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sábado, 7 de dezembro de 2013

TEMPOS CIVILIZATÓRIOS




           
Uma parada / Uma sahida. Os bonds da Light. Fonte: Fon-Fon!, 6.8.1910 (caricatura de K. Lixto)

            O artigo que transcrevo, com o título “A Cidade”, publicado na Gazeta de Notícias, em 3 de junho de 1903, ironizava o Decreto de Pereira Passos que prescrevia o uso de escarradeiras nos estabelecimentos públicos e proibia “cuspir e escarrar nos veículos de transporte de passageiros”. A medida visava “civilizar” a cidade transformando-a em uma nova Paris dos trópicos, então o modelo civilizatório do mundo ocidental. A caricatura, publicada em O Malho, é de um dos maiores caricaturistas da época, K.Lixto (1877-1957). K, Lixto, ou Calixto Cordeiro, foi responsável por cartazes propagandísticos de produtos como o BROMIL ou SAÚDE DA MULHER, que se tornaram muito populares. Em 1924, foi nomeado professor da cadeira de Desenho da Escola Visconde de Mauá, em Marechal Hermes, que hoje pertence à rede FAETEC, onde lecionou por cerca de 20 anos. Teve importante atuação no desenvolvimento da caricatura moderna no Brasil, com Raul Pederneiras (1874 - 1953) e J. Carlos (1884 - 1950).


A CIDADE
[...]
– É boa! E há escarradeiras nos bonds?
– Não. Mas não é preciso cuspir no chão do carro. Pode cuspir para fora.
– Sim, posso cuspir para fora, quando estiver ocupando a ponta do banco. Mas, quando estiver no centro?
– Peça licença ao vizinho da direita ou ao da esquerda, e incline-se um pouco.
– Mas, se eu não quiser pedir licença?
– Não peça, mas também... não cuspa!
– Esta agora. Mas eu quero cuspir! Eu hei de cuspir! Eu tenho o direito de cuspir! É o meu direito...
– Perdão! O senhor também tem o direito de andar descalço, e anda calçado; tem o direito de não usar gravata, e está hoje com um formoso laço a Eduardo VII; tem o direito de trazer o almoço dentro de uma latinha e de comê-lo no bond, e almoça em casa;
– Por quê? Por que, tendo o direito de fazer tudo isso, tem também o dever de ser bem educado [...]. – Mas se o senhor. for tuberculoso, continuará a usar do seu direito?
– Qual tuberculoso, homem! Tenho pulmões de ferro, - e hei de cuspir! E, se ficar tuberculoso, tanto pior para mim e para os outros! Hei de cuspir! é o meu direito [...]
– Só tem um direito!
– E qual é?
– É o direito de morrer! E digo-lhe mais: nem é um direito! É um dever! Morra,
meu amigo, morra por amor dos seus semelhantes!






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