgina Guimarães e Albertina Pereira.

[8] Adaptada para cinema, por Victor Lima e Eurides Ramos, com o mesmo título, tendo no elenco: Dercy Gonçalves, Catalano, Manuel  Vieira, Zezé Macedo, Paulo Goulart, entre outros, com direção de Eurides Ramos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Alcazar Lyrique: um teatro polêmico no Rio de Janeiro do século XIX




Ilmo. Exmo. Sr. Dr. Chefe de Polícia.

Tratado sempre com a maior delicadeza por V. Excia., que se torna distinto pelas suas maneiras atenciosas para com todos os que têm a honra de conversar com V. Excia., deveria ir pessoalmente procurá-lo para pedir-lhe um grande favor a bem da nossa sociedade; mas os contínuos afazeres, a que me entrego diariamente, privam-me desse prazer, e por isso lancei mão do meio mais fácil, e rápido, de comunicação, dirigindo-lhe esta carta, que, espero, será, cuidadosamente lida por V. Excia., a quem não falta bom senso e moralidade para decidir o que for mais compatível com os nossos usos, costumes e educação.

Há nesta cidade do Rio de Janeiro um estabelecimento, onde, todas as noites, por entre baforadas de fumo e de álcool, se vê e se ouve aquilo que nossos pais nunca viram nem ouviram, embora se diga que é um sinal de progresso e de civilização. Chama-se esse estabelecimento — Alcazar Lírico.

Apesar de velho, não sou carranca e retrógrado, e sei aplaudir todas as novidades que o estrangeiro nos traz, passando pela alfândega do bom senso, ou mesmo por contrabando, contanto que tenha uma capa de moralidade; mas quando essas novidades aparecem no mercado avariadas e cheias de água salgada, fico indignado, pergunto aos meus botões em que país estamos, convenço-me de que somos, na verdade, tidos por selvagens hotentotes, e imploro a Deus para que ilumine as cabeças que nos dirigem, a fim de que apliquem o ferro em brasa, na ferida, que começa a chagar-se pelo veneno que lhe inoculam.

Falo com esta franqueza, porque estou escrevendo a um magistrado morigerado e honesto, cujo principal desejo é bem merecer de seus concidadãos pelos seus atos de virtude e de rigorosa justiça. Enquanto se proibia a todos os teatros de brasileiros — representações nas sextas-feiras da quaresma e na véspera e no dia de Ramos, consentia-se que o Alcazar tivesse o salão aberto para moralizar o bom povo, que o freqüenta! Se
não há injustiça neste procedimento, seja de quem for, há pelo menos falta de equidade, que só redunda em proveito do francês, contra os brasileiros, que vivem na maior miséria, esmolando da concorrência dos seus teatros o pão quotidiano. V. Excia. dignar-se-á de explicar-me como se pode dar esse fato?

Rogo ainda a V. Excia. o especial obséquio de freqüentar essa casa de educação, não se contentando em mandar inspetores de quarteirão e mesmo o respectivo subdelegado. V. Excia. é um homem ilustrado, que conhece perfeitamente a língua francesa, e não só terá belas noites de divertimento, como fará um
relevante serviço à sociedade em que vive, e onde tem milhares de relações com todas as famílias decentes e honestas do Rio de Janeiro, as quais, por uma infelicidade do empresário, nunca encontrará nessa Academia.

Desculpe V. Excia. a ousadia de escrever-lhe esta carta, e permita que, d'ora em diante, lhe dirija muitas outras a respeito do meu protegido Mr. Arnaud e do seu especial e inimitável estabelecimento.

Por agora, contento-me com os pedidos acima feitos, esperando que não serão as minhas palavras atiradas ao vento.

Aqui me tem V. Excia. sempre pronto a cumprir as suas ordens como quem, com todo o respeito e consideração, é

De V. Excia. amigo, afetuoso e obrigadíssimo criado

Dr. Semana.
(MACHADO DE ASSIS,1864 apud MENDES, IBA. Machado de Assis Crônicas Completas, 2014, p.96-97)



            Ao ler essa crônica de Machado de Assis, originalmente publicada na Semana Ilustrada, fiquei curiosa. Fui pesquisar na internet o que seria o “estabelecimento” contra o qual, com sua fina ironia, desancara Machado em carta pública ao Chefe de Polícia.
            Descobri inicialmente um site[1] sobre antigos teatros da cidade do Rio de Janeiro que dava o endereço (Rua da Vala), data da inauguração (1959) e o nome do proprietário (Arnaud), além de muito boa bibliografia para quem se interessasse pelo objeto. Mais pesquisas levara-me ao projeto de pesquisa de pós-doutoramento, na PUC/SP, de minha ex-professora de História Contemporânea na UERJ, Lená Medeiros de Menezes[2]: “(Re)inventando a noite: o Alcazar Lyrique e a cocote comédiénne no Rio de Janeiro oitocentista”, publicada na Revista Rio de Janeiro, daquela universidade. Achei, também, artigo da mesma autora “Aimée, a Cocotte Comedienne e o toque feminino francês na noite carioca”, que complementa o artigo da Rio de Janeiro, oferecendo mais informações sobre a estrela do Alcazar, Louise Aimée.
         O Alcazar Lyrique teve os seguintes nomes entre 1866 e 1880: Théâtre Lyrique Français, Theatro Francez, Alcazar Lyrico Fluminense e Alcazar Fluminense. Era uma iniciativa privada, tendo sido idealizado pelo artista francês Joseph Arnaud, proprietário e empresário que pretendeu dar à casa de espetáculos a feição dos cabarés de Paris..
De acordo com o Jornal do Commercio de 17/02/1859, o teatro foi inaugurado com o seguinte repertório: "Ouverture; 1ère Partie: - Adieu, M. Lamoureux, chansonnette par Mlle. Adèline; - Le cabinet de lecture, scène comique par M. Amédée; - Un prince auvergnant, duo-comique par Mlle. Julie et M. Triollier; - La faurette du canton, par Mme. Maire; Le chat de Mme. Chopin, scène comique par M. Germain; Le vieux braconier, chansonnette par M. Amédée; - Air de Galathées, par Mme. Maire. 2ème Partie: 1ère présentation de "La perle de la cannebière", vaudeville en 1 acte de Marc Michel et Labiche. Distribution: Beautandon - MM. Amédée; Godefroid, son fils - MM. Triollier; Antoine, domestique de Beautandon - MM. Germain; Georges, domestique de Thérèson - MM. Alexis; Thérèson, macasse marseillaise - MMmes Céline Dulac, Mme. de Ste. Poule, Mmmes. Adèline Morand; Mme. Blanche, sa fille - MM. Julie Conjeon. O preço do ingresso de entrada foi, segundo o periódico, 1$.
Figuram depois como proprietários do teatro, além de seu primeiro dono,  D. Izabel (que deu nome ao estabelecimento, a partir de 1877), Antonio Gomes Neto e Lucinda Chabaud. Luis Ribeiro de Souza aparece como proprietário noRequerimento 50-2-60 de 15/02/1879. Após o falecimento de J. Arnaud, o teatro foi vendido pela viúva para o Capitão Luis de Carvalho Rezende em 1880[3].
Explica a professora Lená que o Alcazar Lyrique era um teatro de variedades, nos moldes do teatro criado por Offenbach[4] em Paris, onde a  plateia era uma participante da apresentação. A estrela da casa era Louise Aimée, uma cocotte comedienne[5], que parecia encantar a tantos quantos a vissem e, chocar outros, como Machado de Assis.
            Em seu artigo, Lená apresenta o Alcazar Lyrique como uma expressão burguesa da Paris de Napoleão III (período das reformas de Haussmann) e das Exposições Internacionais: o moderno ininterrupto e a consolidação das Ciências e da Indústria. As cocotes eram, então, a expressão dos tempos modernos que Paris irradiou pelo mundo e, no Rio de Janeiro, que se urbanizava a céleres passos, situava-se na Rua da Vala[6], números 43, 45, 47, 49 e 51.
            O teatro Alcazar era polêmico, e o escritor Joaquim Manuel de Macedo[7], que dele não gostava, como Machado de Assis, o considerava “satânico” porque era “o teatro dos trocadilhos obscenos, dos cancãs e das exibições de mulheres seminuas”[que] que ”corrompeu os costumes e atiçou a imoralidade”, [determinando] o “a decadência da arte dramática e a depravação do gosto”. (MACEDO, 1988, p. 142 apud MENEZES, 2007, p. 77)
            Gastão Cruls, médico e editor, também crítico tenaz do estabelecimento, segundo texto dele próprio, que Lená nos apresenta (p.74), denigre o estabelecimento com ásperas palavras:

[...] os velhos babosos, os maridos bilontras e a rapaziada bordelenga se davam rendez-vous todas as noites, para rentear as atrizes brejeiras e as cupletistas gaiatas que degelavam os mais idosos e rescaldavam os mais moços. (Cruls, 1965, p. 553)[8]


            E eu fiquei me perguntando se, sendo um teatro tão polêmico, porque teve tantos nomes? Por que durou tanto? E, lendo os textos de Lená verifiquei que faziam sucesso, porque esse teatro transgressor era “a moda de Paris” nos trópicos. E quem não queria ser moderno naquela época?
            E a própria Lená acrescenta à minha percepção sobre o porquê do sucesso, no texto sobre Aimée:
[...] as artistas do Alcazar tornaram-se símbolos emblemáticos de um novo viver urbano, no qual as artistas do teatro de variedades tomavam os palcos, invadiam as ruas e difundiam a moda para além dos limites de seu “meio mundo”; estrelas incontestes de um novo gênero teatral: leve, divertido e condizente com tempos nos quais trabalho e lazer travavam uma nova dialética[...] (MENEZES, s/d, p.2)[9]

            O teatro desaparece em 1877 devido à nova denominação. E, ao término desse escrito sobre o Alcazar, deixe-me confessar-lhes: Gostaria de ter ido lá, visto o vaudeville, e conhecido Aimée!



[2] Atualmente Professora Titular de História Contemporânea da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP).
[3] Dados do site Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.
[4] No período Haussmann (final do século XIX) como prefeito de Paris, Offenbach aproveitou o momento em que os espetáculos teatrais exploravam usavam o humor ácido para divertira as pessoas  levando inúmeros parisienses à plateia e criou o can-can (tema musical da opereta Orfeu no Inferno), onde mulheres quase despidas (o que para a época era moralmente condenável) dançavam e cantavam com a ajuda dos espectadores.
[5] Que hoje diríamos ser uma mulher bonita, jovem e disponível de origem francesa, que atuava como comediante.
[6] Depois Uruguaiana. A rua da Vala tinha essa denominação porque neste terreno havia um escoadouro das águas da cheia do rio Santo Antônio, pertencente ao Convento do mesmo nome.
[7] 1820-1882. Autor de A Moreninha, era médico de formação. Foi jornalista, escritor e professor.
[8] CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. Notícia histórica e descritiva da cidade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965.

domingo, 8 de novembro de 2015

O guizo do felino Gatuno




         
                 Adivinharia o fabulista La Fontaine, nos anos de 1600, o que aconteceria no Brasil em 2015? Por vezes penso que sim. Por isso sirvo-me de suas maravilhosas fábulas, como essa da Assembleia dos Ratos, para escapar da plena ditadura da Justiça injusta de nosso país que impede, tal qual a ditadura militar dos anos 1960,70 e 80, falar/escrever o que se pensa com nomes e sobrenomes.

            Existia, no país dos bichos, um gato esquisito chamado Gatuno que incomodava os ratos moradores de uma grande casa redonda de aspecto engraçado (a casa fora projetada por magnífico arquiteto que amava as formas) porque mandava em todo mundo e ameaçava quem não o obedecesse. Ocupando o topo da cadeia alimentar, esse felino era um predador natural de diversos animais, como roedores, pássaros, lagartixas e alguns insetos.
Gatuno sibilava, arregaçando os dentes e, com a desfaçatez que o caracterizava, esbravejava e miava alto fazendo com seu miado ressoasse tão alto que a cidade toda, e até o país, ficaram com medo do que poderia fazer. O Gatuno, talvez para impressionar seus adversários que somavam quase todos os habitantes do país dos bichos, dizia-se representante do Rei dos bichos e, no comando do parlamento dos bichos, desarquivava projetos das cobras, suas amigas desde sempre, e criava outros, surgidos na idade das trevas dos bichos, que faziam o país dos bichos retroceder no tempo tirando, malevolamente, direitos há muito conquistados de seus cidadãos.





            Os governantes do país dos bichos deixavam Gatuno fazer o que quisesse. Invocam a Constituição dos bichos que assegurava que os Poderes, Gatuno pertencia ao Legislativo, eram independentes e autônomos. Também tinham medo que Gatuno invalidasse, através de manobras maquiavélicas, o direito de governar que receberam em eleição correta e legal. A oposição tinha medo que a reverberação dos sibilos de Gatuno pudessem fazer com que se descobrissem fatos iguais aos que denunciavam dos governantes e, pela imprensa amiga, ininterruptamente, reclamavam do governo mas se metiam com Gatuno com medo que ele denunciasse o que fizeram que eram as mesmas coisas que denunciavam juntos.
            Toda essa confusão no país dos bichos começara quando a oposição ao governo eleito não se conformara com o resultado das eleições e fazia de tudo para governar o país dos bichos no lugar dos eleitos: ameaçava; queria a volta da ditadura dos bichos – quando gorilas passaram a governar à revelia das espécies -; tirava da cartola dos coelhos imensos relatos, chamados pelos animais de “denúncia premiada” (porque premiava o denunciante a não ser preso), que ninguém apurava se eram verdadeiros mas era amplamente divulgado pela imprensa escrita e televisiva; e, para fazer frente ao novo governo eleito, ajudara a eleger o Gatuno.
Enfim... o país foi ficando ingovernável para quem estava no governo dos bichos e para quem queria tomar o poder. Enquanto isso, Gatuno satisfeito com sua eleição no Parlamento, providenciava que o Governo dos bichos não pudesse mandar buscar o dinheiro que ele escondia fora do país dos bichos, tirando da cartola de seus amigos coelhos, outra lei de retrocesso. Dessa vez da economia! O país dos bichos afundava e Gatuno ria, entre os dentes afiados!
Mas como começara a raiva de Gatuno no parlamento dos bichos? Bom, foi durante uma assembleia de ratos que, insatisfeitos com Gatuno, tiveram a ideia de botar no felino deputado um barulhento guizo que os avisasse da chegada dele para que todos pudessem esconder-se de sua língua ferina. Neste dia, reuniram-se os representantes de partidos do parlamento dos bichos que eram inimigos de Gatuno (eram poucos, meia dúzia contra mais de quinhentos “amigos” e “colaboradores”!), membros da sociedade civil organizada, representantes das diversas instituições, enfim, todo o mundo dos bichos, para decidir quem colocaria o guizo em Gatuno para avisá-los com antecedência. A reunião começou no início do ano e até o final dos dias daquele mesmo ano, ninguém se apresentava para colocar o guizo. 



E o Gatuno sibilava, mostrava s dentes e ria!
A situação só se resolveu quando descobriram, no país vizinho, recibos do dinheiro que ninguém sabia que Gatuno tinha escondido e, vendo que no país dos bichos todos tinham medo de Gatuno, mandaram a polícia do mundo para prendê-lo e, ao mesmo tempo, colocar o guizo. Gatuno saiu algemado do parlamento. Não sibilava. Não olhava para os fotógrafos que teimavam em espocar mil flashes. Tentou abaixar a cabeça, como os criminosos sempre fazem para não serem reconhecidos. Não conseguiu, a polícia do mundo não tolerava esse tipo de coisas!
Quem visse Gatuno nem acreditava! A população do país dos bichos sorria feliz: milagre! Até os amigos de Gatuno deram entrevistas para mostrar distanciamento! Mas o mundo estava cheio das maracutaias e mandou prender muitos bichos, inclusive os que deram entrevista.

Essa fábula, claro, termina como as novelas do país dos bichos, com final feliz, porque o povo precisa, ao menos, sorrir, de vez em quando: fez-se Justiça justa. Colocaram m o guizo, e algemas. em Gatuno!

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A Casa do Livro Azul






A Casa do Livro Azul foi um sebo, livraria onde se vendiam livros e revistas usados,  da cidade do Rio de Janeiro, que funcionou de 1828 a 1852, na famosa Rua do Ouvidor, a princípio no número 113 e depois no número 138. (HALLEWELL, 1985, p.127). Seu proprietário, Albin Jourdan, logo tornou-se Albino Jordão, numa naturalização informal promovida por seus frequentadores. E por que lembrar disso?
Quando livrarias e editoras cerram as portas, talvez à espera de momentos econômicos mais favoráveis, me ocorreu que pouca gente sabia que havíamos tido na cidade um sebo de nome tão poético. Não é desconhecido. Joaquim Manoel de Macedo cita-o em sua elegia à Rua do Ouvidor:

Aquela casa n.º 113, ainda do lado esquerdo, acanhada, estreita, mas de três pavimentos, cujo letreiro chamador de fregueses anuncia o Café de Londres, e excelente Restaurant, foi levantada no lugar onde se mostrava a antiga e pequena casa térrea de duas portas, que ainda em 1838 era loja de livros do Albino Jordão. Lembro-me sempre dele! lembro-me da sua modesta loja de livros novos e velhos, de obras encadernadas ou em brochura, que se vendiam ali a barato preço. Em meu tempo de estudante fui freguês do Albino Jordão e entre outras obras comprei-lhe as Memórias Históricas de Pizarro e as Memórias para Servir à História do Reino do Brasil, do Padre Luís Gonçalves dos Santos, por alcunha o - Perereca -, as quais de tanto socorro me têm sido em estudos, como este que estou fazendo. O Albino Jordão era, quando o conheci, homem já velho, vestindo sempre jaqueta, e desde muito cego e surdo. Contra a cegueira não tinha recurso, que não fossem a memória surpreendente e o tato explicavelmente aprimorado; contra a surdez, que não era completa ou absoluta, socorria-se de famosa e tradicional buzina, que o fazia ouvir o que os fregueses da loja procuravam.
Albino Jordão tinha dois ajudantes, meninos ou rapazes de quatorze a dezesseis anos, de instrução nula e de pouco zelo: quando eles, porém, não serviam de pronto a algum freguês e demoravam-se, procurando o livro pedido, o cego levantava-se da sua cadeira, punha a buzina ao ouvido, e ciente do que se pedia, ia sempre certeiro e sem nunca enganar-se tomar o livro na estante e o lugar onde estava, ainda mesmo quando lhe era necessário subir por pequena escada portátil para ir buscá-lo.
Eram na verdade admiráveis a memória, o tato e o tino que a cegueira apurava naquele velho cego, mas, para que pudessem tanto, era só e exclusivamente ele o ordenador e colocador dos livros nas estantes da sua loja. Albino Jordão foi, como livreiro, contemporâneo dos notáveis e célebres livreiros Saturnino, João Pedro da Veiga e Evaristo Ferreira da Veiga, filhos do primeiro; mas em sua loja, que não podia rivalizar com a daqueles, vendia em geral obras já usadas, livros em segunda mão, e portanto baratíssimos, e se por isso deve ser tido em conta do primeiro alfarrabista da cidade do Rio de Janeiro, foi de tanto proveito para o público, e de tão sã consciência na sua indústria, que nunca lhe caberia o nome feio que os estudantes do Imperial Colégio de Pedro II deram ao vil belchior de livros velhos estabelecido na vizinhança daquele colégio da Rua de S. Joaquim, nome um pouco obsceno que a principio se estendeu a todos os chamados hoje alfarrabistas. A Rua do Ouvidor deve perpetuamente lembrar o seu Albino Jordão, o primeiro livreiro que teve, o precursor, ou antecessor dos Srs. Laemmert, Garnier e ainda outros, o Albino Jordão, enfim, cuja buzina foi tão famosa como a tesoura de Mme Joséphine[1], e muito mais útil do que ela, se as minhas excelentíssimas leitoras permitem que eu assim o pense. (capítulo XIV, p.253)


E, pelo texto de Macedo, percebe-se que era ali que se abasteciam de livros os alunos do Pedro II, talvez porque o preço dos alfarrábios que, também  naquela época, não fossem baratos. Mas a leitura, desde Gutemberg, que marca sua expansão além da Igreja, fascina, e me fascina. E os sebos, dos quais a Casa do Livro Azul é uma fiel representante, como explicar que atraia, com seus velhos e amarelecidos escritos, a quem do código escrito se apodere?



Santos e Ferreira (s/data) pesquisaram uma Casa do Livro Azul[2], em Campinas, que havia sido inaugurada em 1876 e cerrado suas portas apenas em 1958, tendo como proprietários o Sr. Antonio de Castro Mendes (1876-1938) e Clésio de Castro Mendes (1938-1958). Teria o nome da livraria de Capinas sido inspirado pela Casa do Livro Azul do Rio de Janeiro?

Conta Alessandra El Far (2006), ao pesquisar o Livro e a Leitura no Brasil que, em 1870, o livro barato tinha capa brochada e de pequeno tamanho, o que possibilitava  vendê-lo “nas freguesias mais afastadas do centro do Rio de Janeiro”(p.32), tendo por intermediário os ambulantes.
Eu mesma, quando de minha primeira incursão numa loja dessas, fiquei maravilhada. Eram tantos livros! Tinham tamanhos diferentes, espessuras diversificadas, letras e imagens a me fazer tudo, e ao mesmo tempo a obscurecer-me os sentidos, que comprei vários deles e nem sequer procurei o que buscava. E o cheiro? O sebo tem um cheiro próprio que só o percebi em outro lugar, no Centro de Memória que dirigi. É um cheiro de papel diferente, talvez porque se misturasse à cola que prendia páginas de muitos deles.A Casa do Livro Azul foi das primeiras na Rua do Ouvidor com esse ofício. Deixou saudades, creio, se a mim deixa desse passado lindo do Rio que não vivi.



Referências:
EL FAR, Alessandra. O Livro e a Leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006.

HALLEWELL,  Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. da Universidade de São Paulo, 1985.

SANTOS, Maria Lygia C. Köpke e FERREIRA, Norma Sandra. A TYPOGRAPHIA, PAPELARIA, LIVRARIA - CASA LIVRO AZUL (1876-1958). Disponível em





[1] “Mme Josephine foi talvez a primeira, e com certeza uma das primeiras, que marcaram a época da hégira das francesas para a Rua do Ouvidor.  Mlle. Josephine foi a modista da primeira Imperatriz do Brasil, e, portanto, de todas as senhoras da corte, e, portanto, de quantas outras senhoras tinham pais e maridos dispostos a pagar frequentemente a habilidade e a fama da modista, cuja tesoura de imperial predileção cortava cara e desapiedadamente.  E por isso mesmo era célebre, e a melhor possível, e a mais desejada a tesoura da incomparável Josephine.  A casa da modista começara com a denominação de Mme Josephine; casando-se, porém, esta algum tempo depois com Mr. Quelque Chose, já era tanta e tão proveitosa a fama do nome da modista, que mulher e marido acordaram em conservá-lo na designação da loja, que ficou denominada de Mme. Josephine”.(ibidem, p.246)

[2] “De início, a pequena lojinha de apenas uma porta tem como especialidade a Encadernação e conta na Tipografia apenas com uma máquina Magand e umas 10 variedades de tipos destinados a imprimir cartões de visita. Conta ainda com uma seção muito rudimentar de fabrico de caixas de papelão que forneceu por muito tempo à antiga firma Bierrenbach & Irmãos, fábrica de chapéus.
Em seguida, amplia seus investimentos, instalando também uma pequena papelaria com estoque de caixas e artigos para escritórios que gradativamente também iam se proliferando pela cidade” (SANTOS E FERREIRA, s/data. Disponível em  http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais14/.../H504.doc