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domingo, 30 de setembro de 2012

Educar e instruir

Escola Normal de 1888 a 1914
Fonte:AGCRJ



um primeiro passo sem o qual não póde o homem melhorar ou progredir [ porque] não há civilização sem sucessivas conquistas da intelligencia; esta só com a cultura se desenvolve: essa cultura é a instrucção, de que a primaria é o fundamento (Relatório do Ministério dos Negócios do Império de 1871, apresentado em maio de 1872, p.18)

Desde o Império a instrução primária foi tratada como de importância como instrumento civilizatório do povo brasileiro e da unidade do território. Era importante forjar o sentimento nacional, a brasilidade, o sentido de nação.
Construir uma nação que pudesse inserir-se no mundo exigia, dentre outras ações concretas e pragmáticas, manter e conservar o território, educar o povo, dar-lhe civilidade, mas também espargir sobre todo o país uma cultura que o representasse, um sentimento de nação e uma língua nacional que ligasse os mais distantes recantos dando-lhes unidade. Era esta a tarefa gigantesca do sistema republicano.
Após a Independência do Brasil, o Império brasileiro já havia buscado, como meta, a preservação do território nacional. Deste modo utilizou recursos humanos e financeiros altos, despendidos em lutas e tratados. Para isso, também, tentou fazer chegar ao povo, através da educação escolar, os ares da civilização que, em bases europeias, serviriam como modelo para a empreitada que se levava a cabo.
            A civilidade deveria começar, imaginavam, em redutos específicos, feitos para este fim, que objetivassem instruir, a partir da criança, os pais. Debates foram travados entre os que podiam opinar e aqueles que atuavam efetivamente nas Assembleias Provinciais, e depois nas Câmaras, sobre o melhor método para chegar aos objetivos a que se propunham. Esforços diferenciados foram realizados  em iniciativas governamentais e particulares, em diferentes pontos do solo brasileiro.
 A substituição progressiva do regime preceptoral pelas casas-escola mostrou os primeiros passos desse caminhar. Depois, a construção de escolas públicas. Por óbvio o tamanho do território nacional e a diversidade de sua população fizeram com que estas iniciativas coexistissem muitas vezes, ao lado de outras, numa complexa e intrincada teia. No entanto, pode-se afirmar que a formação deste Estado nacional a partir da instrução do povo se fez presente, em espaços temporais diferenciados, em todo o país.
            Quando o regime republicano se instaurou muitos projetos, de maior ou menor envergadura, foram pensados e implementados. Construir uma nação não tinha, e não tem, fórmulas e ensinamentos. Por isso, no primeiro momento, nos primeiros anos, se observam marchas e contramarchas rumo ao ideário tão acalantado, especialmente discutido pós- abolição da escravatura. A república dos sonhos muitas vezes não se fazia no cotidiano.
A oligarquia deposta com D. Pedro II não fora no mesmo navio rumo à Europa. Ela mandava ainda. A economia agro-exportadora mudara a mão-de-obra, de escravos para imigrantes, mas continuava desfrutando de parcelas, por vezes grandes, do poder político.Por outro lado ela aumentava, se distribuía, novos espaços serviam às plantações de café além do vale do Paraíba, o que dividia a elite. Por conta dessa luta por fatias do poder, de não haver como transformar sonhos em realidade palpável, a República, em seus primeiros momentos é confusa e desorganizada até.
            Como tornar o povo civilizado? Às escolas, representações da estrutura social no espaço educacional, cabiam, ainda, a tarefa de, pela instrução, trazer a civilidade. Aos professores, executores do processo escolar, competia o esforço patriótico de serem os construtores da nação.
            Mas todo esse processo seria talvez mais simples se o país tivesse professores. Quem eram aqueles que ministravam aulas?

Construtores da nação

As professoras primárias eram definidas como as verdadeiras construtoras da nação, e a profissional modelo era aquela formada nas escolas normais, cuja prática de ensino estava voltada para o bem dos alunos e do país.Essa idéia, que tinha raízes nas exigências de conduta ilibada e dedicada datavam do Império, ganhou força no início da República e, embora tenha sofrido muitos golpes com o passar do tempo e com a desvalorização da profissão docente, não foi inteiramente afastada do imaginário social do país. (Gomes, 2002, p . 405)


            Primitivo Moacyr (1937) explicou que os professores eram, no Império, homens probos, que se dedicavam ao magistério. As mulheres, poucas, eram de modo geral estrangeiras e atuavam no âmbito das residências de seus alunos. Inspirados na Ècole Normal francesa, foi criada a Escola Normal para habilitar os professores em atividade e aqueles que desejassem ingressar neste quadro. O governo imperial repassou às províncias, pelo Ato Adicional de 1834, a criação e manutenção das Escolas Normais. A primeira Escola Normal aparece em 1835, na província do Rio de Janeiro. Logo muitas mais se proliferaram e se extinguiram da mesma forma. As províncias não tinham como fazer funcionar, administrar e manter estas escolas. Por outro lado o currículo por elas oferecido se assemelhava, e muito, com o aquele que as escolas secundárias ofereciam e que tinham seu modelo, nem sempre atingido, no Imperial Colégio de Pedro II. Por vezes uma única disciplina, Pedagogias, as diferenciava.
            O governo Imperial instituiu uma Escola Normal para rapazes e moças, em 1876, na Corte. O empreendimento era vultuoso. Esta Escola também não durou muito, não havia verbas para mantê-la.[1] Os gastos com a Guerra do Paraguai, recém terminada, exauriram os cofres públicos.
            Em 1880 o Governo Imperial criou uma Escola Normal para professores primários, na Corte, com a verba existente da cessão dos ferro carril na cidade do Rio de Janeiro, chamando-a de Escola Normal da Corte. O diferencial desta Escola foi, naquele momento, o engajamento de seu corpo de professores, através da sua Congregação, ao esforço nacional de formar os construtores da nova nação que se estava criando.

Escola Normal de 1880 a 1888. Funcionava na Escola Politécnica.

            A Escola Normal da Capital Federal, sucedânea da anterior, incorporou através da sua Congregação de professores esta missão de tal forma que, apesar das alterações políticas contextuais que vão existindo neste percurso, criou tensões e embates, pelo que considerava possivelmente desvios da meta a ser atingida.
            A necessidade de construir uma ação civilizada tem sido tratada pela historiografia (GONDRA, 2008; NEVES, 2003; GOMES, 2002; OLIVEIRA, 1990 e outros) como projeto central dos regimes imperial e republicano, ainda que o desdobramento dessa política, na prática, possibilite que possamos diferenciar suas estratégias, por isso, o sentimento patriótico de pertencimento esteve sempre, não importa em qualquer destas épocas, no âmago da questão a ser tratada. O sentimento patriótico tinha de ser disseminado, e mais que isso apreendido, de tal forma que se constituísse um povo e este, por conseqüência, uma nação.

A ideia de nação faz parte do universo simbólico. Sua valorização visa proporcionar sentimentos de identidade e de alteridade a uma população que vive ou que se originou em um mesmo território. Trata-se de um símbolo que pretende organizar o espaço público, referindo-se, portanto, à dimensão política. (Oliveira, 1990,p.14)

A escola primária, enquanto espaço sistemático de ensino, era o local mais apropriado para transmitir à nova geração de brasileiros o sentido da política que se desenvolvia e, mais, que se pretendia tornar real. A família, centro até então do único processo educativo, ainda que por vezes desenvolvido por preceptores, não tinha como transmitir os novos valores, as novas tendências, o modelo a ser seguido.
            Os debates sobre a educação, obrigatória desde a Constituição de 1824, foram amplos e refletiam a diversidade de propostas a serem postas em prática o que não alavancava os procedimentos a serem tomados, mas colocava em evidência uma necessidade nacional.
            Na República, com este processo já tendo sido iniciado, urgia levar avante o projeto, o que só poderia ser feito, acreditava-se, com a criação das Escolas Normais de modo a formar quem teria como profissão educar e instruir o povo civilizado. Assim, estas escolas passaram a funcionar legitimadas pelo poder vigente pela necessidade de construir a nação, através do trabalho de seus professores .


[1] Ver, para maiores informações sobre a Escola Normal de 1876 o Relatório da Instrucção Publica de 1880, anexo E, p.18-20

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