Heloisa Helena Meirelles dos Santos
Doutora em Educação
UERJ
Resumo
Investigar o
Instituto Secundário Feminino, criado pela Sociedade de Estudos Pedagógicos dos
Professores do Distrito Federal, em 3 de maio de 1909, sob a direção da
pedagoga, inspetora escolar, Esther Pedreira de Mello é o objetivo deste
artigo. O educandário, anunciado nos jornais como no título, possibilitava, ao
sexo feminino a formação nos cursos secundário e profissional, além de
preparação para a Escola Normal e para as Faculdades de Odontologia e Farmácia.
Funcionava no espaço no Pedagogium,
legitimado pela instituição que o abrigava e pela Direção da Instrução Pública
do Distrito Federal, e usava, também, o nome da reconhecida inspetora escolar
para divulgar-se. Sem visar lucros, o Instituto recolhia doações das alunas que
podiam fazê-lo e trazia, nas professoras municipais, que ali ministravam aulas,
secretariavam e dirigiam, o esforço voluntário de mulheres voltadas à
instrução. Em seu primeiro ano de trabalhos o educandário contou com trezentas
moças em seu corpo discente transformando-se em único reduto na capital
brasileira para a educação secundária das moças pobres que desejavam
instruir-se, além do curso primário público. A investigação usa por fontes
privilegiadas os tabloides da cidade do Rio de Janeiro, do início do século XX,
como o Correio da Manhã, A Noite, A Rua, O Imparcial, dentre outros, e o periódico pedagógico O Estudo, órgão de imprensa da Sociedade
de Estudos Pedagógicos dos Professores do Distrito Federal, documentos do
acervo da Biblioteca Nacional brasileira. Dialoga com Chartier (1990) e
Bourdieu (1974) na perspectiva do trato das representações sociais que coloca a
criação do Instituto Secundário Feminino como estratégia para o enfrentamento
das questões de gênero e do conflito de representações, onde a urbanização, o
capitalismo e a modernidade civilizatória tiravam a mulher das tarefas apenas
domésticas e da reclusão de lar, para atividades e cargos na sociedade que se
modernizava o que incluía poder obter maior instrução. A pesquisa pretende contribuir para minimizar
lacuna historiográfica sobre a instituição secundária para o sexo feminino
usado como estratégia para popularizar e difundir a instrução de mulheres, nos
primórdios do século XX, na cidade do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Instituto Secundário
Feminino; Esther Pedreira de Mello; conflito de representação de gênero.
Estrutura e Organização
O Instituto
Secundário Feminino foi inaugurado em 3 de maio de 1909, pela Sociedade de
Estudos Pedagógicos dos Professores do Distrito Federal[2], cuja
presidência era da inspetora-escolar Esther Pedreira de Mello[3]. A
Sociedade fora criada no 2º distrito escolar, que também era dirigido por essa Esther.
O Instituto Secundário teve a seguinte estrutura organizacional: Esther
Pedreira de Mello, diretora, responsável pelo processo pedagógico desenvolvido;
Maria Joanna Palhares e Maria Soares Vieira, como Vice-Diretoras, responsáveis
pela parte administrativa do educandário, e Floripes Anglada Luccas e Adelina
Duarte Silva, como secretárias (A Noite,
25 de março de 1916, p.2).
O educandário
funcionava com aulas diárias, no horário das três e trinta horas às dezoito e
trinta horas, à Rua do Rosário nº 72, 1º andar, no Pedagogium[4],
em espaço cedido no 1º andar da instituição.
O Instituto
Secundário Feminino não objetivava lucros e tinha nas professoras municipais,
que ali ministravam aulas, secretariavam e dirigiam o estabelecimento
educativo, um esforço voluntário, provavelmente obtido pela inspetora escolar
que dirigia o 2º distrito escolar da Prefeitura do Distrito Federal, onde
estavam lotadas todas as docentes, Esther Pedreira de Mello.
Oferecia
o educandário o curso normal, ginasial e preparatório: à Escola Normal do
Distrito Federal, à Faculdade Nacional de Belas Artes, ao Ginásio, ao Instituto
Nacional de Música e Escolas Superiores da República, de acordo com os
programas oficiais (ibidem)de cada uma das instituições. O currículo, orientado
por Esther Pedreira de Mello, era composto por: estudo de línguas (português,
francês, italiano, espanhol, inglês, alemão e latim); curso completo de
solfejo, piano e canto, segundo os programas do Instituto Nacional de Música;
ensino de desenho, pintura, datilografia, trabalhos manuais para o sexo
feminino (corte, costura, bordado, flores, etc.); curso infantil e primário com
programas especiais e, sob a direção das professoras Eulália Pires e Maria José
Queiroz , conforme os anúncios publicados nos jornais. Oferecia ainda o
currículo da instituição, o ensino de Ciências, Línguas e Artes.
Faziam parte
do corpo docente da instituição feminina as professoras: Amelia Gaudino, Maria
Barbosa da Costa Rocha, Antonietta Barreto, Sizina Queiroz Nascimento, Alcina
Moreira de Souza, Emma Lardy, Valentina Marcondes, Dulce Monat da Rocha, Alba
Nascimento, Icaride Maria Cardoso, Guiomar Cotegipe da Cruz, Rachel Vianna e
Marietta Mourão. Também ali ministravam aulas o Dr. Othello de Souza Reis[5] e o
Dr. Heitor Guedes de Mello[6],
irmão da diretora da instituição (ibidem). As professoras, assim como o Dr.
Guedes de Mello e o Dr. Othelo Reis, pertenciam, todos, aos quadros funcionais
da Prefeitura do Distrito Federal, e as professoras eram lotadas no 2º distrito
escolar que Esther dirigia, como inspetora escolar.
As vagas, para
quem desejasse ali estudar, costumavam ser concorridas sendo anunciadas
amplamente em prospectos distribuídos aos passantes nas ruas centrais da cidade
do Rio de Janeiro e, também, para atingir a população que estivesse mais
afastada das principais vias, nos diferentes jornais diários da cidade do Rio
de Janeiro, entre eles O Imparcial, Gazeta de Notícias, A Rua, Correio da Manhã e O Paiz. Todos os anúncios do
educandário eram encimados pela expressão “Sob a Direção Pedagógica de Esther
Pedreira de Mello” (Correio da Manhã,
04/05/1910, p.5; A Rua, 19/06/1915,
p.4; O Imparcial, 02/05/1915, p.4 e
12/04/1915, p. 5; O Paiz, 13/03/1920,
p.7; etc.), o que parecia legitimar a instituição.
Pelo anúncio
publicado no tabloide A Noite, o
educandário oferecia às moças a oportunidade de qualificarem-se para as novas
vagas do mercado de trabalho abertas pela “modernidade” dos tempos para as
mulheres que desejavam preenchê-las. que exigiam maior instrução, além do curso
primário oferecido nas escolas públicas.
Sendo já muito grande o número de
pedidos recebidos, serão consideradas matriculadas somente as candidatas que,
até o início das aulas houverem satisfeito todas as formalidades. As candidatas
ao 1º ano satisfarão as exigências de preparo a que se refere o Regulamento da
Escola Normal e as candidatas ao 2º e 3º anos, quando ainda não approvadas em
todas as matérias da Escola Normal, prestarão exames das disciplinas que lhe
faltam, condição indispensável para obtenção da matrícula. Rio, 1º de março de
1916. A Secretária Floripes Anglada Luccas. (A Noite, 1º de março de 1916, p.2)
Figura 1 Anúncio do Instituto Secundário Feminino Fonte: O Imparcial, 14 de abril de 1915, p.5
Também a
instituição feminina buscava adequar-se à modernidade, pois em 7 de maio de
1918, o jornal A Noite (p.5),
publicou anúncio de aula de Esperanto[7],
para as escolas públicas, promovida pelo Instituto Secundário Feminino, com a
docência dos Dr. Everardo Backheuser e Nuno Baena, nas dependências do
educandário, cedidos ao Brazila Klubo
Esperanto[8]
por Esther Pedreira de Mello.
Do discurso
proferido por Esther no primeiro aniversário da instituição, pude entender que
muitos visitantes, “homens de letras, jornalistas” assistiram aulas no
Instituto e externaram sua “calorosa aprovação” (MELLO apud Correio da Manhã, 4 de maio de 1910,
p.5), o que percebo como indício da extensa rede de sociabilidade de Esther
Pedreira de Mello e de legitimação da intelectualidade ao educandário.
Esther
Pedreira de Mello preocupava-se com a instrução das mulheres: “a mulher pode
desempenhar, com a mesma correcção do homem, os deveres de professora
secundária.[...]” (MELLO apud Correio da
Manhã, 4 de maio de 1910, p.5)[9], e
era sabedora, pelo seu cargo de inspetora escolar, das tristes estatísticas da
Diretoria de Estatísticas do Distrito Federal no que tangia à educação feminina.
Talvez imaginasse (idealista que, suponho, ela era), que devesse colaborar para
que a situação fosse ao menos minimizada. O Instituto Secundário Feminino foi
considerado por ela “[...] a salvação das moças que, impossibilitadas de
frequentar os cursos da escola official, apenas contam com o seu merito para
vencer os embaraços que esta triste sociedade [...] acumula, perversa, contra a
mulher pobre [...]” (ibidem)[10],
porque possibilitava a formação nos cursos secundário e profissional além de
preparação para a Escola Normal do Distrito Federal e para as Faculdades de
Odontologia e Farmácia (A Noite, 11
de abril de 1915, p.2).
O educandário feminino
de Esther era apoiado pela Presidência da República, pelo Pedagogium, que cedia espaço para seu funcionamento, pela
Prefeitura e pela Direção da Instrução Pública do Distrito Federal. Todos estiveram presentes em sua inauguração
e nos primeiros aniversários (O Estudo,
ano I, 20/02/ 1909, nº7, p.3-7) e, não era educandário oficial porque não
pertencia a estrutura da Instrução Pública ainda que, de certa forma, dependesse
do Distrito Federal: não pagava a localização, era iniciativa do 2º distrito
escolar (que criara informalmente a Sociedade de Estudos Pedagógicos do
Professores do Distrito Federal, que era responsável pelo Instituto Secundário)
e não cobrava pagamento pelos serviços que prestava, mas doações de quem
pudesse, voluntariamente, fazê-lo. As docentes que ali davam aulas, todas do
magistério oficial do Distrito Federal, professoras primárias, o faziam
voluntariamente, não recebendo salário.
Importância do Instituto Secundário Feminino
A
importância desta escola nos primeiros anos do século remonta da situação
educacional das mulheres no período, principalmente aquelas que, não tendo
recursos, somente poderiam instruir-se no curso secundário na Escola Normal do
Distrito Federal. Nos primeiros anos do século XX, na cidade do Rio de Janeiro,
o ensino público secundário[11]
era facultado aos homens através do Colégio Pedro II[12] e
do Colégio Militar, mas indicado aos mancebos de “boa família”
Através de
diferentes formas de controle (culpa, remorso, abandono, castigo, etc.) a
educação para as mulheres no início do século XX, quando existia, devia servir
à domesticidade da mulher, à educação dos filhos e à administração do lar. O
ensino secundário, fora do espaço público da Escola Normal do Distrito Federal,
era ministrado às mulheres, desde o século anterior, por preceptores nas
residências[13]
ou liceus, de responsabilidade religiosa ou não, no mais das vezes, o que
inviabilizava à mulher pobre o acesso a este nível de ensino e, por
consequência, à educação superior. Somente mulheres da elite podiam trilhar o
caminho das Faculdades e pouquíssimas, das Faculdades brasileiras aceitavam
mulheres[14].
O curso secundário fragmentou-se, durante o final do Império, acometido pela
dualidade[15]
entre a instrução ministrada pelo Colégio Pedro II, na sede da Corte e pela
iniciativa das províncias ou de particulares. Existiam, por certo, liceus e
escolas religiosas, mas os liceus públicos (mantidos pelo poder público) que
atendiam a poucas moças eram de permanência instável, e as escolas religiosas
eram um impeditivo para todas as moças, porque eram pagas.
A mulher, no
início do século XX, até para educadores intelectuais como José Veríssimo,
professor da Escola Normal do Distrito Federal, um homem culto, escritor, tinha
sua própria missão:
[...] tem de ser mãe, esposa, amiga e
companheira do homem, sua aliada na luta de vida, criadora e primeira mestra de
seus filhos, confidente e conselheira natural de seu marido, guia de sua prole
e reguladora da economia de sua casa, com todos os mais deveres correlativos a
cada uma destas funções (VERÍSSIMO, 1985, p.122)
Romper estas
barreiras dos valores sociais entranhados nas famílias, ocupar cargos fora do
lar, era difícil para a mulher, cara leitora. A instrução, se as moças a
tinham, estava restrita ao curso primário, o que era oferecido pelas Escolas
Profissionais Femininas, públicas, e eram o bastante para ler um livro, ou
revista, copiar, ou ler receitas e escrever, e ler, cartas. Lima Barreto
(1956), ao tratar do costume das mulheres do início do século XX, através da
personagem Clara dos Anjos, assim descreveu a personagem, uma mocinha, no Rio
de Janeiro:
Era tratada pelos pais com muito
desvêlo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona
Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara
bordados e costuras. No mais, isto era raro e só acontecia aos domingos, Clara
deixava, às vezes, a casa paterna, para ir ao cinema do Méier ou Engenho de
Dentro, quando a sua professora de costuras se prestava acompanhá-la, porque
Joaquim não se prestava, pois não gostava de sair aos domingos, dia escolhido a
fim de se entregar ao seu prazer predilecto de jogar o solo com os companheiros
habituais; e sua mulher não só não gostava de sair aos domingos, como em outro
dia da semana qualquer. Era sedentária e caseira. (BARRETO, 1956, p. 38)[16].
A tabela a
seguir, apresenta o acesso ao ensino secundário e ao ensino superior, de moças e rapazes, em anos diferentes, antes e
após o surgimento do Instituto Secundário Feminino, para que se ter uma ideia numérica. Esses dados contemplam
apenas a cidade do Rio de Janeiro, capital da república brasileira e foram
coletados pelo IBGE a partir de dados da Estatística da Instrução do Distrito
Federal[17].
TABELA 1
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século
XX, 2003
Elias (1993) mostra que a
constituição dos Estados Nacionais é elemento estruturante do comportamento
civilizado, por isso a conduta considerada civilizada “guarda estreita relação
com o entrelaçamento e interdependência crescentes de pessoas [...]entre as
esferas da vida de homens e mulheres" (p.54-77), cabendo ao Estado que se
constitui, a elaboração de normas, ideias e valores e, os padrões proibitivos
que moldam o comportamento civilizado. Ora, o padrão proibitivo a ser seguido,
tal qual modelo, era, na constituição da República brasileira, o padrão francês
de civilização[18],
como enfim nele se pautava a civilização ocidental. Quando o Instituto
Secundário Feminino foi criado, em 1909, somente um pequeno número de mulheres
no Distrito Federal, em 1907, tinha acesso ao ensino secundário (público,
somente através da Escola Normal) e, nas escolas particulares confessionais,
que, ainda que não seja especificado na tabela acima, não era público para
elas. O acesso ao ensino superior excluía mais ainda o sexo feminino e, durante
os primeiros anos do século XX, não chegou sequer a 2% o número de mulheres que
conseguiu galgá-lo. Ora, era preciso instruir-se para alcançar o modelo
paradigmático em que se apoiava a república. Penso então que, as tensões
provenientes de uma ascensão que não se queria — porque alcançar a
“civilização” não implicava, necessariamente, em uma extinção ou perda do poder
patriarcal — e o modo individualizado das mulheres reagirem à função
homogeneizadora apenas para o sexo masculino dessa educação secundária, levou,
progressivamente, também, à alteração social do papel da mulher no Brasil.
Em 1912, alguns anos após o
surgimento do educandário, cresceu o número de mulheres com acesso ao ensino
secundário[19],
ainda que o percentual tenha diminuído percentualmente, pelo ingresso crescente
do número de rapazes que, seguindo valores civilizatórios e de expansão do
capitalismo, precisavam instruir-se. A circulação e difusão dos valores
civilizatórios e a expansão do capitalismo relaciona-se ao aumento de acesso,
de moças e rapazes, ao curso secundário, entre outras transformações que se
processavam concomitantemente na cidade-capital do Brasil.
Essas múltiplas causas são
importantes naquele momento de alteração espacial na cidade do Rio de Janeiro:
crescente industrialização; chegada dos imigrantes[20]
em maior número; o desenvolvimento tecnológico e científico, todos esses
aspectos, além do que já tratamos, foram pano de fundo para o aparecimento de
novos cargos e funções, na esfera pública e privada, que necessitavam de
mão-de-obra mais qualificada para serem operados e, pela maior oferta de cursos
preparatórios que, por vezes, substituíam os cursos secundários (Piletti,
1987), de que se valeu a iniciativa para criação do Instituto Secundário
Feminino.
O governo federal tinha sob sua
responsabilidade manter o Colégio Pedro II, e os estados, apenas Liceus ou
Escola Normais. Os Liceus não tinham como manter-se, não havia verbas. As
Escolas Normais nos estados surgiam e desapareciam também ao sabor da parca verba
pública. Os Liceus, e as Escolas Normais, que existiam eram, em sua maior
parte, mantidos pela iniciativa privada o que excluía boa parte da população e,
principalmente as mulheres pobres, como protesta Lima Barreto em seu artigo “Vida
Urbana”, de 13 de março de 1915, que encontrei, durante a pesquisa, no livro “Bagatelas”,
que reúne os artigos que o autor escreveu nos jornais:
Disse anteontem alguma coisa sôbre a
instrução e não me julgo satisfeito. O govêrno do Brasil, tanto imperial como
republicano, tem sido madrasta a êsse respeito. No que toca a instrução
primária generalizada, coisa em que não tenho fé alguma, tôda a gente sabe o
que tem sido. No tocante a instrução secundária, limitaram-se, os governos, a
criar liceus nas capitais e aqui, no Rio, o Colégio Pedro II e o Militar. Todos
êles são instituições fechadas, requisitando para a matrícula de alunos nos
mesmos, exigências tais, que, se fôsse no tempo de Luís XV, Napoleão não se
teria feito na Escola Real de Brienne. Ambos, e, sobretudo, o Colégio Militar,
custam os olhos da cara e o dinheiro gasto com êles dava para mais três ou
quatro colégios de instrução secundária neste distrito. (BARRETO, 1956, p.93)[21]
Não se pode esquecer, nesta equação
que apresento sobre o pano de fundo da instrução feminina, do papel político
que a Igreja perdera ao instaurar-se a república e da laicização dos costumes.
Até então o discurso da Igreja Católica para o sexo feminino lembrava o mito do
Éden, quando a mulher fizera com que o homem pecasse e, ambos, nascessem com o
pecado original. Acreditava a Igreja, e isso pregava que, por ser a mulher
sedutora, a tal ponto que seduziu o homem a pecar, deveria ser vigiada e não
instruída, este o discurso veiculado bem longe dos preceitos civilizatórios
trazidos, também pelas ciências e o avanço tecnológico. A instrução, quando
havia para a mulher, servia para prepará-la para o casamento, o que aos olhos
de Deus a purificaria do pecado original (Almeida, 2006). E, no mesmo artigo de
1915, Lima Barreto explica o ensino secundário oferecido às moças pelas escolas
religiosas:
[...] Quanto às môças, então, com essas
é atroz [o governo]! Pobres ou ricas, não têm outro remédio senão recorrer às
barafundas pedagógicas das irmãs de caridade e jamais vir a entender a imagem
do mundo que os homens atuais, por intermédio das ciências, fazem. É uma
ignorância decretada e que bem podia, com mais tempo e vagar, se atribuir como
fonte de muitos dos nossos atrasos e muitas das desgraças domésticas que os
jornais trazem [...] (BARRETO, 1956, p.233)[22]
Importante lembrar que a educação pública
oferecida nos Institutos Profissionais Femininos desde os anos finais do século
XIX não ofereciam educação secundária, apenas primária, e estavam voltadas ao
atendimento da demanda de novos postos de trabalho surgidos com a consolidação
do capitalismo, a urbanização que se acelerava e a revolução industrial que
espalhava pelo mundo suas conquistas.[23].
Ao completar um ano de atividades o
Instituto Secundário Feminino preparou uma festividade, presidida pelo prefeito
do Distrito Federal, na sede do Pedagogium.
A festa tomou o espaço de três colunas no Correio
da Manhã, que reproduziu trechos do discurso de Esther Pedreira de Mello na
solenidade:
Aberta a sessão falou em primeiro logar
a diretora do Instituto, d. Esther Pedreira de Mello, que pronunciou o seguinte
discurso: “Senhoras e senhores, e em primeiro logar ao Sr. Presidente da
República, aqui representado, e o ilustre Sr. Dr. Prefeito, cuja presença nessa
solenidade bem se traduz por um legítimo interesse do poder público pelas
coisas do ensino. [...] Este é, com justa razão, um dia de grande alegria para
nós que empreendemos, corajosamente, a creação de um novo instituto de ensino.
[...] O três de maio de 1910 lembra egual data do ano de 1909 em que, sob a
presidência do eminente chefe supremo desta cidade, General Marcellino de Souza
Aguiar, era inaugurado o Instituto de Ensino Secundário Feminino, de iniciativa
acolhida com aplausos pelos bons amigos da instrução popular, dentro e fora da
imprensa da Sociedade de Estudos Pedagógicos, agremiação de professores desse
districto, como me foi dado registrar nas palavras que então proferi,
representando pela generosidade das distinctas colegas na qualidade de
directora, o novo instituto” (Correio da
Manhã, de 4 de maio de 1910, à página 5, e O Estudo, Ano II, nº 8, de março
de 1910)[24].
No momento do discurso proferido a
cidade do Rio de Janeiro, capital da república que se consolidava, em suas
inúmeras transformações, impelia-se às mulheres a trabalhos fora da esfera
familiar, isto é, fora da esfera de vigilância do marido, da família e seus
empregados. As mulheres imigrantes[25] e
pobres, colocando, talvez, a necessidade à frente da religião católica, que
perdia o poder político hegemônico que tivera desde sempre, assumiam cada vez
mais espaços nas novas fábricas e para elas o Instituto Profissional Feminino,
educandário público que ministrava, junto a uma profissionalização adequada
para a “moderna” época civilizatória vivida na cidade, o ensino primário,
tornou-se um educandário importante. Mas só isso não bastava! Só o ensino
primário ainda era pouco! Lima Barreto, crítico imperativo do governo, assim se
pronunciou em artigo de 26 de março de 1919, ainda no Bagatelas:
O procedimento do govêrno federal no que
toca à instrução secundária do Distrito Federal, tem sido até hoje de um
descaso sem limites. Contentou-se até hoje com a manutenção de um único
externato, tendo matrículas só accessíveis aos filhos de poderosos e
influentes. Os outros estabelecimentos que mantém, são ainda mais fechados e
segregados à procura da grande massa de infantes. Além disto, não criou
colégios secundários para môças; entretanto, apesar dêsse desprêzo, dêsse
esquecimento criminoso, para atender solicitações políticas, aumenta todos os
anos os colégios militares, anima a criação de escolas superiores e dá a
entender que, quem não fôr militar ou tiver dinheiro, deve deixar os seus
filhos na instrução primária que já dá capacidade para ser eleitor. (BARRETO,
1956, p.232-233)176
O
Instituto Secundário Feminino veio preencher uma lacuna que interessava
que os políticos federais e municipais do Distrito Federal estivessem
vinculados, como minimiza a enorme necessidade de uma escola secundária,
pública, só para moças.
Referências
Este texto é parte integrante de minha tese de doutorado (em Educação) "Esther Pedreira de Mello: múltiplas faces de uma mulher invisível", defendida, em novembro de 2014, no Programa de Pos-Graduação em Educação (PROPEd) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
SANTOS FILHO, Lycurgo. Medicina no período Imperial
(Cap. VIII). In: Holanda, Sérgio
Buarque de (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. Tomo II: O Brasil Monárquico,
v. 5. 8ª edição. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro.
2004.
BONATO, Nailda. O Instituto Profissional Feminino no
Rio de Janeiro republicano: a formação de mão-de-obra nas primeiras décadas do
século XX. Disponível em
htttp://www.historia.fcs.ucr.ac.cr/congr-ed/brasil/ponencias/da%20costa_bonato.doc Acesso 22/11/2015
[1] Apresentado
no XI CONGRESO IBEROAMERICANO DE HISTORIA DE LA EDUCACIÓN LATINOAMERICANA, Toluca,
México: Colegio Mexiquense, Maio 2014
[2] Pelo
trecho do artigo jornalístico de A Noite,
não é feita vinculação do Instituto Secundário Feminino à Sociedade de Estudos
Pedagógicos dos Professores do Distrito Federal, mas à direção de Esther
Pedreira de Mello.
[3]
Para ver biografia da educadora, ver SANTOS, 2014
[4]
Posteriormente o Pedagogium muda-se para Rua da Quitanda, 72 e o
Instituto, novamente, ocupa salas do 1º andar (Correio da Manhã, 1 de maio de 1915, s/p)
[5]
Erudito e poliglota foi professor de Geografia do Colégio Pedro II e da Escola
Normal do Distrito Federal. Ensinou, também, Cosmografia, língua pátria,
Matemática, História, Grego, Latim,
Inglês e Alemão. Escreveu livros
didáticos entre os quais se destaca “Textos para Corrigir”, “Primeiro Passos na
Álgrebra”, manual sobre Redação Oficial (em colaboração com Maria Reis Campos, obra sobre Análise Léxica, livro de Inglês
para os vestibulares de Medicina (colaboração com O. Serpa), “Três Palavrinhas”
(coletânea das explicações por ele dadas em cada número da revista “A Escola
Primária”, editada por Esther Pedreira de Mello), compêndios de Geografia para
várias séries e compêndio de História do Brasil.
[6]
Jornalista do Correio da Manhã. Secretário do jornal
[7] O
Esperanto é língua artificial criada pelo médico e estudioso de línguas polonês
Ludwig Lazar Zamenhof (1859-1917), no século XIX, para ser uma língua de
comunicação internacional. Possui gramática simples e regular e utiliza as
raízes das línguas europeias mais faladas, além de raízes latinas e gregas.
Disponível em http://www.ameriko.org/eo/HistorioDeEo-Brazilo
Acesso em 10/11/2015
[8] O
denominado (em esperanto) Brasileiro Clube de Americana (BKE) foi o primeiro
grupo de Esperanto no Rio de Janeiro, fundado em 29 de Junho de 1906. Everardo
Backheuser , seu presidente, e demais membros Dr. Nuno Baena (1º
vice-presidente), Dr. Nerval de Gouvêa (2º vice-presidente), Sr.Lauriano das
Trinas (Secretário) e Sr. Honório Leal (Tesoureiro) faziam palestras e
divulgavam a nova língua em diferentes
espaços da cidade como o Colégio Nacional (Colégio Pedro II), o Spencer School (proferida pelo Dr. Everardo
Backheuser); o Colomy-Club (oferecida pelo Dr. Couto Fernandes); a Associação
do Komercoficistoj (ofertada pelo Sr. Hernani Mendes); na Escola Militar (fornecida
pelo Sr. Daltro Santos); na Escola Cayru (proferida pelo Sr.Lauriano das
Trinas); e em Niterói (efetuada pelo Sr. Francisco Almeida Junior), no Liceu de
Artes e Ofícios Escola Alfredo Gomes (presidida pelo Dr. Leonel Fonseca). Disponível
em http://www.ameriko.org/eo/HistorioDeEo-Brazilo
Acesso em 10/11/1015
[9]
Obedecida grafia da fonte.
[10] Discurso de Esther Pedreira de Mello
reproduzido no tabloide A Noite, 11
de abril de 1915, p.2. Obedecida a grafia da fonte.
[11] Os
primeiros estabelecimentos de ensino secundário no Brasil foram o Ateneu do Rio
Grande do Norte, em 1835, e os Liceus da Bahia e Paraíba, em 1836. No Município
Neutro, por decreto de 2 de dezembro de 1837, o Seminário de São Joaquim foi
transformado em Colégio Pedro II, de ensino secundário. Diferente dos demais
educandários, afeitos ao Ato Adicional de 1834 (Lei nº 16 de 12 de agosto de
1834), e mantidos pelas províncias, o Colégio Pedro II era mantido pelo poder
central. (Haidar, 1972).
[12]
Logo após a república o Colégio Pedro II tem o nome alterado para Ginásio
Nacional de modo a desvincular-se do regime anterior. O Colégio Pedro II era o
único público a conceder bacharelado em
ciências e
letras,deferência “não concedida a
estabelecimentos particulares independente de fiscalização (DORIA, E. Memória
Histórica do Colégio de Pedro II (1837-1937). Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais, 1997).
[13]
No Brasil, o século XIX foi o período da modalidade de educação doméstica ou
educação na casa tornar-se largamente praticada pelas elites, particularmente
na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil. A casa era o lugar
em que as elites educavam os seus filhos e filhas, por meio de preceptores,
professores particulares e aulas-domésticas. (VASCONCELLOS, 2013)
[14]
Somente em 1879 o Ministro Leôncio de Carvalho estabelece, entre outras
modificações, a possibilidade da matrícula de mulheres no curso médico, sendo a
gaúcha Rita Lobato a primeira formar –se na Escola de Medicina da Bahia, em
1887 (SANTOS FILHO, 1997; PICCININI, 2002; TEIXEIRA, 2001). No Império, apresença da mulher na Faculdade de Medicina
aparece nos cursos de parteira. Em 1832, as duas Faculdades de Medicina (Bahia
e Rio de Janeiro) foram equiparadas nas cadeiras ministradas, bem como passaram
a conceder aos concluintes o título de doutor para os médicos e o de Parteiro
Diplomado aos que concluíssem o Curso de Partos realizado em 3 anos, possuindo
várias cadeiras, entre elas: Parto, Moléstias de Mulheres Pejadas e Paridas, e
Recém-nascidos (PORTO e CARDOSO, 2009)
[15]
Sistema regular seriado oferecido pelo Pedro II e Liceus provinciais (e
estabelecimentos provinciais) e sistemas particulares constituídos pelos cursos
preparatórios e exames parcelados para entrada nos cursos superiores
existentes.
[16]
Observada a grafia da fonte.
[18] O
conceito de civilização surgido na França do século XIII, na aristocracia,
representava a maneira como os membros da sociedade corte deveriam proceder.
Foi difundido por toda a Europa como um comportamento ideal para qualquer
membro das cortes europeias. Foi de extrema importância na diferenciação entre
as classes sociais existentes, e teve seu apogeu no século XVIII. O homem
civilizado controlava o instinto em primazia da razão e do controle de emoções,
para aplicar “boas maneiras” no convívio com o outro. O civilizado era um homem
urbano e instruído, antítese do homem rural e tosco. (Elias, 1990)
[19]
Inclui o ensino nas Escolas Normais.
[20]
A cidade do Rio de Janeiro foi o maior centro industrial do país até 1920 e o
operariado residente na cidade era fortemente composto de portugueses. (Melo,
Araújo e Marques, 2003).
[21]
Obedecida a grafia original da fonte consultada,
[22]
Obedecida a grafia da fonte.
[23] O
ensino profissional iniciado em 1897 (e efetivado a partirdo ano seguinte) compreendia os
cursos: elementar, médio e complementar das escolas primárias apenas, não se estendendo às escola secundária. O
currículo abrangia: “Economia doméstica, estenografia e datilografia e higiene
profissional; costura e tudo quanto a ela se relacione, “inclusive o corte de roupa
branca e de cores”, cerzidura, aposição e justaposiç0ão de remendos, etc; de
bordado branco, matiz e ouro; de flores; de trabalhos domésticos. O ensino de
arte compreende: desenho á mão livre, desenho geométrico aplicado às
indú0strias; musica vocal e notação escrita, ginástica. O “curso de estudos”
seria distribuído da seguinte maneira, em número de horas: Ginástica - 6 horas;
Aula primária - 12 horas; Desenho - 9 horas; Higiene profissional - 2 horas;
Música - 5 horas; Economia doméstica - 2 horas; Estenografia e datilografia -
4horas; Oficinas - 18 horas. (Art. 17). (BONATO, Nailda. O Instituto
Profissional Feminino no Rio de Janeiro republicano: a formação de mão-de-obra
nas primeiras décadas do século XX. Disponível em htttp://www.historia.fcs.ucr.ac.cr/congr-ed/brasil/ponencias/da%20costa_bonato.doc Acesso 221/11/2015
[24]
Obedecida a grafia da fonte.
[25] O
censo de 1920 mostra a imigração portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro:
dos 433.577 imigrantes portugueses que viviam no Brasil por ocasião do
recenseamento, 39,74% ou cerca de 172 mil portugueses, habitavam a cidade do
Rio de Janeiro. (Melo, Araújo e Marques, 2003)
Nenhum comentário:
Postar um comentário