Amplos, variados e
diversificados têm sido os estudos cuja temática são os intelectuais. De
Gramsci(1977) a Bobbio (1997), de Albuquerque Júnior (2004) a
Carvalho(2006), tais estudos refletem sobre o papel do intelectual,
nomeando-o, ou não, numa classificação autoral.Esta reflexão, no entanto, não
pretende tratar do papel dos intelectuais, nem entrar na tormentosa discussão
de como identificá-los a partir de algumas características, mas pensar sobre a
inclusão nesta categoria de um grupo de
professores que, no século XIX marco dos intelectuais, atuavam na Congregação da Escola Normal como
formadores dos professores primários, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso
tomarei da historiografia as seguintes condições de classificação: erudição,
uso da escrita como instrumento para defesa de convicções políticas e forma de
intervenção social, defesa da autonomia para o desenvolvimento de trabalho
intelectual, uso da retórica ou da lógica para apresentação e defesa de idéias,
uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e criação de um corpus[2] diferenciado. Assim, ao refletir
sobre o movimento destes professores através do estudo de duas atas da
Congregação da Escola Normal[3]
de regimes e épocas diferenciadas, pretendo poder identificá-lo como corpus, através das ações e estratégias
de posicionamento político refletidas em seus embates com o poder público,
como intelectuais.
Os membros da
Congregação eram professores da Escola Normal[4]
que, sob a presidência do Diretor da Escola Normal, deliberavam sobre o ensino
primário (pareceres, visitas de acompanhamento, análise de livros a serem
adotados e regulamentos escolares) e sobre a instituição formadora, quer no
campo administrativo (início do período letivo, quantidade de vagas oferecidas
nos exames, autorizações ao Diretor), quanto no pedagógico (elaboração de
regulamentos, transferência de cursos de um turno para outro, [5]
conteúdos a serem ministrados, pareceres para a Instrução Pública, carga
horária das disciplinas, docentes a serem admitidos, bancas de exames, etc.). A
Congregação era, em suma, como um conselho cuja atribuição era deliberar sobre
as atividades da Escola Normal e acompanhar e sugerir sobre o que estava afeto
ao ensino público primário.
Antes da República nem todos os que lecionavam naquele estabelecimento
podiam ser partícipes da Congregação. Não participavam, no Império, os mestres
que lecionavam as Cadeiras de Desenho, Caligrafia, Música, Ginástica, Trabalhos
de Agulha [6] e Trabalhos Manuais, do Curso de Artes, talvez
porque, não compartilhassem o espírito que era comum aos formados em dada
disciplina, ou em determinada escola, o que dificultaria a relação de
cumplicidade no trato das questões, assim como a comunicação imediata entre
eles (Bourdieu, 2007), porque os mestres [7], como eram designados, eram apenas pessoas
qualificadas para um trabalho, muitas vezes manual[8], de fora do ambiente escolar[9], não sendo considerados eruditos ou professores.
Intelectuais da Congregação da Escola Normal
Os congregados eram intelectuais, formados em sua grande parte pelas
poucas faculdades existentes no Brasil, como Manoel Bonfim (Faculdade de
Medicina da Bahia), Alfredo Gomes (Faculdade de Medicina do Município da
Corte), Joaquim Abílio Borges (Faculdade de Direito de São Paulo), Francisco
Carlos da Silva Cabrita e João Pedro de Aquino (Escola Central, depois Escola
Politécnica); ou com passagem anterior, no curso secundário, pelo Imperial
Colégio de Pedro II onde foram laureados como Bacharel em Letras, é o caso,
dentre outros, de Tomás Delfino dos Santos e José Veríssimo Dias de Mattos; ou
pela Escola Militar, como Benjamin Constant e Álvaro Joaquim de Oliveira.
Carvalho (2003, p.78) enfatiza que a educação era marca distintiva da elite
política no Império, por isso não constitui surpresa o fato de que muitos
professores da Escola Normal como, por exemplo, Carlos Maximiano Pimenta de
Laet (deputado pela província da Parahyba e pela província de Goiás) ou Antonio
Ferreira Vianna, filho (representante da Corte e do Rio de Janeiro na Câmara
Temporária 1869 e 1877), exercessem cargos políticos, mesmo durante a
república, caso de Benjamin Constant (membro do Governo provisório e Ministro
da Instrução Pública, Correios e Telégrafos).
A publicização do conhecimento do erudito como busca da justiça, da
moral e do direito (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p. 57), no sentido de melhorar o
mundo, é uma faceta característica do intelectual. Foi desta forma que agiu
Émile Zola ao defender Dreyfus publicando O J´accuse
[10]. A imprensa e a literatura se confundiram no final
do século XIX de tal modo que as opiniões, assim como as prosas e os poemas, se
multiplicavam em periódicos de curta duração.(SODRÉ, 2004, p.288) A todos,
especialmente aos letrados e cultos, era dado a possibilidade de opinar.Como os
letrados e cultos eram poucos e escreviam para seus iguais, a imprensa serviu,
também para divulgar quem escrevia e, desta maneira, legitimá-los como homens
cultos. Desta forma também se legitimavam as opiniões e os conhecimentos
adquiridos pela profissão, muitas vezes, no entanto, mais por folhetos do que
livros, como pensava José Veríssimo, um dos professores da Congregação (ibidem,
p.290).
Todos os congregados escreviam, publicando artigos e comentários em
jornais. É o caso, dentre muitos, de Carlos de Laet (Jornal do Commercio), Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho (Revista Brazileira), Antonio Valentim da
Costa Magalhães (revista periódica Entre
Actos), Carlos Jansen (O Cruzeiro),
Tomás Delfino dos Santos (revista Universal),
Joaquim Borges Carneiro (Revista
Brazileira, Reporter, Semana). Ou, ainda, divulgando novos conhecimentos
através de obras específicas de sua formação, ou de seu trabalho no magistério,
onde destacamos Domingos Jacy Monteiro (Arsenico
e seus compostos:effeitos phsycologicos e therapheuticos), Evaristo Nunes
Pires (Progressos do Brazil no século XVIII,
até a chegada da família imperial), João Carlos de Oliva Maia (O regimen de internato nos estabelecimentos
de instrução secundaria e nas escolas normaes) e Guilherme Henrique
Theodoro Schiefler (Gramática da Língua
Alemã ou Novo Methodo completo para si aprender e traduzir).
O silêncio como estratégia
A intervenção política do intelectual no oitocentos brasileiro se dá
mais pela representação do que propriamente pelo direto envolvimento
(CARVALHO,2005, p.83) porque a liberdade está, também, associada às escolhas
que faz, inclusive do verbalismo sem ação direta. Assim, a intervenção se dá
não só pela comunicação, e do uso da imprensa pelo intelectual, mas, também e
principalmente, pelo uso do sistema simbólico da ordem vigente para a
transformação da estrutura social. Porque, o final do século XIX Brasil foi
palco de inúmeros embates por conta das várias ideologias, ao mesmo tempo em
que se modernizava através do que as ciências traziam, com novos valores e
novos processos identitários sobre os quais se precisava refletir e posicionar.A
Congregação republicana de 1890, era composta por todos os professores que se
dedicavam ao magistério na Escola Normal da Capital Federal, sem distinções do
curso em que atuavam. Foi, também, um grupo constituído por homens e
mulheres intelectuais, que se distinguia pela heterogeneidade de procedência,
seja pela região brasileira, ou estrangeira, de onde provinham, seja pela
formação que os habilitava. A homogeneidade de seu saber, cultivado por
inúmeras leituras e viagens, dava voz, valores, corpo e atos à educação que
ministravam (CIAVATTA, 2003) no curso de formação de professores primários
revelando seus pensamentos, sonhos,
aspirações e interesses para a instrução nas escolas públicos.
Investigar
Luiz Carlos da Silva Nazareth [11]
requereu estudar o período de que fez parte da Escola Normal do Distrito
Federal, 1897 e 1898, buscando pistas que pudessem explicar o fato de um
Inspetor-escolar dirigir vitaliciamente o educandári formador que contava com
um prestigiado corpo docente composto da alta intelectualidade brasileira do
período. O
Livro de Ofícios da gestão de Luiz Nazareth[12]
deixou para a posteridade, pistas e indícios que apresentam sua administração
na Escola Normal como um período de mudanças significativas de paradigmas, seja
por estar ali Nazareth como partícipe de um regime que se instalava, seja por
sua atuação frente ao corpo de professores – a Congregação – que ainda detinha
poderes advindos do regime imperial, seja por não fazer parte do grupo que ali
existia.
Luiz Carlos da Silva Nazareth tomou posse do
cargo de Diretor vitalício da Escola Normal em 26 de abril de 1897, convidado
por seu amigo, também médico, como ele, Dr. Francisco Furquim Werneck de
Almeida, Prefeito do Distrito Federal. No mesmo dia, algumas horas depois,
assumiu a Escola Normal, como declarou no documento que o empossa. Chegar à
Escola Normal, neste momento, deve ter sido difícil para este homem circunspeto,
como o considerava Bathazar da Silveira (1954). Mas assumir a direção da Escola
Normal significava, para Luiz Nazareth, servir à República.
No
dia em que chegou à Escola Normal, como Diretor vitalício, Luiz Carlos da Silva
Nazareth emitiu seu primeiro ofício dos muitos, aqui tomados como símbolos do
cargo ocupado e de sua “aproximação” à alta cúpula hierárquica.. O destinatário
era o Dr. Alfredo Gomes, até aquele momento professor e conceituado Diretor da
escola. Não houvera tempo, visto que a posse de Nazareth fora horas antes, de
comunicação entre a Prefeitura e a Escola Normal. O Dr. Alfredo foi
provavelmente, tomado de surpresa pelo texto seco e imperativo do novo Diretor:
Comunico-vos que assumi hoje a diretoria
desta Escola, cargo em que conto com a vossa coadjuvação. O Dr. Alfredo era
como Nazareth, um simpatizante do novo regime, no entanto, não esperava ser
tomado pelo susto que recebeu. A ele juntaram-se seus colegas da Congregação de
professores, que naquele momento, não se manifestaram, como talvez desejassem.
Explica-nos Pollak (1989) que
[...] uma situação ambígua e
passível de gerar mal-entendidos pode, ela também, levar ao silêncio antes de
produzir o ressentimento que está na origem das reivindicações e contestações
inesperadas [...](p.202)
Assim,
naquele momento, e durante toda a curta gestão de Nazareth à frente da Escola
Normal, a Congregação de professores se manteve silenciosa.
Em
maio, depois de vários ofícios ao dia, encaminha Nazareth o ofício de um
Professor de História, que se mostra contrário ao Decreto que reduzira os
tempos de aula da disciplina. Esta questão, até então, era resolvida pela
Congregação de professores, Nazareth, no entanto, presidente da Congregação,
não convocou o grupo durante toda a sua gestão, como acontecera desde a criação
da Escola Normal, em 1880. Encaminhou o ofício a quem criara o Decreto, o
Diretor Geral da Instrução Municipal. Não opinou sobre o tema. Omitiu-se. A
Congregação e Nazareth usaram da mesma estratégia: o silêncio.
O
ofício enviado pelo diretor Nazareth encaminhando o professor de Trabalhos
Manuais, revela um certo ressentimento e uma total impaciência, colocando-se
até numa posição de superioridade. Chama o professor de incompetente, afirma
que ele mal sabia assinar e insinua que roubara ferramentas da Escola Normal. É
óbvio que o professor se defendeu das inúmeras acusações apresentando suas
credenciais, inclusive a de ter sido contratado pelo professor Benjamin
Constant. Nazareth não ficou satisfeito. Enviou outro ofício, tão desrespeitoso
quanto o primeiro, comunicando ao seu superior que dera prazo de 48 horas para
que as ferramentas que estavam na casa do professor aparecessem e,
encaminhando, porque acreditava que esta atitude fazia parte de seus deveres,
novo ofício contra o Professor, que não conseguiu escapar de ser substituído.
Estaria perdendo a paciência com os professores ou o professor de Trabalhos Manuais
era um insignificante mestre, sem expressão, que Nazareth precisava conspurcar
para mostrar que de nada valia a Cadeira e quem a ministrava? A Congregação talvez não
tenha ficado satisfeita pelo encaminhamento do problema, ainda que este
professor dela não fizesse partemas, como Foucault (1996,) explica, quando uma nova formação aparece com novas
regras nunca é de um só golpe, numa frase ou numa criação, mas em fragmentos.
Era melhor silenciar.
Era
difícil para Nazareth, muito difícil, encarar todos os dias os mesmos problemas,
seja com os alunos[13], seja com os
professores. Ninguém na Escola Normal parecia entender seus propósitos.
Nazareth pediu sua exoneração do cargo de
Diretor desta Escola[14], em 16 de
novembro de 1897. Não lhe mandaram substituto. Pediram-lhe que refletisse e se
mantivesse no cargo. Ele atendeu. Provavelmente acreditando que deveria
continuar servindo à nação. Seu dever para com o cargo, que não mais desejava
manter, o fez aguardar até 4 de fevereiro de 1898. Neste dia enviou seus
derradeiros ofícios como Diretor da Escola Normal: um para o Diretor de
Instrução Municipal, outro ao Prefeito do Distrito Federal. Em ambos se mostra
desgostoso com o rumo que o regime recém-implantado estava tomando. De fato é
até provável que tenha se sentido traído. Renuncia ao cargo vitalício.
Sabia
ele, mas não levou em conta, que o ex-diretor Escola Normal, Alfredo Gomes, que
havia retirado da presidência da Congregação, fazia parte do Conselho Superior
de Instrução Pública, como outros ex-congregados. Nazareth mostra-se tão
surpreso quanto ficara Alfredo Gomes com sua chegada à Escola Normal ao
adentrar à reunião do Conselho. Fora exonerado. Fica claro, para ele, que todos
os problemas[15] com que se
deparara no Conselho Superior de Instrução viera da Escola Normal. Foi Alfredo
Gomes quem falou o discurso da Congregação aviltada na gestão de Nazareth. A
Congregação silenciosa, mas não silenciada.
.
O
uso da retórica como convencimento: embate por um projeto
Quando
a Escola Normal se encontrava vinculada à Prefeitura do Distrito Federal foi
apresentada à Congregação uma reforma do ensino primário proposta do Prefeito
Francisco Furkim Werneck de Almeida [16],
antes da chegada de Nazareth. Foi levada à discussão em sessão de 29 de
março de 1897, pelo Diretor da Escola Normal, naquele momento atuando, naquele
episódio, como representante do poder público republicano e não como presidente
da Congregação.
As atas
das sessões no acervo do CEMI[17] que
trataram do tema permitem perceber o uso da retórica como instrumento
persuasivo, como denomina Carvalho (2000, p. 133), seja pelo Diretor Alfredo
Gomes, que desejava que a reforma fosse realizada com a anuência da
Congregação, seja pelo Professor Guimarães Rebello, que acreditava que a
reforma tirava a autonomia da Congregação de opinar sobre o Ensino Normal e
sobre o Ensino Primário. O uso da retórica vem da tradição escolástica
portuguesa que predominou no Colégio de Artes e na Universidade de Coimbra
(ibidem, p.130) e, em terras
brasileiras, nas Faculdades, especialmente a de Direito, no Imperial Colégio de
Pedro II e na Escola Militar, onde uma grande parte da Congregação estudara.
O uso da
retórica implica: no costume do linguajar erudito que restringe a poucos o
deciframento do que está efetivamente sendo dito e no discurso apoiado em
autores estrangeiros (naquela época especialmente os gregos e romanos), que
impressionam o ouvinte pelo conhecimento deles pelo orador mais do que
efetivamente explicam o porquê de sua citação, dando credibilidade ao
argumento. Esta foi uma estratégia de uso comum aos intelectuais – e ainda o é
– quando desejam impressionar e persuadir. Os discursos são elaborados de
acordo com quem os ouve, isto é, com a platéia que escuta o discurso e deve ser
convencida. Os argumentos, dos quais se vale o orador, muitas vezes carecem de
elementos pragmáticos de reflexão imediata, o que facilita, de certo modo, a
persuasão do ouvinte, mas também atendem ao que a platéia gostaria de ouvir.
Na sessão
que apresento, o professor Barreto Galvão[18],
valendo-se de sua própria legitimidade (ibidem, p. 134) como professor das
Cadeiras de Física e Química da Escola Normal, a quem cabia a Cadeira de
Astronomia, que pela proposta deveria ser excluída, retrucou os argumentos do
Diretor com retórica de lógica cartesiana, como quem era profundo conhecedor
das práticas pedagógicas da cultura da formação de professores. Isto porque o
positivismo trouxera uma nova imagem da ciência que o intelectual da época
reforçava, seja pela racionalidade dos procedimentos, seja pela busca da
neutralidade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p.55) o que tornava mais científicos seus argumentos. Esta
condição deu a Barreto Galvão, naquela situação, a possibilidade de, também,
usar um discurso próprio para um público que sabia igual a si: os professores
sem cargo político no governo.
Também se
envolveram neste embate os demais professores, liderados pelo Dr. Eugenio
de Guimarães
Rebello que, tendo se valido dos juízos de valor como argumentos
(ibidem,p.135), passou a usar de discurso além da racionalidade como, por
exemplo, argumentar que o Prefeito, caso estivesse realmente desejando executar
o projeto de reforma, deveria consultar a Congregação previamente para saber se
deveria fazê-lo.
Alfredo
Gomes, de modo a encerrar a discussão que ora o atingia, como Diretor, e ao
Prefeito, consequentemente, e, de outro lado, para, de certo, arrefecer a
autonomia dos congregados da Escola Normal, sugeriu que uma comissão fosse
composta por ele, pelos professores Francisco Cabrita [19] e
Guimarães Rebello para discutir o assunto e resolvê-lo. Sua proposta não foi
inócua, também ela corroborava a retórica que defendera. Os dois primeiros
professores foram escolhidos porque um estava na direção, ele próprio, e o
outro porque fora Diretor e, ambos, sabiam se colocar como mediadores do poder
público e daquela Congregação. Eram homens ligados ao aparelho de Estado que
apareciam como agentes decisivos para resolver aquela situação. O último, ora,
era quem mais reclamava e estava conseguindo cada vez maior número adeptos
dentre os demais congregados. Assim, o Diretor usou a retórica, e a
inteligência, para explorá-las como instrumentos de poder político, ao
instituir a comissão de estudos.O Dr. Guimarães Rebello, envaidecido por ter
sido citado para compor a comissão, resvalou em suas convicções, já persuadido
pelo Diretor e passou, num discurso propositivo, próprio dos intelectuais espertos (BOBBIO,1997, p.73) a achar que as
bases formuladas pelo Dr. Alfredo Gomes têm lacunas mas que, por interpretar o
pensamento do legislador, devem servir de elementos a quem quer que queira
estudar o assunto. Na sessão seguinte da Congregação o trabalho foi
apresentado, foram discutidos inúmeros pontos e foi lavrada uma ata que, no
final, veio a ser "desconsiderada". É lavrada então outra ata,
concisa, sem comentários que relata que. o trabalho da comissão foi aprovado
para ser encaminhado à Direção da Instrução Pública. O século XIX foi um
período de passagem da erudição para a intelectualidade pela transposição do
movimento iluminista em cientificista (ALBUQUERQUE JÚNIOR,2004, p.54). A
erudição, própria de quem exercia o magistério no século XIX, incluía o
conhecimento da retórica que a instituição que os formara, quase que
majoritariamente, tinha como boa doutrina,
seja a Universidade de Coimbra, sejam as Escolas de Direito, seja o Imperial
Colégio de Pedro II ou a Escola Militar. Por outro lado era sabido, e seguido,
que pelas Preleções Philosoficas, de
Silvestre Pinheiro Ferreira, citado por Carvalho (2006,p.133), que a retórica não deveria separar-se da lógica e da gramática, a teoria do
raciocínio não deveria separar-se da teoria da linguagem.
Conclusão
As duas situações são
emblemáticas, a par do contexto em que ocorreram, pelo uso pelos professores da
Escola Normal das inúmeras características descritas pela historiografia como inerentes
ao intelectual: defesa da autonomia para o desenvolvimento
de trabalho intelectual; uso da retórica, ou da lógica, para apresentação e
defesa de ideias; uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e a criação
de um corpus diferenciado.
A Congregação não
esteve imune ao conhecimento da boa doutrina, nem alheia ao cientificismo que a
Revolução Industrial espalhara pelo mundo um século antes. Como homens cultos, era natural que lessem, como natural que
escrevessem a partir de suas próprias reflexões. Os intelectuais da Congregação,
pertencendo a grupo diferenciado que usa atitudes de autocomiseração,
autoflagelação, auto-exaltação, autodestruição tinha, por conta desta autonomia,
papel político. E a Congregação demonstrou defender a autonomia, o que a
mantinha legitimada, nos dois casos, defendendo-a perante o poder público, que
fez que igualmente vencesse as pretensões dos congregados, mas os derrotou
politicamente.
O fato de a Congregação
publicizar, além das paredes da Escola Normal, através dos jornais onde também
trabalhavam os professores como articulistas, emitindo seus comentários, suas
defesas e seus ataques sobre decisões tomadas nas sessões congregacionais
tipifica o intelectual que tem em si mesmo, e nos seus iguais, seus ouvintes.
O século XIX foi, na
imprensa brasileira, um período bastante tumultuado, pois além das discussões
literárias, que não eram poucas, haviam as reformas, as muitas reformas (leis
abolicionistas, implantação do regime republicano, projetos de construção de
uma nação, etc.) com as quais se defrontavam pela escrita contundente, os homens cultos.
Por outro lado a
intervenção política não se deu apenas no uso da escrita. Quase todos os
congregados pertenciam a instituições e entidades associativas que se reuniam e
opinavam – publicizando ou não – seu protesto ou adesão a causas, o que
constituiu um corpus como a própria
Congregação o era. Assim, atendendo às características descritas na
historiografia no estudo dos intelectuais, posso afirmar que, no final do
século XIX, no Império e na República, havia intelectuais no magistério de
formação de professores, no Rio de Janeiro, na Congregação da Escola Normal.
Referências Bibliográficas e Documentais
ALBUQUERQUE
JÚNIOR, Durval Muniz de. Da história detalhe à história problema: o erudito e o
intelectual na elaboração do saber histórico. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v. 10 n. 2. jul.-dez.
2004.
BLAKE,
Augusto Victorino Sacramento. Diccionario
Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,1895.
BOBBIO,
Norberto. Os Intelectuais e o Poder.
(trad. Marco Aurélio Nogueira). São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo
–UNESP, 1997.
BOURDIEU. Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas.(introd., org. e seleção Sergio
Miceli). São Paulo: Perspectiva,2007
CARVALHO,
José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de
leitura. Topoi. n.1,PP.123-152 Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006
_____________. Pontos e bordados:escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005
_____________.
A Construção da ordem: teatro de sombras.
Rio de Janeiro:Ed. Civilização Brasileira, 2007
MICELI,
Sérgio. Intelectuais à brasileira.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001
NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro
na virada do século. (trad. Celso Nogueira). São Paulo: Companhia das
Letras, 1993
REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais história e política
(séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Ed 7 Letras, 2000
SODRÉ,
Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª ed.,
1999
BRAZILIAN
GOVERNMENT DOCUMENT DIGITIZATION PROJECT. Relatório do Ministério dos Negócios do
Império apresentado em maio de 1888. Instrucção primaria e secundária II Escola
Normal (p.25) Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1374/contents.html Aceso em 4 de junho
de 2008.
CEMI.
Escola Normal. Actas da Congregação. Rio de Janeiro: Instituto Superior de
Educação do Rio de Janeiro 1880-1898
______
Correspondências (1897-1898). Rio de Janeiro: Instituto Superior de Educação do
Rio de Janeiro 1897-1898
Nenhum comentário:
Postar um comentário