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sábado, 16 de maio de 2020

INTELECTUAIS NA CONGREGAÇÃO DA ESCOLA NORMAL (1880-1898)


                                                                                 Heloisa Helena Meirelles dos Santos[1]

UERJ

Congregação da Escola Normal do Distrito Federal; Intelectuais Embates republicanos

O estudo dos intelectuais


Amplos, variados e diversificados têm sido os estudos cuja temática são os intelectuais. De Gramsci(1977) a Bobbio (1997), de Albuquerque Júnior (2004) a Carvalho(2006),  tais estudos  refletem sobre o papel do intelectual, nomeando-o, ou não, numa classificação autoral.Esta reflexão, no entanto, não pretende tratar do papel dos intelectuais, nem entrar na tormentosa discussão de como identificá-los a partir de algumas características, mas pensar sobre a inclusão nesta categoria  de um grupo de professores que, no século XIX marco dos intelectuais, atuavam  na Congregação da Escola Normal como formadores dos professores primários, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso tomarei da historiografia as seguintes condições de classificação: erudição, uso da escrita como instrumento para defesa de convicções políticas e forma de intervenção social, defesa da autonomia para o desenvolvimento de trabalho intelectual, uso da retórica ou da lógica para apresentação e defesa de idéias, uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e criação de um corpus[2] diferenciado. Assim, ao refletir sobre o movimento destes professores através do estudo de duas atas da Congregação da Escola Normal[3] de regimes e épocas diferenciadas, pretendo poder identificá-lo como corpus, através das ações e estratégias de posicionamento político refletidas em seus embates com o poder público, como  intelectuais.
Os membros da Congregação eram professores da Escola Normal[4] que, sob a presidência do Diretor da Escola Normal, deliberavam sobre o ensino primário (pareceres, visitas de acompanhamento, análise de livros a serem adotados e regulamentos escolares) e sobre a instituição formadora, quer no campo administrativo (início do período letivo, quantidade de vagas oferecidas nos exames, autorizações ao Diretor), quanto no pedagógico (elaboração de regulamentos, transferência de cursos de um turno para outro, [5] conteúdos a serem ministrados, pareceres para a Instrução Pública, carga horária das disciplinas, docentes a serem admitidos, bancas de exames, etc.). A Congregação era, em suma, como um conselho cuja atribuição era deliberar sobre as atividades da Escola Normal e acompanhar e sugerir sobre o que estava afeto ao ensino público primário.
Antes da República nem todos os que lecionavam naquele estabelecimento podiam ser partícipes da Congregação. Não participavam, no Império, os mestres que lecionavam as Cadeiras de Desenho, Caligrafia, Música, Ginástica, Trabalhos de Agulha [6] e Trabalhos Manuais, do Curso de Artes, talvez porque, não compartilhassem o espírito que era comum aos formados em dada disciplina, ou em determinada escola, o que dificultaria a relação de cumplicidade no trato das questões, assim como a comunicação imediata entre eles (Bourdieu, 2007), porque os mestres [7], como eram designados, eram apenas pessoas qualificadas para um trabalho, muitas vezes manual[8], de fora do ambiente escolar[9], não sendo considerados eruditos ou professores.

Intelectuais da Congregação da Escola Normal

Os congregados eram intelectuais, formados em sua grande parte pelas poucas faculdades existentes no Brasil, como Manoel Bonfim (Faculdade de Medicina da Bahia), Alfredo Gomes (Faculdade de Medicina do Município da Corte), Joaquim Abílio Borges (Faculdade de Direito de São Paulo), Francisco Carlos da Silva Cabrita e João Pedro de Aquino (Escola Central, depois Escola Politécnica); ou com passagem anterior, no curso secundário, pelo Imperial Colégio de Pedro II onde foram laureados como Bacharel em Letras, é o caso, dentre outros, de Tomás Delfino dos Santos e José Veríssimo Dias de Mattos; ou pela Escola Militar, como Benjamin Constant e Álvaro Joaquim de Oliveira. Carvalho (2003, p.78) enfatiza que a educação era marca distintiva da elite política no Império, por isso não constitui surpresa o fato de que muitos professores da Escola Normal como, por exemplo, Carlos Maximiano Pimenta de Laet (deputado pela província da Parahyba e pela província de Goiás) ou Antonio Ferreira Vianna, filho (representante da Corte e do Rio de Janeiro na Câmara Temporária 1869 e 1877), exercessem cargos políticos, mesmo durante a república, caso de Benjamin Constant (membro do Governo provisório e Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos).
A publicização do conhecimento do erudito como busca da justiça, da moral e do direito (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p. 57), no sentido de melhorar o mundo, é uma faceta característica do intelectual. Foi desta forma que agiu Émile Zola ao defender Dreyfus publicando O J´accuse [10]. A imprensa e a literatura se confundiram no final do século XIX de tal modo que as opiniões, assim como as prosas e os poemas, se multiplicavam em periódicos de curta duração.(SODRÉ, 2004, p.288) A todos, especialmente aos letrados e cultos, era dado a possibilidade de opinar.Como os letrados e cultos eram poucos e escreviam para seus iguais, a imprensa serviu, também para divulgar quem escrevia e, desta maneira, legitimá-los como homens cultos. Desta forma também se legitimavam as opiniões e os conhecimentos adquiridos pela profissão, muitas vezes, no entanto, mais por folhetos do que livros, como pensava José Veríssimo, um dos professores da Congregação (ibidem, p.290).
Todos os congregados escreviam, publicando artigos e comentários em jornais. É o caso, dentre muitos, de Carlos de Laet (Jornal do Commercio), Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho (Revista Brazileira), Antonio Valentim da Costa Magalhães (revista periódica Entre Actos), Carlos Jansen (O Cruzeiro), Tomás Delfino dos Santos (revista Universal), Joaquim Borges Carneiro (Revista Brazileira, Reporter, Semana). Ou, ainda, divulgando novos conhecimentos através de obras específicas de sua formação, ou de seu trabalho no magistério, onde destacamos Domingos Jacy Monteiro (Arsenico e seus compostos:effeitos phsycologicos e therapheuticos), Evaristo Nunes Pires (Progressos do Brazil no século XVIII, até a chegada da família imperial), João Carlos de Oliva Maia (O regimen de internato nos estabelecimentos de instrução secundaria e nas escolas normaes) e Guilherme Henrique Theodoro Schiefler (Gramática da Língua Alemã ou Novo Methodo completo para si aprender e traduzir).

O silêncio como estratégia

A intervenção política do intelectual no oitocentos brasileiro se dá mais pela representação do que propriamente pelo direto envolvimento (CARVALHO,2005, p.83) porque a liberdade está, também, associada às escolhas que faz, inclusive do verbalismo sem ação direta. Assim, a intervenção se dá não só pela comunicação, e do uso da imprensa pelo intelectual, mas, também e principalmente, pelo uso do sistema simbólico da ordem vigente para a transformação da estrutura social. Porque, o final do século XIX Brasil foi palco de inúmeros embates por conta das várias ideologias, ao mesmo tempo em que se modernizava através do que as ciências traziam, com novos valores e novos processos identitários sobre os quais se precisava refletir e posicionar.A Congregação republicana de 1890, era composta por todos os professores que se dedicavam ao magistério na Escola Normal da Capital Federal, sem distinções do curso em que atuavam.  Foi, também, um grupo constituído por homens e mulheres intelectuais, que se distinguia pela heterogeneidade de procedência, seja pela região brasileira, ou estrangeira, de onde provinham, seja pela formação que os habilitava. A homogeneidade de seu saber, cultivado por inúmeras leituras e viagens, dava voz, valores, corpo e atos à educação que ministravam (CIAVATTA, 2003) no curso de formação de professores primários revelando seus pensamentos, sonhos, aspirações e interesses para a instrução nas escolas públicos.
Investigar Luiz Carlos da Silva Nazareth [11] requereu estudar o período de que fez parte da Escola Normal do Distrito Federal, 1897 e 1898, buscando pistas que pudessem explicar o fato de um Inspetor-escolar dirigir vitaliciamente o educandári formador que contava com um prestigiado corpo docente composto da alta intelectualidade brasileira do período. O Livro de Ofícios da gestão de Luiz Nazareth[12] deixou para a posteridade, pistas e indícios que apresentam sua administração na Escola Normal como um período de mudanças significativas de paradigmas, seja por estar ali Nazareth como partícipe de um regime que se instalava, seja por sua atuação frente ao corpo de professores – a Congregação – que ainda detinha poderes advindos do regime imperial, seja por não fazer parte do grupo que ali existia.
 Luiz Carlos da Silva Nazareth tomou posse do cargo de Diretor vitalício da Escola Normal em 26 de abril de 1897, convidado por seu amigo, também médico, como ele, Dr. Francisco Furquim Werneck de Almeida, Prefeito do Distrito Federal. No mesmo dia, algumas horas depois, assumiu a Escola Normal, como declarou no documento que o empossa. Chegar à Escola Normal, neste momento, deve ter sido difícil para este homem circunspeto, como o considerava Bathazar da Silveira (1954). Mas assumir a direção da Escola Normal significava, para Luiz Nazareth, servir à República.
No dia em que chegou à Escola Normal, como Diretor vitalício, Luiz Carlos da Silva Nazareth emitiu seu primeiro ofício dos muitos, aqui tomados como símbolos do cargo ocupado e de sua “aproximação” à alta cúpula hierárquica.. O destinatário era o Dr. Alfredo Gomes, até aquele momento professor e conceituado Diretor da escola. Não houvera tempo, visto que a posse de Nazareth fora horas antes, de comunicação entre a Prefeitura e a Escola Normal. O Dr. Alfredo foi provavelmente, tomado de surpresa pelo texto seco e imperativo do novo Diretor: Comunico-vos que assumi hoje a diretoria desta Escola, cargo em que conto com a vossa coadjuvação. O Dr. Alfredo era como Nazareth, um simpatizante do novo regime, no entanto, não esperava ser tomado pelo susto que recebeu. A ele juntaram-se seus colegas da Congregação de professores, que naquele momento, não se manifestaram, como talvez desejassem. Explica-nos Pollak (1989) que

[...] uma situação ambígua e passível de gerar mal-entendidos pode, ela também, levar ao silêncio antes de produzir o ressentimento que está na origem das reivindicações e contestações inesperadas [...](p.202)


Assim, naquele momento, e durante toda a curta gestão de Nazareth à frente da Escola Normal, a Congregação de professores se manteve silenciosa.
Em maio, depois de vários ofícios ao dia, encaminha Nazareth o ofício de um Professor de História, que se mostra contrário ao Decreto que reduzira os tempos de aula da disciplina. Esta questão, até então, era resolvida pela Congregação de professores, Nazareth, no entanto, presidente da Congregação, não convocou o grupo durante toda a sua gestão, como acontecera desde a criação da Escola Normal, em 1880. Encaminhou o ofício a quem criara o Decreto, o Diretor Geral da Instrução Municipal. Não opinou sobre o tema. Omitiu-se. A Congregação e Nazareth usaram da mesma estratégia: o silêncio.
O ofício enviado pelo diretor Nazareth encaminhando o professor de Trabalhos Manuais, revela um certo ressentimento e uma total impaciência, colocando-se até numa posição de superioridade. Chama o professor de incompetente, afirma que ele mal sabia assinar e insinua que roubara ferramentas da Escola Normal. É óbvio que o professor se defendeu das inúmeras acusações apresentando suas credenciais, inclusive a de ter sido contratado pelo professor Benjamin Constant. Nazareth não ficou satisfeito. Enviou outro ofício, tão desrespeitoso quanto o primeiro, comunicando ao seu superior que dera prazo de 48 horas para que as ferramentas que estavam na casa do professor aparecessem e, encaminhando, porque acreditava que esta atitude fazia parte de seus deveres, novo ofício contra o Professor, que não conseguiu escapar de ser substituído. Estaria perdendo a paciência com os professores ou o professor de Trabalhos Manuais era um insignificante mestre, sem expressão, que Nazareth precisava conspurcar para mostrar que de nada valia a Cadeira e quem a ministrava? A Congregação talvez não tenha ficado satisfeita pelo encaminhamento do problema, ainda que este professor dela não fizesse partemas, como Foucault (1996,) explica, quando uma nova formação aparece com novas regras nunca é de um só golpe, numa frase ou numa criação, mas em fragmentos. Era melhor silenciar.
Era difícil para Nazareth, muito difícil, encarar todos os dias os mesmos problemas, seja com os alunos[13], seja com os professores. Ninguém na Escola Normal parecia entender seus propósitos. Nazareth pediu sua exoneração do cargo de Diretor desta Escola[14], em 16 de novembro de 1897. Não lhe mandaram substituto. Pediram-lhe que refletisse e se mantivesse no cargo. Ele atendeu. Provavelmente acreditando que deveria continuar servindo à nação. Seu dever para com o cargo, que não mais desejava manter, o fez aguardar até 4 de fevereiro de 1898. Neste dia enviou seus derradeiros ofícios como Diretor da Escola Normal: um para o Diretor de Instrução Municipal, outro ao Prefeito do Distrito Federal. Em ambos se mostra desgostoso com o rumo que o regime recém-implantado estava tomando. De fato é até provável que tenha se sentido traído. Renuncia ao cargo vitalício.
Sabia ele, mas não levou em conta, que o ex-diretor Escola Normal, Alfredo Gomes, que havia retirado da presidência da Congregação, fazia parte do Conselho Superior de Instrução Pública, como outros ex-congregados. Nazareth mostra-se tão surpreso quanto ficara Alfredo Gomes com sua chegada à Escola Normal ao adentrar à reunião do Conselho. Fora exonerado. Fica claro, para ele, que todos os problemas[15] com que se deparara no Conselho Superior de Instrução viera da Escola Normal. Foi Alfredo Gomes quem falou o discurso da Congregação aviltada na gestão de Nazareth. A Congregação silenciosa, mas não silenciada.
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O uso da retórica como convencimento: embate por um projeto

Quando a Escola Normal se encontrava vinculada à Prefeitura do Distrito Federal foi apresentada à Congregação uma reforma do ensino primário proposta do Prefeito Francisco Furkim Werneck de Almeida [16], antes da chegada de Nazareth. Foi levada à discussão em sessão de 29 de março de 1897, pelo Diretor da Escola Normal, naquele momento atuando, naquele episódio, como representante do poder público republicano e não como presidente da Congregação.
As atas das sessões no acervo do CEMI[17] que trataram do tema permitem perceber o uso da retórica como instrumento persuasivo, como denomina Carvalho (2000, p. 133), seja pelo Diretor Alfredo Gomes, que desejava que a reforma fosse realizada com a anuência da Congregação, seja pelo Professor Guimarães Rebello, que acreditava que a reforma tirava a autonomia da Congregação de opinar sobre o Ensino Normal e sobre o Ensino Primário. O uso da retórica vem da tradição escolástica portuguesa que predominou no Colégio de Artes e na Universidade de Coimbra (ibidem, p.130)  e, em terras brasileiras, nas Faculdades, especialmente a de Direito, no Imperial Colégio de Pedro II e na Escola Militar, onde uma grande parte da Congregação estudara.
O uso da retórica implica: no costume do linguajar erudito que restringe a poucos o deciframento do que está efetivamente sendo dito e no discurso apoiado em autores estrangeiros (naquela época especialmente os gregos e romanos), que impressionam o ouvinte pelo conhecimento deles pelo orador mais do que efetivamente explicam o porquê de sua citação, dando credibilidade ao argumento. Esta foi uma estratégia de uso comum aos intelectuais – e ainda o é – quando desejam impressionar e persuadir. Os discursos são elaborados de acordo com quem os ouve, isto é, com a platéia que escuta o discurso e deve ser convencida. Os argumentos, dos quais se vale o orador, muitas vezes carecem de elementos pragmáticos de reflexão imediata, o que facilita, de certo modo, a persuasão do ouvinte, mas também atendem ao que a platéia gostaria de ouvir.
Na sessão que apresento, o professor Barreto Galvão[18], valendo-se de sua própria legitimidade (ibidem, p. 134) como professor das Cadeiras de Física e Química da Escola Normal, a quem cabia a Cadeira de Astronomia, que pela proposta deveria ser excluída, retrucou os argumentos do Diretor com retórica de lógica cartesiana, como quem era profundo conhecedor das práticas pedagógicas da cultura da formação de professores. Isto porque o positivismo trouxera uma nova imagem da ciência que o intelectual da época reforçava, seja pela racionalidade dos procedimentos, seja pela busca da neutralidade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2004, p.55) o que tornava mais científicos seus argumentos. Esta condição deu a Barreto Galvão, naquela situação, a possibilidade de, também, usar um discurso próprio para um público que sabia igual a si: os professores sem cargo político no governo.
Também se envolveram neste embate os demais professores, liderados pelo Dr. Eugenio de Guimarães Rebello que, tendo se valido dos juízos de valor como argumentos (ibidem,p.135), passou a usar de discurso além da racionalidade como, por exemplo, argumentar que o Prefeito, caso estivesse realmente desejando executar o projeto de reforma, deveria consultar a Congregação previamente para saber se deveria fazê-lo.
Alfredo Gomes, de modo a encerrar a discussão que ora o atingia, como Diretor, e ao Prefeito, consequentemente, e, de outro lado, para, de certo, arrefecer a autonomia dos congregados da Escola Normal, sugeriu que uma comissão fosse composta por ele, pelos professores Francisco Cabrita [19] e Guimarães Rebello para discutir o assunto e resolvê-lo. Sua proposta não foi inócua, também ela corroborava a retórica que defendera. Os dois primeiros professores foram escolhidos porque um estava na direção, ele próprio, e o outro porque fora Diretor e, ambos, sabiam se colocar como mediadores do poder público e daquela Congregação. Eram homens ligados ao aparelho de Estado que apareciam como agentes decisivos para resolver aquela situação. O último, ora, era quem mais reclamava e estava conseguindo cada vez maior número adeptos dentre os demais congregados. Assim, o Diretor usou a retórica, e a inteligência, para explorá-las como instrumentos de poder político, ao instituir a comissão de estudos.O Dr. Guimarães Rebello, envaidecido por ter sido citado para compor a comissão, resvalou em suas convicções, já persuadido pelo Diretor e passou, num discurso propositivo, próprio dos intelectuais espertos (BOBBIO,1997, p.73) a  achar que as bases formuladas pelo Dr. Alfredo Gomes têm lacunas mas que, por interpretar o pensamento do legislador, devem servir de elementos a quem quer que queira estudar o assunto. Na sessão seguinte da Congregação o trabalho foi apresentado, foram discutidos inúmeros pontos e foi lavrada uma ata que, no final, veio a ser "desconsiderada". É lavrada então outra ata, concisa, sem comentários que relata que. o trabalho da comissão foi aprovado para ser encaminhado à Direção da Instrução Pública. O século XIX foi um período de passagem da erudição para a intelectualidade pela transposição do movimento iluminista em cientificista (ALBUQUERQUE JÚNIOR,2004, p.54). A erudição, própria de quem exercia o magistério no século XIX, incluía o conhecimento da retórica que a instituição que os formara, quase que majoritariamente, tinha como boa doutrina, seja a Universidade de Coimbra, sejam as Escolas de Direito, seja o Imperial Colégio de Pedro II ou a Escola Militar. Por outro lado era sabido, e seguido, que pelas Preleções Philosoficas, de Silvestre Pinheiro Ferreira, citado por Carvalho (2006,p.133), que a retórica não deveria separar-se da lógica e da gramática, a teoria do raciocínio não deveria separar-se da teoria da linguagem.
           
Conclusão

As duas situações são emblemáticas, a par do contexto em que ocorreram, pelo uso pelos professores da Escola Normal das inúmeras características descritas pela historiografia como inerentes ao intelectual: defesa da autonomia para o desenvolvimento de trabalho intelectual; uso da retórica, ou da lógica, para apresentação e defesa de ideias; uso sistemático da reflexão como instrumento de trabalho e a criação de um corpus diferenciado.
A Congregação não esteve imune ao conhecimento da boa doutrina, nem alheia ao cientificismo que a Revolução Industrial espalhara pelo mundo um século antes. Como homens cultos,  era natural que lessem, como natural que escrevessem a partir de suas próprias reflexões. Os intelectuais da Congregação, pertencendo a grupo diferenciado que usa atitudes de autocomiseração, autoflagelação, auto-exaltação, autodestruição tinha, por conta desta autonomia, papel político. E a Congregação demonstrou defender a autonomia, o que a mantinha legitimada, nos dois casos, defendendo-a perante o poder público, que fez que igualmente vencesse as pretensões dos congregados, mas os derrotou politicamente.          
O fato de a Congregação publicizar, além das paredes da Escola Normal, através dos jornais onde também trabalhavam os professores como articulistas, emitindo seus comentários, suas defesas e seus ataques sobre decisões tomadas nas sessões congregacionais tipifica o intelectual que tem em si mesmo, e nos seus iguais, seus ouvintes. 
O século XIX foi, na imprensa brasileira, um período bastante tumultuado, pois além das discussões literárias, que não eram poucas, haviam as reformas, as muitas reformas (leis abolicionistas, implantação do regime republicano, projetos de construção de uma nação, etc.) com as quais se defrontavam pela  escrita contundente, os homens cultos.
Por outro lado a intervenção política não se deu apenas no uso da escrita. Quase todos os congregados pertenciam a instituições e entidades associativas que se reuniam e opinavam – publicizando ou não – seu protesto ou adesão a causas, o que constituiu um corpus como a própria Congregação o era. Assim, atendendo às características descritas na historiografia no estudo dos intelectuais, posso afirmar que, no final do século XIX, no Império e na República, havia intelectuais no magistério de formação de professores, no Rio de Janeiro, na Congregação da Escola Normal.

Referências Bibliográficas e Documentais

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